Abelhas, vinha e gado. Os painéis solares estão mais ‘verdes’
Os painéis solares são um novo elemento na paisagem que, entretanto, começou a tentar integrar-se, rodeando-se de espécies que vão desde abelhas até às ovelhas e cavalos, passando pela viticultura.
A capacidade solar instalada em Portugal no ano passado bateu recordes. Superou em 47% a fasquia de 2023 e, apesar de alguns projetos implicarem custos elevados para a biodiversidade — como o abate de árvores, apesar de associadas compensações —, tem-se vindo a desenvolver o conceito de agrovoltaico. Ovelhas a pastorear nos campos, instalação de colmeias ou a viticultura são algumas estratégias para promover uma melhor integração dos painéis solares com a natureza.
“Atualmente, a maioria dos projetos centralizados de grande escala implementam medidas específicas para coexistir com a biodiversidade e as atividades locais, para trazerem impactos positivos à região onde se inserem”, afirma Susana Serôdio, coordenadora de Políticas e Inteligência de Mercado da APREN.
É em Alcoutim, no Algarve, que a Galp instalou o seu único parque solar de grande escala no país, com uma potência de 144 megawatts-pico (MWp). Além de produzir energia, decidiu criar um plano com o objetivo de, no final do projeto, o lugar onde jazem os painéis se encontrar em melhores condições, no que toca à biodiversidade, do que no momento da implementação do projeto, explica a empresa.
Mas como? Em redor do parque, foram instalados abrigos para pássaros e morcegos, para que estes se possam reproduzir e repousar, o que “atrai diferentes espécies para a área”, indica a empresa. A par destes abrigos, foram instalados “hotéis para insetos”, que servem de refúgio a insetos polinizadores. Além disso, a Galp aponta “várias iniciativas” para melhorar a qualidade do solo e evitar a erosão, assim como promover a recuperação dos habitats naturais. Faz, por exemplo, plantação e sementeira de plantas aromáticas e prados. E, no final, monitoriza, através de análises ao solo ou da captura de dados acústicos.
Numa vinha da Tapada da Ajuda, a mesma empresa tem vindo a desenvolver, em parceria com o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa (ISA), um teste-piloto. Aqui, cobre-se a vinha com os painéis solares, reduzindo a radiação que chega às plantas, o que contribui para a qualidade da uva e do vinho.
Em paralelo, também a EDP está a testar, em parceria com a Universidade de Évora, as soluções agrícolas que melhor casam com a produção de energia solar. “A conclusão e divulgação deste estudo está prevista para este ano, sendo o Alentejo o território pré-selecionado para testar um primeiro piloto”, afirma a elétrica.
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Ovelhas na central solar da Galp, em Alcoutim -
Cavalos numa central solar da Finerge -
Apicultura no terreno de uma central solar da Iberdrola
A Finerge tem em Portugal 12 centrais fotovoltaicas, distribuídas por sete concelhos, com uma capacidade instalada de 66,5 MWn. Nestes parques, encontram-se a pastar ovelhas, cavalos, burros, póneis e vacas. “Todos os projetos com pastorícia são desenvolvidos com proprietários de terrenos arrendados ou com as comunidades locais, a quem a Finerge cede as instalações para a prática de pastorícia, sem contrapartidas financeiras”, explica a energética.
Por seu lado, a Iberdrola conta com seis projetos fotovoltaicos em operação no país, e as iniciativas de biodiversidade acontecem em todos eles, garante Sara Hoya White, responsável de Meio Ambiente da Iberdrola em Portugal. Nas Centrais Fotovoltaicas de Conde e Algeruz pastoreiam mais de 250 ovelhas, mas não estão sozinhas. Nos mesmos parques foram colocados apiários, com 15 colmeias cada um, para a produção de mel e manutenção dos polinizadores, as abelhas, naquela área. Em 2024 deu-se a primeira colheita, que rendeu cerca de 300 quilogramas de mel.
Desafios do agrovoltaico
No futuro, a intenção é de expansão. A Finerge, além de estar a aplicar soluções em todas as centrais solares em operação, cria desde logo um plano de biodiversidade também para as centrais em fase de projeto. A Galp, que também está a aplicar os mesmos princípios em duas regiões espanholas, compromete-se: “A nossa ambição é expandir esta abordagem a outras regiões onde operamos.”
Olhando aos desafios, a Galp realça a inevitabilidade de os resultados não serem imediatos. Por seu lado, a Finerge indica que, por vezes, é difícil encontrar pessoas locais com interesse ou disponibilidade para atividades de pastorícia, apicultura ou agricultura nos solos das centrais solares.
Susana Serôdio aponta a incerteza existente quanto à produtividade das colheitas, pois depende muito das necessidades de cada espécie e da forma como os painéis fotovoltaicos se posicionam. “É necessário escolher culturas que prosperem em condições de luz reduzida ou difusa”, explica, combinações que precisam ainda de ser estudadas.
A responsável da APREN realça que não existe uma definição legal para o agrovoltaico em Portugal, pelo que a prática não é reconhecida formalmente e, neste sentido, estes projetos não podem ser desenvolvidos em Reserva Agrícola Nacional, “mesmo que possam trazer valor acrescentado à atividade agrícola”. “Estes projetos poderão ser impulsionados por enquadramento legal específico que promova sinergias entre as duas atividades económicas, fomentando os benefícios que a sua coexistência pode trazer.”
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