Bruxelas aplaude planos de transição energética, mas em Portugal há muitos ‘senãos’ na prática

No Dia Mundial da Energia, perceba a avaliação que a Comissão Europeia faz dos planos de transição dos Estados Membros, e em particular de Portugal. Setor mostra-se desde 'otimista' a cético.

A Comissão Europeia mostrou-se satisfeita com a generalidade dos planos para a energia e clima dos Estados membros. Contudo, reconhece que falta muita ação e deixa alguns reparos a Portugal. Neste Dia Mundial da Energia, o ECO/Capital Verde explica as questões que são levantadas por Bruxelas quanto aos planos de Portugal nesta área, enquanto os representantes do setor assumem desde um “otimismo condicionado” até um grande ceticismo quanto à capacidade de o país implementar o seu plano no prazo.

Os Estados membros estreitaram significativamente o hiato para alcançar as metas climáticas e de energia em 2030”, afirmou a Comissão Europeia, esta quarta-feira, na sequência de uma avaliação sobre os Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC) dos países do bloco.

As duas grandes metas definidas a nível europeu são uma redução coletiva em 55% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030, face aos níveis de 1990, e atingir uma percentagem de 42,5% de energias renováveis no mix energético.

Os planos analisados pela Comissão resultarão num corte de 54% nas emissões até 2030, “caso os Estados membros implementem na totalidade as medidas existentes e planeadas”, lê-se no comunicado partilhado pela entidade. Neste sentido, “a próxima fase consistirá em passar os planos à ação” e portanto a Comissão garante que vai intensificar o trabalho com os Estados Membros para eliminar o hiato restante. Bélgica, Estónia e Polónia, contudo, ainda não entregaram os respetivos planos.

Portugal com ambição, mas também muitos ‘senãos’

Na avaliação em relação a Portugal, a Comissão indica que “o plano final poderia beneficiar de uma descrição mais clara do seu âmbito, calendarização e impactos esperados”. Assim, “a Comissão encoraja Portugal a assegurar uma implementação atempada e completa da versão atualizada do PNEC”.

Na energia, a Comissão avalia pela positiva o aumento da ambição do peso de renováveis para 51%, apesar de aconselhar a que sejam tomadas medidas para promover os Contratos de Aquisição de Energia (CAE), de forma a dar mais “certeza” aos promotores através desta solução de longo prazo.

Além da questão da implementação de renováveis, a Comissão Europeia debruça-se sobre outras questões do âmbito da energia. Bruxelas assinala ainda que Portugal não correspondeu à recomendação de apresentar um plano para o abandono dos combustíveis fósseis, limitando-se a indicar a intenção de eliminar gradualmente os subsídios a estes combustíveis mas sem avançar prazos.

Alice Khouri, diretora do departamento Legal da Helexia em Portugal, demonstra-se preocupada com este ponto, que é comum à generalidade dos países analisados, em particular num contexto em que soam alarmes quanto à competitividade, o que normalmente adia o avanço em medidas sustentáveis. A Comissão sugere que sejam apresentadas medidas para atuar no setor público.

O país falha também em especificar metas para a indústria, edifícios e aquecimento e arrefecimento. Bruxelas aconselha Portugal a priorizar o uso de gases renováveis e hidrogénio verde em particular nos setores que não são passíveis de eletrificação. Em paralelo, o nível de interconexões elétricas (11,5% em 2024) também se situa abaixo do pretendido (15%).

Contudo, pela positiva, Portugal corresponde na antevisão da regulação quanto aos contratos de aquisição de energia, e é assinalado o aumento da meta no armazenamento através de baterias para 2 gigawatts em 2030 em vez do anterior 1 gigawatt. Em oposição, “o plano não elabora no que toca a quantificação das necessidades de flexibilidade do sistema energético” e “não inclui medidas que apoiem a flexibilidade”. A Comissão recomenda que sejam delineadas medidas adicionas para assegurar “os desenvolvimentos necessários para a rede”, assim como para oarmazenamento.

Na eficiência energética, a crítica recai sobre o facto de a ambição não ter sido aumentada e, mais uma vez, “não é clara” a alocação de verbas e a informação sobre a implementação das medidas. Khouri refere-se à eficiência energética como “o calcanhar de Aquiles” do plano de Portugal.

A Comissão considera ainda “parcialmente atendida” a orientação europeia sobre a pobreza energética, uma vez que Portugal desenvolveu um plano neste âmbito, com o objetivo de erradicar a pobreza energética em 2050, mas “não há clareza quanto aos recursos financeiros dedicados”.

Sobre financiamento no cômputo geral, “o plano não fornece dados acerca das necessidades de investimento” nem das “principais fontes de financiamento para cada medida”, conclui a Comissão.

Setor cético, mas ainda há espaço para otimismo

Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis diz-se “mais que confiante” na capacidade do país atingir as metas a que se propôs em 2030. “Os sinais estão lá, só falta implementar” e “estamos a conseguir avançar na implementação apesar das dificuldades”, afirma. Daqui para a frente, considera que tem de se continuar a reforçar pilares como a eletrificação dos consumos, contratação de energia a longo prazo, apostar no armazenamento, acelerar o licenciamento e modernizar as redes.

No entanto, nem todos os representantes do setor consultados pelo Capital Verde mostram o mesmo otimismo.

Alice Khouri, diretora do departamento Legal da Helexia em Portugal, afirma-se uma “otimista condicionada”, na medida em que não vê avanços ao ritmo certo, e assinala os atrasos decorrentes da instabilidade política e até do apagão, sendo que este último tem desviado as atenções da transição para o apuramento das circunstâncias deste problema. “Se acelerarmos, ficamos bem. Senão, vão haver grandes atrasos”, antevê.

Cinco anos, o número que separa o momento atual de 2030, no setor da energia é “o curto prazo”, realça Nuno Ribeiro da Silva, ex-CEO da Endesa Portugal, pelo que “estamos à beira do ajuste de contas”. Define como “baixa” a probabilidade de execução do plano, em particular para as metas da energia solar e de eólica offshore. “Creio que estamos com um desafio enorme e com sérios riscos de algumas das metas não serem atingidas”, afirma.

Ribeiro da Silva deteta “vários aspetos de preocupação” para o cumprimento dos objetivos assumidos no âmbito do Plano Nacional da Energia e Clima (PNEC). Aponta, desde logo, a questão da disponibilidade das redes elétricas, que são necessárias para integrar os projetos de energias renováveis que estão em cima da mesa. Ribeiro da Silva realça a “dificuldade” que a REN tem tido em apresentar “facultar prazos com algum rigor” e num horizonte temporal curto.

Questionado sobre a capacidade do país em concretizar as metas de energia com as quais se compromete no PNEC, João Nuno Serra, presidente da ACEMEL – Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado é perentório: “não, de todo”. Aponta para um “desfasamento claro entre visão da Comissão Europeia e aquilo que está a acontecer no terreno”. Critica inclusivamente que a Comissão não esteja a monitorizar o andamento dos objetivos ‘in loco’. “Não se pode esperar que um plano seja alcançado em 2030, mas só em 2030 é que vamos ver se está feito”, defende, considerando provável o adiamento das metas chegados ao final da década.

O licenciamento é realçado pelo líder da ACEMEL como o maior problema: “Licenciamento zero tem de ser [implementado] já”, e haver responsabilização também do promotor, defende. Em paralelo, assinala que a DGEG não está suficientemente dotada de meios para corresponder às necessidades. Em comparação, aponta que Espanha segue mais avançada na implementação de projetos, superando a instalação solar portuguesa em 10 vezes, ao invés das cinco que seriam proporcionais às diferentes dimensões de ambos os países.

Em paralelo, o Nuno Ribeiro da Silva realça que é “crítico para os investidores” terem um “quadro previsível” para os seus investimentos, e aponta alguma ambiguidade e incompletude nos regulamentos e procedimentos existentes. A resposta dos organismos competentes nos processos de licenciamento – da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) à Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) dita “incerteza” e “aumentos de custos junto dos promotores”, travando desta forma a celeridade necessária, na opinião do mesmo.

João Galamba, ex-secretário de Estado da Energia do Governo chefiado por António Costa e atual consultor de Energia, entende que Portugal está a colher os frutos de políticas passadas, e está na hora de “adaptar as políticas a desafios específicos do presente”. Para o ex-governante, “o maior entrave” para o país cumprir com as metas com as quais se comprometeu ao nível das energias renováveis “é sem dúvida alguma o licenciamento ambiental e comportamento do ICNF [Instituto de Conservação e Florestas]”. Galamba considera que este organismo não está alinhado com os objetivos nacionais de transição energética.

O ex-secretário de Estado sugere ainda um calendário claro de novos leilões de capacidade e a “devida implementação” de medidas que favoreçam o investimento contidas nas diretivas europeias, nomeadamente as alterações que dizem que os projetos de renováveis fora das áreas protegidas são de “interesse público superior”. “O país tem condições únicas. Falta vontade e capacidade política”, conclui.

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