FMI alerta que Zona Euro está em risco de entrar em estagnação se não adotar reformas profundas
Apesar da resiliência, o Fundo Monetário Internacional refere que a área do euro tropeça em barreiras internas, investimento anémico e uma fragmentação que mina a ambição de crescer.
A economia da Zona Euro está numa encruzilhada. Apesar da resiliência demonstrada, com desemprego em mínimos históricos e inflação controlada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta que sem medidas decisivas, sem reformas, a área do euro caminha para a estagnação económica.
No mais recente relatório sobre a região, o FMI mantém a projeção de um crescimento modesto de apenas 0,8% para 2025 revelado anteriormente o World Economic Outlook de abril, num cenário onde as tensões comerciais, os desafios geopolíticos e a fraca produtividade ameaçam comprometer o futuro económico do bloco.
O FMI nota que a economia da Zona Euro “continua resiliente, com o desemprego em níveis historicamente baixos, inflação geral próxima da meta e um sistema financeiro estável”, mas salienta que o cenário de aparente estabilidade esconde fragilidades estruturais profundas.
Os analistas do FMI estimam que as barreiras remanescentes dentro do mercado único são equivalentes, em média, a uma tarifa de 44% sobre bens e 110% sobre serviços.
O Fundo refere que os riscos para o crescimento económico são predominantemente negativos. “A incerteza da política comercial, uma maior escalada tarifária ou tensões geopolíticas poderiam pesar mais do que o esperado sobre a procura e o crescimento”, alertam os técnicos da instituição liderada por Kristalina Georgieva.
O relatório identifica vários fatores que contribuem para este cenário desafiante: “Tensões comerciais, aumento da procura por gastos com defesa e a necessidade de garantir a segurança energética — tudo isso enquanto lidam com uma produtividade abaixo do ideal, envelhecimento populacional acelerado e fraco crescimento no médio prazo”, destacam os analistas.
Aprofundar o mercado único adotar ajustes orçamentais
Para o FMI, a solução mais eficaz para os problemas estruturais da Europa passa por uma ação decisiva ao nível da União Europeia, com especial foco no aprofundamento do mercado único. “Aprofundar o mercado único da União Europeia é a principal ferramenta disponível para os decisores políticos aumentarem o investimento, a inovação e a produtividade”, defende o Fundo.
A análise do FMI revela que as barreiras remanescentes dentro do mercado único são equivalentes, em média, a uma tarifa de 44% sobre bens e 110% sobre serviços. A eliminação destas barreiras poderia impulsionar significativamente o crescimento económico do bloco. É neste sentido que relatório destaca quatro prioridades fundamentais para completar o mercado único:
- Reduzir a fragmentação regulatória.
- Avançar com a União dos Mercados de Capitais (UMC) para facilitar uma canalização mais eficiente da poupança para o capital de risco das empresas.
- Aumentar a mobilidade laboral intra-União Europeia.
- Integrar o mercado energético da União Europeia.
Simulações do FMI sugerem que a implementação destas medidas poderia aumentar o PIB potencial da região da União Europeia em cerca de 3% ao longo de uma década, beneficiando todos os países membros.
O FMI recomenda que todas as economias da Zona Euro, excluindo a Alemanha, melhorem o seu saldo estrutural primário para um excedente de 1,4% do PIB até 2030.
O FMI é também claro quanto à necessidade de ajustes orçamentais significativos, especialmente para os países com elevada dívida pública. “Para os países com dívida elevada e espaço orçamental limitado, são necessários ajustamentos orçamentais significativos para mitigar os riscos, enquanto os países com espaço orçamental podem adiar o ajustamento orçamental”, afirmam os técnicos.
O FMI recomenda que todas as economias da Zona Euro, excluindo a Alemanha, melhorem o seu saldo estrutural primário para um excedente de 1,4% do PIB até 2030. Isto exigiria “uma redução cumulativa adicional do défice de cerca de dois pontos percentuais no período 2024-2030, em comparação com o cenário de base”, estimam o Fundo.
Esta consolidação orçamental torna-se ainda mais desafiante face às crescentes pressões de despesa. O FMI estima que as pressões resultantes do aumento dos juros, do envelhecimento da população, da transição climática e da segurança energética e defesa “atingirão 4,4% do PIB por ano nas economias europeias até 2050”.
A utilização de cláusulas de salvaguarda para apoiar o aumento das despesas de defesa dos Estados-membros deve limitar-se à fase inicial.
Um ponto particularmente relevante do relatório refere-se ao aumento das despesas com defesa, tema que ganhou urgência no atual contexto geopolítico europeu. O FMI reconhece a necessidade destes investimentos, mas adverte quanto à sua implementação.
“A utilização de cláusulas de salvaguarda para apoiar o aumento das despesas de defesa dos Estados-membros deve limitar-se à fase inicial”, alerta o FMI. O Fundo insta Bruxelas e os Estados-membros a analisarem continuamente o impacto destes gastos na sustentabilidade da dívida pública e a “desenvolverem planos para colocar a dívida numa trajetória estável ou decrescente a médio prazo”.
Esta recomendação surge num momento em que vários países europeus, incluindo Portugal, procuram aumentar significativamente os seus orçamentos de defesa, recorrendo às cláusulas de salvaguarda previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Política monetária com portas abertas para a neutralidade
No campo da política monetária, o FMI considera que, com a inflação a aproximar-se da meta e o hiato do produto ligeiramente negativo, “uma postura de política monetária próxima da neutralidade é justificada”.
“Mantendo a taxa de política em 2% ajudará a manter a inflação em torno da meta na segunda metade de 2025 e além”, recomenda o Fundo. Esta posição alinha-se com as expectativas dos analistas de mercado, que preveem que o BCE mantenha a taxa de juro dos depósitos em 2% até ao início de 2028, após uma última redução em junho.
O FMI reconhece, no entanto, que “as perspetivas são altamente incertas, e o caminho da política pode precisar de ser ajustado com base nos dados recebidos ou nos desenvolvimentos”. Esta abordagem cautelosa reflete as preocupações com possíveis choques inflacionários ou deflacionários num ambiente económico volátil.
O FMI recomenda que as autoridades “estejam prontas para enfrentar potencial stress de liquidez, incluindo a preparação de um quadro para a provisão de assistência de liquidez de emergência às instituições financeiras não bancárias.
A avaliação do setor financeiro europeu pelo FMI é globalmente positiva, mas com importantes ressalvas. “O sistema bancário geralmente parece adequadamente capitalizado e líquido, mas as autoridades devem monitorizar de perto as vulnerabilidades do crescente setor das instituições financeiras não bancárias (NBFI)“, alerta o relatório.
Embora os riscos de estabilidade financeira ligados ao anterior aperto monetário estejam a diminuir, o FMI identifica novos riscos sistémicos, “particularmente da volatilidade do mercado devido a tarifas mais elevadas e exposições dos bancos às NBFI”.
O Fundo recomenda que as autoridades “estejam prontas para enfrentar potencial stress de liquidez, incluindo a preparação de um quadro para a provisão de assistência de liquidez de emergência às NBFI, juntamente com uma supervisão mais próxima”.
Os analistas do FMI consideram que “o orçamento da União Europeia tenha de aumentar pelo menos 50%, se os programas existentes forem para ser mantidos”.
Um tema recorrente no relatório do FMI é a necessidade de maior coordenação ao nível europeu para enfrentar os desafios comuns. “Esforços coordenados ao nível da União Europeia e investimentos direcionados podem ajudar a enfrentar desafios partilhados de forma rentável, apoiando os Estados-membros na gestão dos trade-offs orçamentais”, defendem os analistas.
Para apoiar investimentos em áreas prioritárias como inovação, transição energética e defesa coletiva, o FMI considera que “o orçamento da União Europeia tenha de aumentar pelo menos 50%, se os programas existentes forem para ser mantidos”.
O relatório sublinha que “investimentos coordenados que melhor internalizem externalidades positivas transfronteiriças e minimizem esforços nacionais duplicados gerarão poupanças orçamentais líquidas para os Estados-membros”.
Na área da transição energética, por exemplo, o FMI estima que “uma melhor coordenação e planeamento ao nível da UE pode reduzir os custos de investimento em 7%”.
O relatório do FMI representa um alerta para os decisores políticos europeus: sem ações decisivas e coordenadas, a Zona Euro arrisca-se a entrar num período prolongado de baixo crescimento. As recomendações do Fundo apontam para um caminho exigente que visa aprofundar o mercado único, garantir a sustentabilidade orçamental, manter a estabilidade monetária e financeira, e reforçar a coordenação europeia.
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