Da antecipação de encomendas, à gestão de risco de crédito. Empresas ativam planos de contingência para mitigar riscos da guerra

Conflito no Médio Oriente está a sustentar uma subida dos preços dos combustíveis e pode ameaçar cadeias de abastecimento. Empresas estão já a implementar várias medidas para mitigar os riscos.

A guerra no Irão está a contribuir para aumentar o clima de instabilidade e incerteza económica global, num ambiente, de si, já marcado por inúmeros desafios. Apesar de o impacto direto para as empresas portuguesas ser reduzido, indiretamente o conflito no Médio Oriente é “bastante alarmante” e com um impacto “impossível de quantificar”, o que está a levar as empresas a implementar planos de contingência, que incluem a antecipação de encomendas e reforço de stocks, gestão de risco cambial e de crédito, e procurar alternativas de transporte que evitem rotas de alto risco.

“Tal como quando tivemos a crise no Canal do Suez, as empresas estão a preparar estratégias que vão desde novos contratos logísticos, à antecipação do reforço de stocks críticos – e passando pela repercussão de eventuais aumentos dos custos de transporte (se e quando necessário)”, explica Rafael Alves Rocha, diretor-geral da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, ao ECO. De acordo com o mesmo responsável, “algumas empresas portuguesas, especialmente as mais internacionalizadas, e assim expostas a mercados mais voláteis, já estão a ativar planos de contingência“. “Estas medidas incluem a antecipação de encomendas, reforço de relações com fornecedores alternativos, nomeadamente em mercados mais estáveis, e uma maior atenção à gestão de risco cambial e de crédito“, detalha.

Algumas empresas portuguesas, especialmente as mais internacionalizadas, e assim expostas a mercados mais voláteis, já estão a ativar planos de contingência. Estas medidas incluem a antecipação de encomendas, reforço de relações com fornecedores alternativos, nomeadamente em mercados mais estáveis, e uma maior atenção à gestão de risco cambial e de crédito.

Rafael Alves Rocha

Diretor-geral da CIP

Ramiro Brito, presidente da AEMinho refere que “algumas empresas estão a desenvolver planos de contingência para garantir a continuidade dos negócios em caso de escalada do conflito“, o que “acontece em articulação com agências governamentais, para compreender melhor o ambiente de negócios e estarem preparadas para possíveis mudanças nas regulamentações”.

Além da diversificação de fornecedores, gestão de stocks, inclusão de cláusulas reguladoras de preços em contratos de fornecimento que permitam compensar os aumentos nos custos de combustível e transporte nos contratos, Ramiro Brito realça ainda que as empresas podem “utilizar instrumentos financeiros de hedging para se protegerem contra flutuações desfavoráveis nas taxas de câmbio” para gerir risco cambial e fizerem uma “avaliação contínua dos riscos associados à sua exposição ao mercado global e ajustem suas estratégias conforme necessário”.

“Temos conhecimento também que algumas [empresas] estão a reforçar os seus stocks e a procurar alternativas de transporte que evitem rotas de alto risco“, acrescenta José Eduardo Carvalho, presidente da AIP, acrescentando que “um conjunto de empresas de maior dimensão e com enquadramento multinacional, já está a procurar aconselhamento junto de consultoras especializadas em risco geopolítico e financeiro”.

Para José Eduardo Carvalho, “as principais estratégias de mitigação, de curto e médio, incluem a redução da dependência de cadeias de abastecimento vulneráveis à instabilidade no Médio Oriente, uma gestão de stocks mais eficiente e que aumente as reservas de matérias-primas críticas para evitar ruturas, antecipar e acelerar os investimentos nas áreas da eficiência energética (tecnologias que reduzam o consumo de combustíveis fósseis) e adiar os investimentos não estratégicos”. No entanto, “caso o conflito se prolongue, parece-me inevitável, para evitar instabilidade de emprego, uma repercussão nos preços finais aos consumidores e/ou redução de margens de comercialização”, atira.

José Eduardo Carvalho, presidente da AIP, realça que as empresas portuguesas já estavam a tomar medidas de mitigação de riscos devido às tarifas.

O responsável nota ainda que as empresas portuguesas, devido à nova política tarifária imposta pelos EUA e por uma escalada dos conflitos na Europa e Médio Oriente, “já estavam a tomar algumas medidas de mitigação” de risco. “Neste sentido é natural que as empresas consolidem a revisão dos seus contratos de fornecimento e a renegociação de prazos e preços com parceiros internacionais“, antecipa.

O impacto direto da Guerra no Irão nas relações económicas bilaterais com Portugal não será significativo, uma vez que esse país não tem um peso relevante na estrutura do nosso comércio internacional. No entanto, o impacto indireto deste conflito é bastante alarmante e impossível de quantificar.

Luís Miguel Ribeiro

Presidente do conselho de administração da AEP

Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP – Associação Empresarial de Portugal, explica que “o impacto direto da guerra no Irão nas relações económicas bilaterais com Portugal não será significativo, uma vez que esse país não tem um peso relevante na estrutura do comércio internacional” — Portugal exportou para o Irão, em 2024, cerca de dois milhões de euros em bens e importou pouco mais de 500 mil euros. “No entanto, o impacto indireto deste conflito é bastante alarmante e impossível de quantificar“, avisa.

Portugal vulnerável a “choque” na energia

A subida dos preços dos combustíveis –barril de Brent está a negociar acima dos 79 dólares por barril e os analistas alertam que as cotações podem escalar até aos 120/30 dólares, dependendo de um eventual bloqueio do Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo global — é um dos principais riscos para as empresas portuguesas. Além da fatura mais pesada com combustíveis, este aumento pode refletir-se numa subida da inflação e numa alteração na política de descida de juros dos bancos centrais, levando os custos de financiamento a voltarem a agravar-se.

“Estes aumentos [dos preços das matérias-primas] afetam diretamente os custos operacionais das empresas portuguesas, sobretudo nos setores de transportes, logística, indústria transformadora e agricultura“, destaca o presidente da AIP. José Eduardo Carvalho aponta ainda que “a volatilidade cambial e a retração nos mercados financeiros globais podem afetar o acesso ao crédito e a confiança dos consumidores, com impacto indireto nas exportações e no investimento”.

Estes aumentos [dos preços das matérias-primas] afetam diretamente os custos operacionais das empresas portuguesas, sobretudo nos setores de transportes, logística, indústria transformadora e agricultura.

José Eduardo Carvalho

Presidente da AIP

O diretor-geral da CIP realça que “a intensificação do conflito no Irão, agora com o envolvimento direto dos Estados Unidos da América (EUA), traz incertezas acrescidas a um ambiente económico marcado por extrema volatilidade, instabilidade e imprevisibilidade”. “Embora o impacto direto nas empresas portuguesas seja, para já, limitado, os efeitos indiretos fazem-se sentir desde logo pela pressão sobre os mercados energéticos, o aumento dos custos de transporte e o risco de perturbações nas cadeias logísticas globais”.

Portugal, enquanto economia aberta, e onde os preços de energia representam uma fatia muito significativa dos custos de contexto empresarial, está exposto a choques externos desta natureza”, alerta.

Rafael Alves Rocha alerta ainda que a “desestabilização geopolítica contribui para um clima de maior incerteza nos mercados financeiros, e consequentemente nas decisões de investimento, com impacto na confiança dos empresários, e nos respetivos custos de financiamento”. “Ainda assim, é importante reconhecer que as empresas portuguesas têm demonstrado, repetidamente, uma notável capacidade de adaptação a contextos adversos”, destaca o mesmo responsável. “A experiência recente com a pandemia, a disrupção nas cadeias globais e os impactos da guerra na Ucrânia mostraram que o tecido empresarial nacional — em particular a indústria transformadora — é ágil, resiliente e capaz de ajustar rapidamente processos, métodos e estratégias. A capacidade de resposta das empresas portuguesas é, por isso, um ativo que deve ser reconhecido, valorizado e apoiado”, defende.

O diretor-geral da CIP acrescenta que “muitos setores têm vindo a reforçar a sua autonomia logística, diversificaram em termos de mercados e investiram quer em eficiência energética, quer em processos de digitalização”, “variáveis que hoje constituem uma vantagem competitiva num ambiente global cada vez mais instável”.

Consumidoras de matérias-primas e transportes mais afetados

Entre as empresas mais expostas ao conflito no Médio Oriente, os responsáveis empresariais destacam grandes consumidores de matérias-primas e o setor dos transportes e logística. “As empresas mais expostas são aquelas que dependem de matérias-primas energéticas ou químicas oriundas do Médio Oriente, as que operam em mercados internacionais com forte presença no Golfo Pérsico, bem como aquelas cuja logística depende de rotas marítimas como o Estreito de Ormuz”, sintetiza o diretor-geral da CIP.

“Setores como o transporte marítimo, a aviação, a refinação, os fertilizantes, a metalurgia e a agroindústria podem ser particularmente impactados se a escalada do conflito afetar os fluxos de comércio global. Setores como a indústria transformadora, os transportes, a metalomecânica, os produtos químicos e os têxteis são particularmente sensíveis a oscilações nos preços da energia e a atrasos nas cadeias de abastecimento“, explica Rafael Alves Rocha.

Face a todos estes problemas, os representantes empresariais pedem medidas para ajudar a mitigar os riscos. “A CIP – Confederação Empresarial de Portugal tem vindo a alertar, de forma consistente, para a necessidade de medidas de mitigação para os setores mais expostos aos desenvolvimentos internacionais. Neste contexto, torna-se ainda mais urgente garantir um quadro regulatório simples, com licenciamentos rápidos, e medidas que fomentem a produtividade do sistema produtivo nacional”, explica Rafael Alves Rocha.

Também a AEP refere que, “em alguns casos, há formas de mitigar, em parte, o elevado impacto para as empresas e a economia portuguesa em geral, nomeadamente pela atuação ao nível da redução da fiscalidade (ISP – Imposto sobre os Produtos Petrolíferos) e da suspensão temporária da atualização da taxa de carbono“. Além das políticas públicas de cada país, Luís Miguel Ribeiro aponta para o papel da Europa.

“Num momento em que a Europa se encontra fragilizada pela sua dependência externa, é mais importante do que nunca estabelecer estratégias para reduzir, ainda mais, a sua independência energética (o Estreito de Ormuz recebe o transporte de cerca de 20% do petróleo mundial e uma parte significativa do gás natural) e assegurar a segurança das suas cadeias de fornecimento”, assegura o presidente da AEP.

Filipe Garcia destaca que “este é um fator adicional de incerteza que surge num contexto de desaceleração económica global e de menor confiança dos agentes económicos”. Para o economista da IMF, “no imediato, o impacto maior poderá mesmo ser ao nível da confiança, que já tem sido afetada por todo o ruído e impactos da guerra comercial, guerra na Ucrânia, alteração das prioridades dos governos internacionais ligada ao risco geopolítico e desaceleração chinesa”.

Portugal, uma pequena economia aberta que faz parte da UE, é sensível a todo este contexto mais negativo. Portanto, em termos gerais, não são boas notícias porque prejudicam a confiança dos consumidores e das empresas”, explica. Filipe Garcia mostra-se, no entanto, moderadamente otimista. “Não há interesse de nenhuma parte em que o conflito alastre em termos de países intervenientes, mas o regime do Irão pode ter de lutar pela sobrevivência, o que torna as coisas menos previsível”, justifica. O economista considera, por isso, que “o maior dano, no imediato, é na confiança e a influência nos processos de tomada de decisão“.

Luís Miguel Ribeiro alerta, porém, que “num período já pautado pelos enormes riscos externos, um escalar de conflitos geopolíticos a nível mundial afeta significativamente o crescimento do país, como se tem visto nas sucessivas revisões em baixa para o crescimento da economia portuguesa”. A associação minhota AEMinho concorda que “a guerra no Irão tem o potencial de afetar diversas áreas da economia portuguesa, e as empresas devem estar preparadas para responder proativamente a esses riscos”, realça Ramiro Brito. Para o presidente da AEMinho, “a implementação de estratégias robustas de mitigação pode ajudar a minimizar os impactos adversos no funcionamento e na rentabilidade das operações“.

Transporte marítimo mantém-se pelo Cabo da Boa Esperança

Para o setor do transporte marítimo, o conflito não vai alterar para já as rotas dos navios, que já estavam a ser desviados para o Cabo da Boa Esperança, devido aos ataques no Mar Vermelho. “Neste momento, os problemas ainda não são diferentes dos que já existiam na região, por via dos ataques dos Houthis, que há largos meses condicionam o trânsito no Mar Vermelho. A solução tem passado por uma rota alternativa, através do Cabo da Boa Esperança, o que encarece significativamente e aumenta o tempo de viagem”, explica Mário de Sousa, CEO da Portocargo.

Num mundo globalizado e com permanentes trocas comerciais à escala mundial, cada rota suprimida ou condicionada representa perdas financeiras gigantescas e impactos muito negativos para as operações das empresas em todo o globo.

Mário de Sousa

CEO da Portocargo

O responsável alerta, porém que, “se esta situação se agravar, os impactos serão certamente severos e substanciais“. “Ocorrendo o encerramento do estreito de Ormuz, como ameaça o Irão, falamos da supressão de uma via por onde circula cerca de 20% do petróleo mundial. Isto teria consequências brutais ao nível do aumento dos custos de combustível, bem como da disponibilidade dos navios (obrigados a fazer viagens mais longas)”.

“Os players do setor estão limitados na sua atuação, estando dependentes nesta matéria do bom senso dos decisores e da capacidade de ser atingido um entendimento pela via do diálogo”, aponta Mário de Sousa. “Num mundo globalizado e com permanentes trocas comerciais à escala mundial, cada rota suprimida ou condicionada representa perdas financeiras gigantescas e impactos muito negativos para as operações das empresas em todo o globo”, remata.

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