Portugal sofre de Eurosclerose e está preso à ilusão de garantir “empregos para toda a vida”

A falta de mobilidade laboral em Portugal cristaliza o atraso económico, afetando a capacidade de adaptação e renovação das empresas, alerta um estudo que será apresenta no Fórum anual do BCE.

Quarenta anos depois do economista alemão Herbert Giersch ter cunhado o termo “Eurosclerose” para descrever a estagnação económica europeia, um novo estudo académico vem confirmar que o Velho continente continua a sofrer da mesma doença. E Portugal não escapa ao diagnóstico.

O economista Benjamin Schoefer, da Universidade da Califórnia em Berkeley, irá apresentar na próxima semana no Fórum anual do BCE em Sintra uma análise devastadora sobre como as rígidas instituições do mercado de trabalho europeu continuam a ser o calcanhar de Aquiles da competitividade face aos EUA, colocando Portugal entre os exemplos mais flagrantes dos problemas identificados.

Embora a Europa tenha largamente resolvido o problema do desemprego elevado que marcou as décadas de 1980 e 1990, Benjamin Schoefer ressalva que a Europa preservou as instituições laborais rígidas que agora se manifestam através de “baixo dinamismo” do mercado de emprego e da economia, notando que os europeus trocam de emprego com muito menos frequência e que também por isso a reestruturação empresarial é muito mais rara.

Mais de 30% dos trabalhadores portugueses mantêm-se no mesmo emprego há mais de 20 anos – um fenómeno de “empregos para toda a vida” que, longe de ser uma conquista social, pode estar a prejudicar gravemente a nossa produtividade e competitividade económica.

Isso é notório em Portugal, onde apesar de o país ter reduzido o desemprego global, continua a apresentar uma elevada incidência de contratos temporários (que atingiu os 17,9% em 2023, descendo ligeiramente para 16% em 2024), baixa mobilidade laboral entre empregos e uma estrutura de mercado laboral dual que separa trabalhadores protegidos dos precários.

Segundo o estudo “Eurosclerosis at 40: Labor Market Institutions, Dynamism, and European Competitiveness”, mais de 30% dos trabalhadores portugueses mantêm-se no mesmo emprego há mais de 20 anos – um fenómeno de “empregos para toda a vida” que, longe de ser uma conquista social, pode estar a prejudicar gravemente a nossa produtividade e competitividade económica.

Este número coloca Portugal ao nível da Grécia e Itália, países onde a mobilidade laboral é igualmente escassa, contrastando dramaticamente com os EUA, onde apenas 9% dos empregos duram mais de duas décadas, que faz com que, “uma vez que um trabalhador em França ou Itália perde o emprego e fica desempregado, esse estado vai durar algum tempo porque escapar ao desemprego é um evento relativamente raro”. A mesma lógica aplica-se a Portugal, onde a probabilidade mensal de um desempregado encontrar trabalho é cerca de metade da registada na Dinamarca.

A anatomia da esclerose europeia

A análise de Benjamin Schoefer agrupa Portugal no cluster dos países “mediterrânicos”, juntamente com Itália, Espanha e França, caracterizados por uma “prevalência elevada de contratos a termo certo” como escape à rigidez dos contratos permanentes. Este dualismo no mercado laboral português representa, segundo o estudo, “má dinâmica” em vez do tipo “bom” que ainda pode estar em falta e limitado pelas instituições do mercado de trabalho europeu.

O investigador demonstra que “países onde um indivíduo desempregado encontra um novo emprego lentamente, eles vão mantê-lo muito mais tempo uma vez empregados” — uma correlação que ilustra perfeitamente a realidade portuguesa, onde a dificuldade em encontrar trabalho leva os trabalhadores a permanecerem indefinidamente nas mesmas funções, mesmo quando estas se tornam obsoletas ou improdutivas.

O estudo lança um alerta específico sobre o impacto desta rigidez na capacidade de Portugal e de outros países europeus em competir nos setores tecnológicos e de inovação. “Atividades económicas relacionadas com TIC e inovações disruptivas, para empresas novas e estabelecidas, são deprimidas por instituições rígidas do mercado de trabalho”, argumenta Benjamin Schoefer, sugerindo que a incapacidade de facilitar a mobilidade laboral pode estar a condenar Portugal a ficar para trás na corrida tecnológica global.

Compreender como as instituições do mercado de trabalho europeu moldam os resultados macroeconómicos parece tão urgente agora como durante a crise do desemprego há cerca de 40 anos.

Benjamin Schoefer

Professor da da Universidade da Califórnia em Berkeley no relatório Eurosclerosis at 40: Labor Market Institutions, Dynamism, and European Competitiveness

Esta conclusão é particularmente significativa quando o autor revela que “países com EPL [legislação de proteção do emprego] elevado irão otimamente especializar-se em inovação incremental que melhora bens existentes em vez de inovação disruptiva”. Em termos práticos, significa que Portugal pode estar estruturalmente condenado a melhorar marginalmente produtos e serviços existentes, em vez de criar as tecnologias revolucionárias que dominam os mercados globais.

A investigação de Benjamin Schoefer estabelece ainda uma comparação entre Portugal e Espanha, mencionando as “experiências espanhola vs. portuguesa” como um dos “puzzles” mais intrigantes na evolução do desemprego europeu. Enquanto Espanha conseguiu implementar reformas significativas no seu mercado laboral, Portugal parece ter permanecido relativamente estático nas suas estruturas institucionais.

O académico é categórico na sua avaliação da urgência desta questão: “compreender como as instituições do mercado de trabalho europeu moldam os resultados macroeconómicos parece tão urgente agora como durante a crise do desemprego há cerca de 40 anos”. Para Portugal, esta urgência é amplificada por fatores como o envelhecimento populacional, as dificuldades crescentes de recrutamento, e a necessidade de transição para uma economia mais tecnológica e sustentável.

A classificação de Portugal entre os países com “estrutura industrial estática com poucas empresas novas a surgir para perturbar indústrias existentes ou desenvolver novos motores de crescimento” representa um desafio existencial para a economia nacional. Como conclui o estudo, sem reformas profundas que facilitem a mobilidade laboral e empresarial, Portugal pode estar condenado a “escolher entre ser líder em novas tecnologias, um farol de responsabilidade climática e um jogador independente no cenário mundial”, porque não conseguirá ser tudo ao mesmo tempo.

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