AMA, um ‘centro de emprego’ e contratos da tecnológica Glintt

A agência para a modernização administrativa do Estado tem vários quadros de topo da Glintt e um consultor externo do Técnico que é na prática líder de operações. E muitos contratos assinados.

A Agência para a Modernização Administrativa (AMA) transformou-se numa espécie de ‘agência pública de emprego’ e negócios da Glintt Global, empresa de serviços tecnológicos com a qual assinou mais de 30 contratos nos últimos oito anos, uma relação crescente que causa desconforto interno e terá já motivado denúncias judiciais. No centro desta rede de contratos estão ex-quadros da Glintt na liderança da instituição e um professor do Técnico que tem contrato para Investigação e desenvolvimento, mas lidera equipas externas, decide regras de concursos e assume responsabilidade de gestão de projetos.

A AMA é uma agência pública que depende, no XXV Governo de Montenegro, do novo ministério da Reforma do Estado, mas dependia, no anterior, da ministra Margarida Balseiro Lopes, e tem a responsabilidade de “desenvolver, coordenar e avaliar medidas, programas e projetos nas áreas de modernização e simplificação administrativa e regulatória, de administração eletrónica e de distribuição de serviços públicos”. Em 2025, o orçamento da AMA ronda os 18 milhões de euros.

A relação próxima da AMA com a Glintt Global é uma fonte interna de tensões, estranheza, desconforto e conversas de corredor dentro da agência, sempre sob anonimato, desde logo pelo que quadros superiores consideram haver, no mínimo, um conflito de interesses na gestão desta entidade pública. Dois dos três membros do Conselho Diretivo são antigos quadros da tecnológica, e o diretor do mais importante departamento, o TicAPP, também foi quadro da Glintt.

Entre o trio que compõe o atual conselho diretivo da AMA, está a presidente, Sofia Mota, que foi senior manager (gestora sénior) e manager da área de Consultoria em Tecnologias de Informação na Glintt entre 2008 e 2018, e o vogal João Roque Fernandes, que foi senior manager da área de Administração Pública Central não Saúde na Glintt, entre 2013 e 2017. A vogal Mónica Letra é a jurista do conselho e fez carreira dentro da própria agência.

Sofia Mota é presidente da AMA desde 16 de maio de 2024, a data seguinte à exoneração do conselho diretivo então presidido por João Dias, gestor que não renovou o professor do Técnico por considerar que o contrato violaria as regras. Antes de assumir a liderança da agência, substituindo João Dias cargo, Sofia Mota era diretora do TicAPP – Centro de Competências Digitais da Administração Pública, a unidade da AMA cuja missão é apoiar as diferentes áreas governativas na transformação digital, desenvolvendo os projetos e tendo inclusive um papel na contratação de serviços externos na área das tecnologias de informação e comunicação.

Sofia Mota é presidente da AMA desde 16 de maio de 2024, a data seguinte à exoneração do conselho diretivo então presidido por João Dias, gestor que não renovou o contrato professor do Técnico por considerar que o contrato violaria as regras. Antes de assumir a liderança da agência, substituindo João Dias cargo, Sofia Mota era diretora do TicAPP – Centro de Competências Digitais da Administração Pública, a unidade da AMA cuja missão é apoiar as diferentes áreas governativas na transformação digital, desenvolvendo os projetos e tendo inclusive um papel na contratação de serviços externos na área das tecnologias de informação e comunicação.

Curiosamente, ou talvez não, o TicAPP é agora liderado por Luís Miguel Correia, que antes de entrar na AMA esteve durante 14 anos na Glintt, tendo as suas últimas funções na empresa (2022) sido na Nexllence powered by Glintt, a anterior marca dedicada à consultoria tecnológica. O TicAPP está encarregue (e tem competências para) acompanhar os projetos de digitalização, mas, de acordo com os testemunhos ouvidos pelo ECO, além de Luís Miguel Correia, também o docente do Técnico, André Vasconcelos, participa nas reuniões com as empresas. adjudicatárias.

A 14 de maio de 2025 houve uma reunião de quadros da AMA num hotel em Lisboa, na qual a Glintt esteve presente e terá até pago a conta da sala, apurou o ECO. Segundo a AMA, André Vasconcelos não esteve presente e foi uma “reunião de trabalho regular” com as suas equipas tecnológicas para “abordar os projetos em curso com o parceiro, no âmbito dos seus contratos em execução”. “A Glintt Global realiza regularmente reuniões de acompanhamento de trabalho e projetos em curso, em diferentes localizações e com diferentes parceiros e clientes, o que inclui naturalmente a AMA”, argumenta, por sua vez, a tecnológica.

O professor do Técnico foi notícia no ECO por causa das dúvidas sobre a legalidade do contrato que mantinha com a AMA, e na sequência, o anterior presidente da entidade pública decidiu não renovar o contrato. No entanto, quando Sofia Mota sucedeu a João Dias, voltou a contratar André Vasconcelos para uma função de “Investigação de Desenvolvimento”, sob a forma de “protocolo”, e financiado pelo PRR.

O ECO não teve acesso ao contrato assinado com o professor do Técnico, mas na rede interna da agência verifica-se que o modelo seguido foi o de “protocolo”, e há um dado que surpreendeu os colaboradores da agência. O chamado “gestor de contrato” deste protocolo, que tem a missão de assegurar o cumprimento dos termos do acordo de prestação de serviços, é um dos membros do conselho diretivo, precisamente o vogal João Roque Fernandes, situação inédita e que, segundo uma fonte do ECO, só se explica pela necessidade de limitar ao mínimo o número de pessoas com acesso àquela informação.

Um prestador de serviço que manda nos serviços

Apesar das informações oficiais, André Vasconcelos gere equipas de outsourcing, define regras de concursos e assume responsabilidade de gestão na área da ‘identidade digital’ como se fosse, ele próprio, do conselho da AMA, garantem ao ECO duas fontes internas da AMA, que pediram o anonimato.

O professor do Técnico tem um contrato com a AMA de prestação de serviços de investigação e desenvolvimento (I&D) desde 1 de fevereiro de 2025. Ainda que seja um consultor externo, tem estado envolvido em tarefas operacionais e de gestão dos projetos de transformação digital na agência, e em reuniões de quadros da AMA. Enquanto “especialista”, participa em reuniões do júri dos concursos públicos, conforme mostram documentos a que o ECO teve acesso. As funções que está a desempenhar extravasam a consultoria em I&D e tocam em matérias da contratação pública, lançamento de concursos e gestão (na sombra) de equipas internas e externas, o que constitui uma irregularidade.

Além do backstage, o consultor externo representa frequentemente a AMA em eventos públicos e conferências. A título de exemplo, fez uma intervenção em nome da AMA na semana passada na C-Days, um certame de referência nacional na área da segurança informática, promovido pelo Centro Nacional de Cibersegurança.

A lista de tarefas é extensa e contrasta com a atividade de I&A. Por exemplo, em outubro fez parte do júri do processo de recrutamento para um cargo de direção na AMA, mais precisamente na divisão de recursos financeiros e patrimoniais.

“Foi nomeado como membro do júri (2.º vogal) em procedimentos de recrutamento de pessoal de dirigentes intermédios de 2.º e de 1.º grau (em 22 de maio de 2024 e 23 de dezembro de 2024, logo anterior à celebração do contrato de prestação de serviços)”, esclarece a AMA ao ECO, argumentando que era necessário “um indivíduo de reconhecida competência na área funcional respetiva, designado por estabelecimento de ensino de nível superior ou por associação pública representativa de profissão correspondente”.

Questionada, fonte oficial da AMA garante que André Vasconcelos só foi nomeado “em alguns procedimentos aquisitivos como “perito ou consultor” para dar apoio ao júri e, ainda que possa participar nas reuniões dos jurados, “não tem direito de voto”.

Mais de quatro milhões em sete meses

Os contratos entre a AMA e a Glintt acumulam-se, e ganham relevância desde a entrada de Sofia Mota na agência. Só para consultoria em interoperabilidade foram entregues à Glintt, entre agosto e fevereiro, cinco concursos, sendo que em dezembro foram adjudicados dois com sete dias de diferença entre si (um de 375.044,80 euros e outro de 710.707,20 euros). Seguiu-se depois outro de 1,2 milhões de euros a 13 de fevereiro.

O mais recente foi adjudicado em maio deste ano, no valor de 739.200 euros, para serviços de gestão, arquitetura de sistemas de informação, testes, suporte e operação para a operacionalização de identidade digital (autenticação dos cidadãos em portais ou aplicações do Estado). Com este contrato, contabilizam-se cinco em sete meses com um valor acumulado de 4,1 milhões de euros.

Fonte oficial da Glintt diz ao ECO que a AMA é uma das entidades com as quais a empresa de Sintra colabora “há muitos anos” por via de contratações com “rigorosos procedimentos”, que são “altamente escrutinados”. Assim, a quantidade de projetos ganhos é “fruto da capacidade técnica demonstrada e da qualidade das soluções e equipas”.

Juízes das contas públicas travaram contrato em 2023

As relações da AMA com a Glintt já se revelaram perigosas: Bateram na trave do Tribunal de Contas. No mandato de João Dias, que havia assumido a liderança da AMA em janeiro de 2023, na sequência de um concurso público conduzido pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP), e foi exonerado em maio de 2024, os juízes das contas públicas chumbaram um contrato entre o organismo público e a tecnológica, no valor superior a dois milhões de euros, como avançou o Correio da Manhã.

João Dias foi surpreendido com a decisão do Tribunal e terá percebido, nesse momento, que havia uma estratégia montada à medida da Glintt. Para o TdC, a existência do critério mínimo, exposto no caderno de encargos do concurso público internacional, de que o gestor de projeto tinha de ter trabalhado, pelo menos, dois anos em gabinetes do Governo tinha impacto na concorrência.

“O leque de potenciais concorrentes, já de si estreito, restringe-se muitíssimo”, advertiu o TdC. Nesse contrato em questão, ligado à identidade digital, concorreu apenas a Glintt e a Quantico Solutions, sendo que o nome do gestor escolhido surge rasurado por proteção de dados.

No ano passado, a empresa com sede na Quinta da Beloura (Sintra) e liderada por Luís Cocco registou um lucro histórico de cinco milhões de euros, mais 25% do que em 2023. Já o volume de negócios consolidado ascendeu a 122,3 milhões de euros.

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