Primeiro Governo de Montenegro com execução de grandes investimentos em mínimos de quatro anos

No ano passado, dos 3,8 mil milhões de euros previstos em obras estruturantes apenas 47% foram contratualizados ou concluídos, o que representa um desvio de dois mil milhões, segundo um estudo do CFP.

A execução de investimentos de elevado valor atingiu, no primeiro ano de Governo de Luís Montenegro, o nível mais baixo desde 2020, segundo um estudo assinado por Amílcar Sousa, do Conselho das Finanças Públicas (CFP), publicado este mês no site do mesmo organismo. Dos 3,8 mil milhões de euros previstos em obras estruturantes apenas 47% foram contratualizados ou concluídos, o que representa um desvio de mais dois mil milhões, conclui o economista.

Analisando o período entre 2019 e 2024, o perito em Finanças Públicas constata que o primeiro ano de governação de Luís Montenegro (tomou posse no ínico de abril) foi o que registou a mais baixa execução de investimentos estruturantes, que incluem “projetos cujo valor seja superior a 0,01% da despesa das administrações públicas”, segundo a definição da Lei de Enquadramento Orçamental.

Em 2024, ano marcado pela transição de poder do PS para a AD, menos de metade (47,25%) dos 3.833 milhões de euros previstos foram executados. Ou seja, apenas 1,8 mil milhões foram efetivamente contratualizados, o que significa um desvio de mais de dois mil milhões de euros. É preciso recuar ao ano de 2020, do início da pandemia, para registar uma execução ainda mais baixa, de 44,46%, de acordo com os dados. Há quatro anos, dos 1.345 milhões de euros previstos no respetivo Orçamento do Estado, só 598 milhões de euros foram gastos. Em 2019, a execução ainda foi mais residual, de 35,73%. A partir de 2021, ano em que Portugal começou a receber os cheques do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o nível de execução subiu significativamente, passando de 49,86% para 71,93%, em 2023. No ano passado, caiu abruptamente para 47,25%.

“Não obstante a dimensão dos investimentos estruturantes, a sua execução tem sido substancialmente inferior ao previsto nos respetivos Orçamentos do Estado”, assinala o autor do estudo. “No período 2019-2023, apura-se um desvio médio de -719 milhões de euros. No ano de 2024, excluindo os projetos novos que passaram a fazer parte do quadro de investimentos estruturantes após a publicação do relatório do Orçamento do Estado para 2024 (como é o caso do ‘Programa de apoio ao acesso à habitação’, entre outros), o desvio foi de -2.022 milhões de euros, do qual 42% ocorreu na área da ‘Mobilidade, Infraestruturas e Comunicações'”, conclui o mesmo relatório.

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Apesar da fraca execução, o estudo sublinha que “a influência do PRR foi determinante para o aumento do peso dos investimentos estruturantes na despesa consolidada da Administração Central e Segurança Social, de um valor médio de 1% no período 2019-2023 para 2,1% em 2024″. Este impulso “deverá acentuar-se em 2025, já que o referido reporte aponta para que nesse ano os investimentos estruturantes em contratação ou em execução ascendam a 7,4 mil milhões de euros (2,5% do PIB), um montante superior ao total acumulado no período 2019- 2024″, de acordo com o mesmo relatório.

O economista que assina o paper salienta que, “no quadro de investimentos estruturantes, não está quantificado o financiamento do PRR”. No entanto, “constata-se que, dos 119 projetos que atualmente integram aquele quadro, 50 inserem-se no âmbito do PRR, o que corresponde a 42% do total”.

Entre 2019 e 2023, os investimentos estruturantes totalizaram 4,9 mil milhões de euros, período em que se observou uma tendência de crescimento, com aumentos anuais em torno de 50% até 2022 e de 20,2% em 2023. O reporte de maio de 2025, do Governo, aponta para que os investimentos estruturantes em contratação ou em execução tenham atingido 2,4 mil milhões de euros (0,8% do PIB) em 2024, “cerca de metade do total acumulado no conjunto dos cinco anos anteriores, beneficiando do impulso dado pelo PRR”, indica o economista.

No que diz respeito aos principais projetos, o ‘Programa de apoio ao acesso à habitação’ envolve o maior nível de investimento, de 4.494 milhões de euros, sendo também responsável pelo maior montante a executar a partir de 2025, em 4.008 milhões de euros, “já que até ao final de 2024 atingiu apenas 10% do total previsto”, destaca o estudo. “Com execução mais significativa, salientam-se os projetos ‘Aeronaves KC-390’, no valor de 550 milhões de euros, ‘Transição Digital – Educação’, em 507 milhões de euros, e ‘Metro do
Porto – expansão de rede’, em 498 milhões de euros.

Por áreas, a da ‘Mobilidade, Infraestruturas e Comunicações’ foi a maior responsável pelos investimentos estruturantes em contratação ou em execução no período em análise (2019 e 2024): 2.392 milhões de euros, dos quais cerca de 90% no âmbito dos transportes públicos, o correspondente a 2.163 milhões de euros, sobretudo para a renovação e modernização da rede ferroviária e para a expansão das redes de metropolitano.

“Os investimentos estruturantes na área da ‘Mobilidade, Infraestruturas e Comunicações’ evidenciaram uma trajetória ascendente no período 2019-2024, impulsionada sobretudo pela expansão da rede de metropolitano e pelo projeto ‘Ferrovia 2020′”, justifica o economista.

Falta de transparência na revisão de despesa

Na análise à evolução dos investimentos de elevado valor, Amílcar Sousa tece duras críticas à forma como são feitos os reportes de revisão de despesa pelos diversos governos. “O atual enquadramento dos investimentos estruturantes enferma de alguns problemas que limitam a sua eficácia como instrumento para a condução e discussão das políticas públicas”, escreve o economista do Conselho das Finanças Públicas.

Os valores em contratação ou em execução indicados no quadro de investimentos estruturantes têm sido objeto de sucessivas revisões, até mesmo os reportados na respetiva Conta Geral do Estado. “Essas revisões até são compreensíveis pelo facto de também resultarem da inscrição de novos projetos, para além da atualização dos montantes dos projetos já existentes (alteração tanto do total dos projetos, como dos valores relativos a anos anteriores e futuros). Contudo, por uma questão de controlo e de transparência, as revisões deveriam ser devidamente justificadas”, assinala.

“Veja-se o caso do ‘Programa de apoio ao acesso à habitação’, que só foi incluído no quadro de investimentos estruturantes a partir do reporte de novembro de 2024, embora esse mesmo reporte indicasse que já tinham sido executados 144 milhões de euros no ano de 2023. Acresce que esse mesmo reporte apontava para que o referido Programa atingisse 861 milhões de euros no ano de 2024, valor que posteriormente foi confirmado nos reportes de fevereiro de 2025 (relativo ao 4.º trimestre de 2024) e na própria Conta Geral do Estado de 2024, publicada em 15 de maio de 2025. Contudo, no reporte de maio de 2025, o valor relativo ao ano de 2024 acabou por ser significativamente revisto em baixa, para 302 milhões de euros”, exemplifica o autor.

Para além disso, “nem sempre os reportes das entidades responsáveis coincidem com os do quadro de investimentos estruturantes”. “É exemplo disso o projeto ‘Ferrovia 2020’, lançado em 2016 e cuja execução física se previa que ocorresse até 2021 mas que, em face de diversos atrasos, só deverá ficar integralmente concluída em 2028, conforme indicado no Relatório de Monitorização da Execução dos Investimentos na Infraestrutura Ferroviária, publicado pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) em janeiro de 2025″, aponta Amílcar Sousa.

A Lei de Enquadramento Orçamental estabelece que o quadro de investimentos estruturantes inclui projetos cujo valor seja superior a 0,01% da despesa das administrações públicas e cujo estado pode ser “em contratação” (incluindo em fase de conceção ou concurso) ou “em execução”. Porém e “uma vez que estes dois estados são apresentados de forma agregada, não é possível aferir a efetiva execução dos investimentos estruturantes num determinado ano”, salienta. Por isso, sugere, “seria útil que no quadro fosse indicado o ponto de situação concreto de cada projeto, à semelhança do que já chegou a ser feito no quadro publicado no relatório do Orçamento do Estado para 2020, e que também fosse apresentado o montante que efetivamente já foi executado”.

Outro dos problemas prende-se com a “não distinção entre financiamento nacional e financiamento europeu”. “O quadro de investimentos estruturantes apresenta os valores de financiamento nacional e europeu de forma agregada e, no âmbito deste último, não se quantifica o financiamento do PRR, sendo apenas possível constatar que 42% dos projetos que atualmente integram o quadro de investimentos estruturantes incluem financiamento do PRR”, de acordo com autor. Assim, “a desagregação dessa informação seria essencial para se poder avaliar a execução dos referidos fundos”, defende.

Por último, o economista lamenta a “inexistência de uma execução individualizada dos investimentos estruturantes na síntese da Entidade Orçamental”. “Seria útil que a referida síntese passasse a disponibilizar de forma individualizada a execução dos investimentos estruturantes, o que permitiria o acompanhamento com uma periodicidade mensal”, aconselha.

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