Estratégia do ‘pau’ e ‘cenoura’ nos serviços pode ajudar Bruxelas nas tarifas dos EUA

Um paper publicado pelo Kiel Institute analisa o peso dos serviços nas transações comerciais entre os EUA e a Europa e destaca a importância do mercado europeu para as gigantes tecnológicas dos EUA.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.União Europeia 29 Janeiro 2025

As negociações comerciais entre os EUA e a União Europeia decorrem até ao próximo dia 1 de agosto, data na qual entram em vigor novas tarifas de 30% sobre todas as importações que cheguem da Europa, caso não haja um acordo entre os dois blocos económicos. As negociações têm-se focado apenas na comercialização de bens, com o presidente dos EUA a atirar que o país apresenta um grande défice face à Europa. Trazer os serviços para as conversações pode ajudar Bruxelas a negociar com a administração americana. Os economistas do Kiel Institute aconselham Bruxelas a promover a “política da cenoura e do pau” nos serviços digitais, onde gigantes como a Google, Microsoft e Meta dão cartas no mercado europeu.

“A Europa trata-nos muito mal” ou “são muito maus” são expressões que têm sido recorrentemente utilizadas por Donald Trump para justificar a imposição de tarifas às importações europeias. O presidente dos EUA sustenta estas acusações com o facto de os EUA apresentarem um défice nas relações comerciais com a Europa.

Os cálculos de Trumpo consideram apenas as trocas de bens. De fora ficam os serviços, isto apesar de o comércio total de serviços entre os EUA e a UE ser de tamanho semelhante ao comércio total de bens entre as duas economias, de acordo com o Eurostat, conforme mostra um paper desenvolvido por economistas do Kiel Institute. Segundo uma notícia divulgada esta manhã pelo Financial Times, a Comissão Europeia está a preparar uma lista de potenciais tarifas sobre os serviços oferecidos por empresas norte-americanas, bem como controlos de exportação.

O comércio total de serviços entre a UE e os EUA atingiu 816,9 mil milhões de euros em 2024, enquanto o comércio total de bens entre os dois blocos foi de cerca de 867,1 mil milhões de euros, mostra o paper. “É importante ressalvar que o comércio bilateral de serviços tem crescido consideravelmente mais rápido do que o comércio de bens”, explicam os economistas, destacando que entre 2014 e 2024, o comércio total de serviços entre a UE e os EUA aumentou cerca de 169%, enquanto o comércio de bens “apenas” duplicou.

“Em 2024, as exportações de serviços da UE para os EUA totalizaram 334,5 bilhões de euros, enquanto as importações de serviços da UE dos EUA totalizaram 482,5 bilhões de euros. Isso resultou num excedente comercial bilateral de serviços dos EUA (défice comercial de serviços da UE) de 148 mil milhões de euros, o que representa cerca de três quartos do défice comercial de bens dos EUA com a UE (cerca de 197,4 mil milhões de euros em 2024, segundo o Eurostat)”, refere o estudo.

EUA e UE têm fortes relações comerciais nos serviços

Face a estes números, os especialistas dizem que incluir o comércio de serviços entregues digitalmente como parte das negociações pode ajudar a reduzir os custos que as tarifas terão para a UE como um todo, com a Comissão Europeia a jogar com algumas concessões no acesso ao mercado europeu (‘cenoura’), ao mesmo tempo que ameaça com retaliações sobre estes serviços (‘pau’), caso falhe um acordo.

O trabalho assinado por Frank Bickenbach, Holger Görg e Wan-Hsin Liu destaca o forte crescimento do comércio de serviços, nomeadamente os serviços digitais, onde grandes multinacionais norte-americanas desempenham um papel central.

“Entre os diferentes tipos de serviços, as relações comerciais bilaterais UE-EUA em serviços digitais são de suma importância para as duas economias”, explicam os especialistas, notando que isto aplica-se “especialmente às exportações americanas de serviços digitais para a UE“. “Em quase todos os anos do período da pesquisa, o excedente dos EUA no comércio de serviços digitais com a UE foi ainda maior do que excedente no comércio geral de serviços com a UE“, acrescentam.

O paper conclui ainda que os dois componentes mais importantes para o comércio entre a UE e os EUA em serviços entregues digitalmente são os elementos negociáveis digitalmente de “outros serviços empresariais” e “taxas pelo uso de propriedade intelectual”.

Os especialistas propõem que Bruxelas acene com ‘cenouras’, aceitando remover barreiras ao comércio de serviços e permitindo aos fornecedores de serviços digitais acesso facilitado ao mercado europeu. “Isto também seria benéfico para a própria UE, uma vez que as barreiras ao comércio de serviços não são apenas barreiras entre a UE e os países terceiros, mas também são frequentemente barreiras à concretização do Mercado Único Europeu de serviços”, acrescenta o documento.

Já do lado contrário, como ‘paus’, a Comissão Europeia, pode “ameaçar atingir os setores de serviços com medidas retaliatórias: a UE poderia ameaçar endurecer ainda mais a sua regulamentação sobre concorrência, proteção de dados e políticas de privacidade, e tornar-se (ainda) mais rigorosa com empresas, incluindo gigantes da tecnologia americanas, nesses setores. A UE também poderia ameaçar introduzir um Imposto sobre Serviços Digitais a nível europeu”, dirigindo ameaças direcionadas para grandes multinacionais norte-americanas.

Esta estratégia pode reduzir os “custos” associados às tarifas, mas não vem sem um senão. “Se a UE decidir oferecer ao governo Trump algumas cenouras relacionadas ao comércio de serviços, no sentido de abrir ainda mais seu mercado de serviços aos provedores de serviços dos EUA, isso poderá aumentar ainda mais a dependência da UE dos gigantes da tecnologia dos EUA, que já detêm uma posição dominante em vários mercados de serviços digitais da UE”.

“É altamente provável que qualquer decisão política nesta área exija, no final, que a UE faça certas concessões significativas aos EUA, com alguns Estados-membros a suportarem uma parcela maior dos custos dessas concessões e dos seus impactos do que outros. Ainda assim, incluir o comércio de serviços digitais como parte das negociações pode ajudar a reduzir esses custos para a UE como um todo”, conclui o paper.

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