Gabriel Bernardino: O czar está de volta aos seguros, ao leme do regulador

Tecnicalista, lobista para avançar na sua estratégia, determinado na conquista de objetivos, diplomata no trato, o novo presidente da ASF construiu uma imagem positiva na Europa.

Um jornalista sueco chamou-lhe czar, mais pelas medidas que tomou na EIOPA, supervisor europeu dos seguros, do que pelos modos. “Não, longe disso, sou uma pessoa humilde que leva o seu trabalho e a sua missão a sério”, comentou. De facto, a criação da EIOPA por Durão Barroso, após a crise financeira de 2008, foi vista como um voto de não confiança da Comissão Europeia nos supervisores de cada país na área dos seguros, desconfiança extensível aos reguladores da banca e dos mercados financeiros.

Aos 60 anos, Gabriel Bernardino volta ao setor de seguros e pensões para um mandato único de seis anos à frente da ASF.

O público e os políticos estavam céticos sobre a capacidade destes para vigiar grupos enormes e complexos. Era preciso alguma assertividade para trilhar o caminho. Gabriel Bernardino era técnico do Instituto de Seguros de Portugal que deu lugar à atual ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Pensões, tinha trabalhado em dossiers europeus, concorreu ao cargo de presidente da novíssima EIOPA, fez o processo normal de recrutamento ouvido pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu que posteriormente o reconduziu no cargo.

Quinze anos depois, o mesmo Gabriel Bernardino vai ser o novo presidente da ASF , o organismo que regula e controla seguradoras, mediadores, gestores e fundos de pensões e ainda associações mutualistas em Portugal. Sucede a Margarida Corrêa de Aguiar que esteve no cargo os seis anos de mandato não renovável por lei.

Em 2022, já depois da EIOPA, foi nomeado presidente da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, cargo que abandonou quatro meses depois por motivos de saúde. Agora era consultor do Banco Mundial e assume a presidência da ASF em altura que se discute as consequências do direito ao esquecimento, a criação do Fundo sísmico ou de Catástrofes e o futuro do Open Insurance que trará uma revolução na cadeia de valor dos seguros.

Adepto dos produtos de poupança e reforma de longo prazo, é conhecedor das dificuldades de financiamento futuro da segurança social portuguesa para assegurar o atual nível de pagamento de pensões. Ao mesmo tempo, estudou profundamente o desenvolvimento dos pilares II e III – pensões de empresa e pensões particulares – no âmbito do regulamento Solvência II, que construiu enquanto presidente da EIOPA.

Os planos do Governo para esta área de complementos de reforma paralelo à segurança social pública podem, assim, contar com um interlocutor privilegiado. E crítico. Recentemente Gabriel Bernardino afirmou publicamente que “a estratégia de investimento do FEFSS (Fundo de Equilibrio Financeiro da Segurança Social não é compatível com uma perspetiva de longo prazo”, concluindo com “temos de alterar a política de investimento do FEFSS”.

Tal como Margarida Corrêa de Aguiar, deve esperar-se bastante determinação em impor as regras europeias neste regresso de Gabriel Bernardino aos seguros em Portugal. Essa determinação foi o que o levou entre 2011 e 2021 a ser o primeiro presidente da EIOPA (Autoridade Europeia para Seguros e Pensões Ocupacionais), organismo criado pelo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, para controlar o setor após a crise financeira de 2009, que provocou danos reputacionais no setor, amplificadas pelas consequências na Europa da crise e resgate da gigante segurador AIG e dos problemas do grupo belga Fortis.

A EIOPA seria a componente seguradora do Sistema Europeu de Supervisão Financeira (SESF), criado em 2010 que ainda incluiu Autoridade Bancária Europeia (EBA) , onde está o Banco de Portugal e Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), de que é membro a CMVM.

A missão de Gabriel Bernardino na EIOPA tinha foco total no consumidor. Por um lado, pretendia garantir a solvência das seguradoras para que nunca falhassem as suas responsabilidades com os segurados. Por outro, assegurar uma total transparência nas relações das companhias com os segurados.

Tinha duas fortes oposições. Para começar, os supervisores nacionais de seguros em que a francesa Autorité de Contrôle Prudentiel et de Résolution (ACPR) e a BaFin alemã exigiriam maior atenção no sentido de levar as decisões da Europa para a frente. Tinha ainda de dialogar com a Insurance Europe, federação europeia de 36 associações nacionais de seguros e resseguro, à qual pertence a Associação Portuguesa de Seguradores, e que representa 95% de todos os prémios de seguros na Europa, 900 mil empregos, 4.900 companhias, com investimentos de 10 biliões e 600 mil milhões de euros, um valor igual a 61% do PIB da União. Estes que, em conjunto, são os maiores investidores institucionais da Europa, tinham rentabilidades a defender.

Da sua atuação as opiniões dividem-se. O tal jornalista sueco chamou-lhe czar, outros, citados pelo jornal Insurance ERM, consideravam-no um diplomata e até o maior lobista de Frankfurt, referindo-se à sua capacidade de conseguir decisões favoráveis à sua estratégia. No geral, os seguradores consideram-no um adepto da tecnicalidade, um político astuto e, de novo, um líder influente no setor.

Nascido no Bombarral há 60 anos, filho de um agricultor, Gabriel Bernardino veio para Lisboa estudar Matemática na Universidade Nova onde se licenciou e seguiu na mesma escola para um mestrado em Estatística e Métodos de Optimização. Tecnicamente presidiu, em 2007, à sessão de trabalho do Conselho para discutir a Diretiva da Comissão Europeia sobre Solvência II. E foi presidente do Conselho de Administração da CEIOPS em 2009– Comité Europeu de Supervisão de Seguros e Pensões de Trabalho, uma espécie de comissão instaladora da atual EIOPA.

“A minha candidatura à Presidência da EIOPA surgiu na sequência de um longo envolvimento em termos internacionais enquanto representante do Instituto de Seguros de Portugal (ISP), o qual passou pela liderança de vários grupos de trabalho e, desde outubro de 2009, pela Presidência do comité de supervisores europeus predecessor da EIOPA”, explicou Gabriel Bernardino, acrescentando o facto de a sua nomeação “ter resultado de um processo transparente e exaustivo com intervenção da Comissão Europeia, das Autoridades de Supervisão de Seguros e Pensões dos Estados Membros da União Europeia e, finalmente, do Parlamento Europeu”.

Bernardino destacou-se – ainda segundo fontes internacionais – pela abordagem proativa da EIOPA na consulta a diversas partes interessadas, incluindo especialistas do setor, representantes dos consumidores e decisores políticos.

Sob a sua liderança, a EIOPA desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do Solvência II, um quadro regulamentar abrangente com o objetivo de assegurar a estabilidade financeira das companhias de seguros e que implicava maior prudência e maior capital dos acionistas para a gestão das seguradoras. Esta abordagem baseada no risco na supervisão do setor segurador, tornou-se um pilar essencial do panorama regulatório europeu.

Lançou os stress tests na indústria seguradora, simulando cenários muito negativos e prevendo as consequências que teriam esses fenómenos – como quebra abrupta de PIB ou taxas de juro – nas contas das companhias.

Promoveu o espírito ESG de sustentabilidade na subscrição de seguros e na gestão de investimentos, alinhando a indústria com os objetivos do EU Green Deal e finalmente lançou o PEPP, o PPR europeu, que acabou com grande resistência das seguradoras europeias devido à colocação de uma taxa máxima de gestão de 1% e pela competição que faria aos produtos tradicionais de poupança e reforma.

Para Gabriel Bernardino o PEPP foi talvez a sua ação menos eficaz, mas está a ser refundado pela EIOPA e ainda terá Maria Luis Albuquerque como comissária europeia e a possibilidade de materializar em Portugal as inovações lançadas pela Comissão Europeia.

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