Exclusivo Álvaro, a sétima escolha que salvou um plano falhado

O economista-chefe da OCDE não foi a primeira escolha, nem a sexta, mas é inquestionável do ponto de vista técnico, é independente, e permitiu ao Governo ter uma 'saída limpa' deste processo.

Esta é a nossa escolha, é a nossa proposta para o país“, afirmou o ministro da Presidência, António Leitão Amaro no briefing de Conselho de Ministros em que anunciou o nome de Álvaro Santos Pereira como a escolha do Governo para ser governador do Banco de Portugal. Não estava a mentir, estava a omitir… Antes, foram contactados (pelo menos) seis candidatos, o primeiro dos quais o economista Ricardo Reis, e por isso é que se ouve, nos corredores do poder, que a disponibilidade do economista-chefe da OCDE acabou por servir para salvar a face do Governo num plano decidido e gerido a partir de São Bento que começou mal, mas acabou (muito) bem. O ‘Álvaro’ foi a ‘manilha’ no baralho de Sarmento.

O Governo sabia desde o primeiro dia que o mandato de Mário Centeno terminava a 19 de julho de 2025, e já se tinha decidido pela sua substituição, quebrando uma “tradição” de renovação de mandatos, que sucedeu com Vítor Constâncio e Carlos Costa, mas deixou o processo correr até à 25ª hora. Ironicamente, Mário Centeno tinha uma proposta de reforma da supervisão que previa o alargamento do mandato do governador para um período único de sete anos. Se tivesse levado a sua proposta até ao fim, coisa que deixou cair depois, seria ainda governador…

O favorito do Governo, desde o primeiro momento, era o economista e professor da LSE, Ricardo Reis, (foi, aliás, orientador da tese de doutoramento do ministro António Leitão Amaro, precisamente sobre a independência jurídica dos bancos centrais), e Vítor Gaspar não foi o segundo, terá sido o quarto. O Governo fez (pelo menos) meia dúzia de convites/sondagens, os últimos dos quais já este mês de julho. A preferência do primeiro-ministro e do núcleo duro político, nomeadamente do ministro da Presidência e do ministro das Finanças, Miranda Sarmento, ia para um “estrangeirado”. Sérgio Rebelo e Luís Cabral também foram convidados, mas ambos recusaram o desafio. E havia ainda dois nomes para testar, estes nunca citados na imprensa e revelados em primeira mão aqui no ECO: O jurista Pedro Machado, que tinha sido diretor-adjunto de supervisão do Banco de Portugal, e foi depois para o Mecanismo Único de Resolução bancário europeu, e o economista Pedro Santa Clara, professor universitário, um dos líderes do desenvolvimento do projeto da NovaSBE em Carcavelos, e e hoje empreendedor com as escolas tecnológicas 42Lisboa e Tumo. A todos estes nomes, incluindo o de Álvaro Santos Pereira, há um traço que os une: São um grupo de “estrangeirados”, portugueses que chegaram ao topo do mundo (Santa Clara também andou anos fora do país).

O problema é que o primeiro-ministro geriu os convites e as sondagens como se estivesse a fazer convites políticos para o Governo, com o objetivo de manter o segredo da escolha até à última.

No núcleo duro do política, aqueles quatro economistas pertenciam a uma espécie de “liga dos campeões”, desde logo pelo seu perfil académico. E depois havia um segundo grupo restrito de candidatos onde estava também Álvaro Santos Pereira. Tinha uma vantagem, o seu prestígio internacional, depois de ter chegado pelo seu pé, sem cunhas políticas, à OCDE, e de ter chegado mesmo a economista-chefe da instituição internacional com sede em Paris. Ainda há poucas semanas, foi um dos portugueses presentes no encontro do BCE em Sintra (e uma mão chegava para contar os que lá estiveram).

No núcleo duro político, Reis, Rebelo, Cabral e Gaspar pertenciam a uma espécie de “liga dos campeões”, desde logo pelo seu perfil académico elevado. E depois havia um segundo grupo restrito de candidatos, igualmente com carreira académica, onde estava também Álvaro Santos Pereira. Tinha uma vantagem, o seu prestígio internacional, depois de ter chegado pelo seu pé, sem cunhas políticas, à OCDE, e de ter chegado mesmo a economista-chefe da instituição internacional com sede em Paris. Ainda há poucas semanas, foi um dos portugueses presentes no encontro do BCE em Sintra (e uma mão chegava para contar os que lá estiveram).

Ainda há duas semanas, o Governo estava a fazer sondagens para o Banco de Portugal, enquanto, ao mesmo tempo, o primeiro-ministro admitiu que Centeno reunia “todas as condições para ser governador“, uma declaração que surpreendeu até governantes. Luís Montenegro nunca poupou Centeno e a forma como foi indicado para o supervisor depois de ter sido ministro das Finanças de António Costa durante cinco anos. Pior, quando abriu a porta à possibilidade de suceder a António Costa como primeiro-ministro de um governo PS e mais recentemente quando fez uma reflexão — as palavras foram do próprio em entrevista à RTP — sobre uma candidatura a Belém, com o apoio do PS.

Os sucessivos contactos foram falhando, e o Governo começou a ficar sob pressão. Havia a decisão de não deixar Centeno nem mais um dia à frente do Banco de Portugal. Foi assim que se chegou à semana do fim de mandato sem um nome fechado, e as decisões sobre o IRS e as pensões serviram como escudo protetor para ganhar mais uma semana antes da escolha de um nome que, depois daquelas recusas, tornou Álvaro Santos Pereira incontornável. A competência reconhecida como economista, a experiência internacional numa organização com a dimensão da OCDE, a vantagem de ser um outsider numa instituição que vive sobre si própria (e protegida pelo escudo do BCE, que permite quase tudo), blindavam a escolha a quase todas as críticas político-partidárias.

Era preciso, em simultâneo, resistir às pressões que Mário Centeno promoveu, interna e externamente, para forçar uma recondução. Recorreu ao BCE, a Bruxelas e à Presidência da República. Tudo serviu para pressionar o primeiro-ministro, e para ganhar o braço de ferro com Joaquim Miranda Sarmento. E depois das palavras do primeiro-ministro, ganhava força mediática a possibilidade de uma recondução que nunca esteve em cima da mesa.

A semana foi tensa. Já tinha sido feito o convite a Álvaro Santos Pereira que apanhou o economista em viagem pela OCDE na África do Sul. Pediu para dar uma resposta definitiva até quarta-feira, mas terá logo sinalizado a disponibilidade para aceitar o desafio (e havia ainda uma última, e oitava, alternativa para garantir a sucessão, que obviamente não chegou a existir).

A notícia do ECO sobre as nomeações de última hora, nomeadamente do chefe de gabinete de Centeno para um segundo mandato de cinco anos, e as revelações do Observador sobre a compra dos terrenos na Feira Popular para construir uma nova sede, com contrato-promessa assinado em maio, criaram o espaço para o ministro das Finanças pedir um parecer à IGF sobre o negócio, decisão conhecida no final do dia 22, terça-feira. Mas nesse dia logo pela manhã, Mário Centeno encontrou-se com o ministro das Finanças para o primeiro, e último, encontro dos dois políticos neste processo. Nesse encontro, que terá sido breve, Centeno ficou a saber de viva voz que o Governo não contava consigo para um novo mandato. Dos corredores do Ministério das Finanças que, durante cinco anos, foram seus, partiu para Frankfurt, para a última reunião do conselho de governadores em que participou.

Estou a desempenhar o cargo de governador para chegar a julho do ano que vem em condições de ser reconduzido“, dizia Mário Centeno há meses, no podcast ‘Bloco Central’, no Expresso. E estava mesmo… Centeno não resistiu a apelar à presidente do BCE, que ainda tentou pedir explicações ao Governo sobre a mudança anunciada, mas não terá tido qualquer resposta. Antes, Marcelo, outra vez sem informação, tentou pressionar Montenegro a segurar Centeno pelo menos mais um ano, com o argumento de que poderia vir a ser vice-presidente do BCE para substituir o espanhol De Guindos.

Com a resposta positiva de Álvaro Santos Pereira nas mãos, o Governo podia respirar de alívio. E ensaiar uma estratégia que impedia a vitimização de Centeno, também apoiada pelo PS, que entrou em jogo para defender o seu ex-ministro. Antes, o governador “respondeu” com explicações nos jornais, no Expresso e no Público, garantindo que Joaquim Sarmento já conhecia todos os detalhes do negócio, mas o Governo já estava a pensar no dia seguinte.

Com a resposta positiva de Álvaro Santos Pereira nas mãos, o Governo podia respirar de alívio. E ensaiar uma estratégia que impedia a vitimização de Centeno, também apoiada pelo PS, que entrou em jogo para defender o seu ex-ministro. Antes, o governador “respondeu” com explicações nos jornais, no Expresso e no Público, garantindo que Joaquim Miranda Sarmento já conhecia todos os detalhes do negócio, mas o Governo já estava a pensar no dia seguinte. Por isso mesmo, no conselho de ministros que aprovou a indicação de Álvaro Santos Pereira, o ministro das Finanças juntou-lhe a escolha do presidente do supervisor dos seguros e pensões, Gabriel Bernardino. Mais, não apareceu no briefing semanal, e as explicações ficaram a cargo do ministro da Presidência. A ordem era para dar força política à ministra do Trabalho, Palma Ramalho, e às mudanças na lei laboral, e para esvaziar o ‘caso Centeno’. As férias vão ajudar.

[Álvaro Santos Pereira] triunfou por mérito próprio no plano internacional como especialista independente na sua área (…) e Portugal tem muita honra no seu sucesso”, afirmou Leitão Amaro. Agora, vai ser o tempo de Álvaro Santos Pereira. O mais tardar em setembro, terá a audição e, depois, será o novo governador para os próximos cinco anos.

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