Seguradoras estão a dificultar a transição verde
A ausência de histórico de sinistros é um entrave para as seguradoras assumirem os riscos das empresas verdes, que ou têm seguro ou têm de escolher entre viabilidade financeira e objetivos ESG.
Os limites de cobertura que as seguradoras impõem aos riscos associados à transição para a neutralidade carbónica — e, em alguns casos, até a retirada total do seguro — estão a “prejudicar os esforços de transição dos seus clientes corporativos”, conclui a Federation of European Risk Management Associations (FERMA) no mais recente estudo “Segurar a Transição” (tradução livre).
Pelo menos desde 2022 a aversão a este tipo de risco mantém-se nos mesmos moldes. As seguradoras justificam a sua cautela com a limitação de dados disponíveis sobre estes riscos. Mas a FERMA identifica outro fator: a “falta de conhecimentos técnicos e atuariais internos para avaliar e subscrever eficazmente os riscos relacionados com a transição”.
O resultado tem sido uma postura conservadora na seleção dos riscos ou mesmo a aplicação de “exclusões indiscriminadas, sem considerar as medidas de mitigação implementadas pelas empresas que procuram seguro”.
Um exemplo são as empresas da indústria da reciclagem, que enfrentam dificuldades em obter coberturas adequadas devido ao aumento do risco de incêndio associado à presença crescente de dispositivos com baterias de lítio nas cadeias de reciclagem. “As medidas de prevenção e mitigação aplicadas nas unidades de reciclagem são insuficientemente valorizadas na avaliação de risco dos seguradores. O problema não está nas exclusões em si, mas na sua natureza indiscriminada”, alerta o estudo.
Outro obstáculo à subscrição é os riscos da inovação serem “mal acomodados pela atual prática de subscrição retrógrada, que sufoca a adaptação e a ampliação de tecnologias climáticas essenciais”, lê-se no estudo.
Por natureza, as seguradoras baseiam-se no histórico de sinistros para calcular riscos, o que dificulta a avaliação de indústrias inovadoras sem registo passado. Ao recusarem cobrir empresas que apostam na inovação, podem travar projetos de transição que dependem dessa cobertura para serem financeiramente viáveis — projetos que, em muitos casos, demoram anos a desenvolver.
As pequenas e médias empresas são as mais penalizadas pela ausência de cobertura, ficando forçadas a escolher entre a sua viabilidade financeira e os objetivos de sustentabilidade.
A FERMA reconhece que os gestores de risco querem alinhar as práticas de subscrição com as metas ESG, mas alerta que é preciso ir além da abordagem atual enquadrado no lado da negação: não se trata apenas de recusar seguros a setores fósseis, mas sobretudo de apoiar a capacidade de expansão das energias renováveis.
Aceita o risco? De “Não” para “sim, se”
A redução da lacuna de proteção nos riscos de transição climática depende da capacidade das seguradoras em melhorar a recolha e análise de dados, bem como da avaliação personalizada dos riscos de cada empresa – valorizando as medidas de mitigação que esta já implementou.
A FERMA defende que esta recolha deve assentar numa maior colaboração e partilha de informação entre seguradoras e clientes empresariais — quanto mais cedo no ciclo de operação, melhor. Essa informação, depois sistematizada, deve ser disponibilizada também a corretores e resseguradores, de forma a apoiar práticas futuras. Em paralelo, reforça a necessidade de criar equipas internas com especialização em inovação e riscos de transição.
Outro investimento essencial passa pelo desenvolvimento de capacidades técnicas e digitais que permitam calcular riscos de transição antes de estes se materializarem. Para adotar uma postura mais construtiva e forward-looking, as seguradoras devem evitar aplicar exclusões generalistas ou abordagens one size fits all. Apesar de pertencerem ao mesmo setor, as empresas diferem significativamente na forma como gerem riscos, o que deve ter impacto na avaliação e no preço do seguro.
Nesse sentido, a federação defende que as seguradoras devem “aplicar um sistema de bónus-malus na definição de preços, considerando individualmente a exposição específica de cada cliente”. Quando as medidas de gestão de risco forem consideradas insuficientes, “a resposta da seguradora deve passar de um simples ‘não’ para um ‘sim, se’, trabalhando em conjunto com o cliente na implementação de planos de prevenção e mitigação que respondam às preocupações identificadas.”
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