Impresa vende-se em saldos e ganha sócio com mão firme
Os italianos da MFE avaliam a empresa de Balsemão com um desconto de 37% e pagam 12 vezes o EBITDA, num cheque que funciona como uma tábua de salvação da Impresa e como um abraço de urso de Milão.
A entrada dos herdeiros de Berlusconi no capital da dona da SIC e do Expresso foi finalmente selada na quarta-feira. Por 17,3 milhões de euros, a MediaForEurope (MFE) garante quase um terço do capital da Impresa IPR 2,74% , num negócio que avalia o grupo português em 52,6 milhões de euros, uma fração do seu valor contabilístico e abaixo do que foi pago pela Cofina Media há dois anos.
Para a família Balsemão, o cheque dos italianos é oxigénio vital para enfrentar uma situação financeira desafiante com que o grupo vive desde há algum tempo. Para os italianos, pode ser apenas o primeiro capítulo do abraço de urso que tomou conta da alemã ProSiebenSat.1, que hoje consolida nas contas da MFE.
Foi preciso esperar, mas o “cavaleiro branco” chegou a Paço de Arcos. E fala italiano. A operação anunciada na quarta-feira, que coloca a MFE, a holding da família Berlusconi liderada por Pier Silvio Berlusconi, como a segunda maior acionista da Impresa, marca o fim de uma longa travessia no deserto para o grupo liderado por Francisco Pedro Balsemão. Mas, se o alívio financeiro é imediato, as leituras sobre o futuro do grupo de media português são bem mais complexas.
Os italianos da MFE avaliaram a Impresa em apenas 52,6 milhões de euros, um valor que corresponde a 63% do seu valor contabilístico, traduzindo-se assim num negócio feito com um desconto de 37% sobre o seu capital social.
O negócio é, à primeira vista, uma “pechincha” para os italianos, que deverão fechar 2025 com um volume de negócios acima dos 6,6 mil milhões de euros e negoceiam com uma capitalização bolsista de 2,45 mil milhões de euros. A MFE vai injetar 17,3 milhões de euros através de um aumento de capital reservado, ficando com 32,9% da empresa.
Para os acionistas da Impresa, a matemática é simples, mas cruel: esta operação, que será feita por 21 cêntimos por ação, avalia a Impresa em apenas 52,6 milhões de euros, um valor que corresponde a 63% do seu valor contabilístico, traduzindo-se assim num negócio feito com um desconto de 37%.
Segundo algumas fontes do mercado ouvidas pelo ECO, o desconto foi grande, mas a necessidade de arranjar um parceiro era ainda maior. Para se ter uma ideia da dimensão dos números, basta recuar precisamente dois anos. Em novembro de 2023, a Cofina Media (agora Medialivre) foi vendida a grupo de investidores que inclui Cristiano Ronaldo por 56,8 milhões de euros, um valor 7,4% acima da avaliação que a MFE faz agora da dona da SIC, apesar da dimensão e do histórico da Impresa.
Mas isto não significa que Francisco Pedro Balsemão não foi capaz de fechar um negócio rentável para a Impreger, que viu reduzida a sua posição em 16,57 pontos percentuais, de 50,31% para 33,738%. Numa nota de research divulgada esta quinta-feira, os analistas Giorgia Ariano e Andrea Todeschini, do Banco Akros, que acompanham a MFE, apontam para que o negócio foi feito com base num múltiplo EV/EBITDA de cerca de 12 vezes. Ou seja, a MFE pagou um valor equivalente a perto de 12 vezes o resultado operacional (EBITDA) da Impresa estimado para este ano.
Embora os múltiplos implícitos na transação [entrada da MFE no capital da Impresa] com base em dados históricos pareçam elevados (EV/EBITDA ~12x), poderá haver sinergias relevantes a explorar para levar a Impresa aos níveis da MFE.
Isto é significativo porque a MFE negoceia atualmente com um múltiplo EV/EBITDA de apenas 5,5 vezes. Ou seja, os italianos estão a pagar pela Impresa mais do dobro do que o mercado paga atualmente pelas suas próprias ações. Segundo Ariano e Todeschini, isto sinaliza uma clara expectativa de que a MFE conseguirá extrair sinergias significativas deste negócio e “alavancar economias de escala” para justificar o prémio pago, como refere o comunicado da MFE enviada na quarta-feira ao mercado.
“Embora os múltiplos implícitos na transação com base em dados históricos pareçam elevados (EV/EBITDA ~12x), poderá haver sinergias relevantes a explorar para levar a Impresa aos níveis da MFE”, referem os analistas do Banco Akros, notando ainda que “a MFE gerou margens EBITDA autónomas de 24% em 2024, contra 10% da Impresa, o que poderá ajudar a gerar retornos positivos sobre o investimento no futuro.”
Para a gestão de Francisco Pedro Balsemão, isto é um aviso. A pressão para a reestruturação será intensa. O “virar de página” anunciado pelo CEO da Impresa em março à boleia de um plano até 2028 centrado numa redução de 10% dos custos, terá de ser muito mais do que um slogan, mas uma revolução operacional para alinhar a eficiência da Impresa com os rácios do grupo da família Berlusconi.
A fronteira que segura (para já) uma OPA
A posição de 32,9% do capital da Impresa com que ficará a MFE trava a escassas décimas da “fronteira mágica” dos 33,3% (um terço do capital) que, por lei, obrigaria ao lançamento de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a totalidade do capital. Ao ficarem aquém deste limite, os italianos evitam pagar o chamado “prémio de controlo” aos restantes acionistas, entrando na estrutura acionista com um investimento cirúrgico.
Mas esta engenharia financeira cria um cenário, aparentemente, de equilíbrio instável: a Impreger (a holding da família Balsemão) mantém-se como maior acionista, com 33,7%, e a MFE surge logo atrás com 32,9%. Trata-se de uma diferença inferior a 1% do capital a separar os filhos do fundador da Impresa do novo parceiro estratégico. Sem um entendimento férreo, a Impresa arrisca-se a cair num impasse de governação (deadlock). Imagine-se a aprovação do orçamento para 2026 ou a nomeação de um novo CEO: se os dois blocos entrarem em desacordo, a empresa torna-se ingovernável.
A Impresa ganhou um sócio industrial de peso e evitou o pior. Mas em Paço de Arcos, ninguém deve ter ilusões: quem paga 12 vezes o EBITDA por uma posição minoritária não costuma ficar sentado no banco de trás por muito tempo.
É aqui que entra o “misterioso” acordo parassocial anunciado no comunicado enviado pela Impresa à CMVM. Embora os detalhes deste acordo não sejam públicos, a sua existência é a única garantia de que este casamento não acaba em divórcio litigioso na primeira assembleia-geral — e onde poderá também constar detalhes sobre eventuais intenções de reforço de posição por parte da MFE.
“Este é um momento histórico para a Impresa. Estamos confiantes de que, juntamente com a MFE, seremos capazes de desenvolver sinergias imediatas que beneficiarão ambas as partes”, escreveu Francisco Pedro Balsemão esta madrugada na sua conta do Linkedin, sublinhando ainda acreditar que “esta parceria será bem-sucedida e duradoura, pois ambas as empresas têm décadas de experiência e liderança nos mercados em que operam e partilham a mesma paixão pelo setor dos media.”
Financeiramente, a entrada da MFE é um balão de oxigénio para o grupo dono da SIC e do Expresso, mas não resolve o problema estrutural da empresa. Os 17,3 milhões de euros que entram em caixa são manifestamente curtos para a dimensão dos desafios. Com uma dívida remunerada que em outubro se fixou nos 145 milhões de euros (cerca de 1,7 vezes o capital social) e necessidades de reequilíbrio estimadas em 80 milhões de euros para repor a estrutura de capital a níveis sólidos, este cheque serve mais para estancar a hemorragia imediata de liquidez do que para transformar o grupo.
A Impresa estava numa situação negocial desconfortável: sem esta injeção de capital novo e com a pressão da banca, o risco de incumprimento e de ter o seu futuro traçado pelos credores era real. O desconto de 37% do negócio reflete essa urgência. A liquidez valia mais do que o preço a pagar por uma posição na estrutura acionista.
O mercado, contudo, parece ver algo mais neste negócio. As ações da Impresa dispararam nas primeiras horas de negociação desta quinta-feira, antecipando o que muitos acreditam ser o início de uma tomada de controlo lenta, tal como a MFE fez na Alemanha com a ProSiebenSat.1.
Na altura, os italianos começaram com uma posição minoritária, aumentaram a pressão sobre a gestão da empresa alemã e atualmente controlam 75,61% do capital, após uma oferta pública de aquisição voluntária fechada em abril deste ano, ditando a estratégia.
A Impresa ganhou um sócio industrial de peso e evitou o pior. Mas em Paço de Arcos, ninguém deve ter ilusões: quem paga 12 vezes o EBITDA por uma posição minoritária não costuma ficar sentado no banco de trás por muito tempo.
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