M&A em tempos conturbados: o que já sabemos e o que podemos antecipar
Outra tendência poderá ser uma ainda maior democratização dos investidores em PE e a forma como levantam capital. 2021 consolidou uma tendência de maior interesse nas áreas de energia, IT e healthcare
Comecemos por aquilo que sabemos.
2021 revelou um aumento significativo das operações com empresas de private equity (PE). De acordo com os números publicados pela Squire Patton Boggs/Mergermarket, nos três primeiros trimestres de 2021 concretizaram-se cerca de 6441 transações envolvendo empresas de PE, num total aproximado de 1.6bn de dólares, ultrapassando, em larga escala, os números dos anos anteriores (tanto em volume, como em valor).
Em Portugal, o volume de deals aumentou, tendo diminuído o seu valor (dados da Mergermarket). Estes números ocorreram em plena pandemia da Covid-19, o que demonstra a resiliência das empresas e dos investidores. Para os diferentes players do setor, estes dados são otimistas e estimulantes.
Mas 2022 trouxe um outro desafio: a inflação. A pandemia da Covid-19, mas, sobretudo, a guerra na Ucrânia, vieram alterar esta tendência histórica de juros baixos, aumento diretamente relacionado com o aumento da massa monetária, a subida do preço das matérias-primas e energéticas, e a manutenção de constrangimentos nas cadeias de abastecimento globais, aumentando o preço das commodities (sendo que a recuperação da economia pós-Covid-19 e o aumento da procura de determinados serviços contribui também para esse aumento).
O aumento das taxas de juro (que poderá ser um fenómeno conjuntural e não estrutural) começa a pôr pressão nos fundos de PE, por eventuais alterações de comportamento dos limited partners (LPs). Por um lado, com a desaceleração da economia, o poder de negociação começa a transferir-se dos general partners (GPs) para os LPs; e, por outro lado, por um maior escrutínio, incluindo o aumento das exigências regulatórias de transparência, sobre as estruturas de custos (management fees), com particular incidência sobre os GPs mais pequenos, que terão maior dificuldade em comprimir os fees.
Contudo, se se mantiver o efeito de hockey stick e com as taxas de juro a regressarem aos níveis anteriores, a pressão sobre os PEs e os GPs poderá espraiar-se. Parece-me inevitável que a conjugação destes diversos fatores leve a que o perfil de risco/retorno e que a estrutura de custos dos GPs estejam na ordem do dia, independentemente de os juros aumentarem ou estabilizarem. O que variará é o horizonte temporal da sua materialização.
Posto isto, o que podemos antecipar?
Desde logo, um eventual alargamento do horizonte do investimento, o que irá introduzir uma transformação significativa na indústria. Com investimentos a 5/6 anos e resultados do crescimento/turnaround a terem que se manifestar logo nos primeiros anos, os GPs (e os targets) irão necessitar de uma gestão mais ativa e sofisticada, até para manterem o alinhamento de incentivos entre LPs e os gestores dos fundos. Outra tendência poderá ser uma ainda maior democratização dos investidores em PE e a forma como levantam capital. 2021 consolidou (e 2022 tem continuado a consolidar) uma tendência de maior interesse nas áreas de energia, IT e healthcare, e com um foco crescente em fundos ESG. Em 2022, o que estará em causa não é a viabilidade das diferentes indústrias, mas sim a sua trajetória de crescimento e, indiretamente, a atual estrutura de custos. Para os LPs, isto podem ser boas notícias porque representa uma oportunidade para (re)negociar com os GPs as suas rentabilidades e fees.
Quanto à atividade de M&A, o que podemos antecipar, com base no 1.º trimestre: maior utilização do mecanismo de completion accounts, em detrimento do locked box mechanism, reflexo da alteração de paradigma para um mercado mais buyer friendly; timings das transações cada vez mais reduzidos, devido a um mercado competitivo, menos custos e diminuição na incerteza dos preços; regresso dos earn outs; maior utilização de mecanismos de retenção de preço para reclamações e aumento dos caps de responsabilidade. Relativamente ao mercado português, continuamos a ter EBITDAs pouco atrativos para PEs estrangeiros, mas, apesar do aumento das taxas de juro e da inflação, 2022 continua a revelar-se um ano positivo para o M&A, motivada pela elevada liquidez do lado da procura, apenas podendo ser refreada pela subida das taxas de juro, que incrementará os custos para financiar operações de M&A. E do lado dos proprietários dos ativos também se impõe aproveitar o momento, com algum realismo, antes que possa ser tarde.
Em conclusão, as perspetivas ainda são positivas, mas podem inverter-se a qualquer momento, em função das condições sanitárias, financeiras e geopolíticas. E sendo a nossa uma economia periférica, será das primeiras a sentir a alteração de paradigma, caso ocorra. Por isso, a prudência continua a ser boa conselheira, sobretudo para GPs, pois os LPs podem tornar-se mais exigentes.
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