PGR diz que há um nicho na lei que permite continuar a aceder a metadados para investigar
Segundo o gabinete de cibercrime da PGR, há um “nicho normativo” que continua a permitir que as investigações criminais acedam a metadados.
O acesso a dados informáticos no decurso de investigações criminais continua a ser possível e ao abrigo de legislação em vigor, não questionada pelo Tribunal Constitucional (TC) no acórdão dos metadados, defende a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Segundo uma nota informativa hoje divulgada pelo gabinete de cibercrime da PGR, a que a Lusa teve acesso, há um “nicho normativo” que continua a permitir que as investigações criminais acedam a metadados na transposição, em 2004, para a legislação nacional de uma diretiva europeia “relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas”.
Segundo a nota do gabinete especializado da PGR o artigo 6.º dessa lei (41/2004) permite aos operadores de comunicações conservar dados de tráfego digital para fins de faturação, sendo o tratamento de dados apena lícito no período durante o qual a fatura pode ser “legalmente contestada ou o pagamento reclamado”.
A conservação desses dados pelas operadoras durante esse período é opcional, mas a nota sublinha que “está, portanto, em vigor no quadro normativo, uma outra possibilidade de conservação de alguns dados”, que caracteriza como “um conjunto muito reduzido de dados cuja recolha, pela sua natureza, não colide com interesses ou direitos fundamentais, como a privacidade, o sigilo de comunicações ou a autodeterminação informacional”.
“A declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional não abrangeu este nicho normativo, nem incidiu sobre a específica conservação de endereços do protocolo IP usados em comunicações concretas. Não questionou a vigência da Lei nº 41/2004, nem pôs em causa a prática corrente, neste contexto, de pedido de informações aos operadores de comunicações pelo Ministério Público”, lê-se na nota da PGR.
A nota informativa acrescenta que “noutro lugar da lei” se mantém em vigor a possibilidade de o Ministério Público solicitar aos fornecedores de serviços dados relativos aos seus clientes, “neles se incluindo qualquer informação diferente dos dados relativos ao tráfego ou ao conteúdo, contida sob a forma de dados informáticos ou sob qualquer outra forma, detida pelo fornecedor de serviços, e que permita determinar”.
Segundo a legislação, “tais dados relativos aos clientes incluem, entre outros, “a identidade, a morada postal ou geográfica e o número de telefone do assinante, e qualquer outro número de acesso”. “É pacificamente entendido que esta última disposição (“número de acesso”), confere legitimidade ao Ministério Público para solicitar a operadores de comunicações informações sobre a identificação de concretos utilizadores de endereços de protocolo IP”, defende a PGR na nota informativa.
O gabinete de cibercrime alerta ainda para a necessidade de o Ministério Público aferir nos processos em curso, não transitados em julgado “em que tais dados tenham sido solicitados, a validade probatória deste tipo de informação”. “Esta verificação é ainda mais premente nos casos em que os dados facultados por operadores de comunicações tenham sido relevantes na aplicação de medidas de coação”, alerta a PGR.
Sobre o acórdão do TC, a nota informativa refere que “apenas uma iniciativa legislativa” pode “clarificar as dúvidas e incertezas” que este trouxe. “Somente uma nova lei pode superar a fragilidade em que caiu a investigação criminal, ao ser legalmente impedida de aceder a dados de tráfego”, defende a PGR.
O TC anunciou em 27 de abril ter declarado inconstitucionais as normas da chamada “lei dos metadados” que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.
Num acórdão proferido no dia 19, o TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”. Na segunda-feira, o primeiro-ministro anunciou que o Governo vai apresentar ainda esta sessão legislativa uma proposta de lei para alterar a lei dos metadados.
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