CEO garante que “pouquíssimos clientes” da EDP vão beneficiar do travão ibérico à eletricidade
Miguel Stillwell d’Andrade diz que o mecanismo para travar preços vai afetar “pouquíssimos clientes” da EDP e que o preço da energia para 2022 já está fechado a preços mais baixos do que o limite.
Miguel Stilwell d’Andrade é contra intervenções no mercado e o princípio aplica-se também ao teto no preço do gás natural negociado pelos governos de Portugal e Espanha com Bruxelas para travar uma subida dos custos de eletricidade. Para o CEO da EDP, a medida pode levar a distorções no valor que é suportado entre clientes e países. Além disso, dá um sinal negativo para os investidores.
“Por princípio, intervir no mercado não é positivo. Isto pode gerar distorções no mercado. Não estou a falar dos agentes, estou a falar entre países, entre a Península Ibérica e a França, e entre clientes”, assinalou Miguel Stilwell d’Andrade em declarações ao ECO à margem dos IRGAwards da Deloitte, onde venceu o prémio de melhor CEO. Havendo intervenções, “elas devem ser limitadas não só em tempo, mas em termos de âmbito”, acrescentou.
Os executivos dos países Ibéricos aprovaram a 13 de maio a legislação que estabelece um limite médio de 50 euros por MWh para a cotação do gás natural que é usada na definição dos preços da eletricidade. Os valores começam nos 40 euros por MWh e o teto vai vigorar por um período de 12 meses. Esta intervenção no valor do gás significa que a eletricidade deverá custar, no máximo, entre 110 e 130 euros por MWh. A entrada em vigor está dependente da validação técnica final de Bruxelas.
Um grupo de presidentes de elétricas ibéricas, ente eles o da EDP, enviaram a 8 de abril uma carta para a Comissão Europeia a contestar a solução preconizada para baixar os preços da eletricidade no mercado grossista. Segundo noticiou o Observador, a carta refere que em Portugal a larga maioria dos consumidores tem contratos com preços fixos (estáveis), que não irão beneficiar com o mecanismo. Pelo contrário, “podem acabar por pagar mais”.
Questionado sobre esta possibilidade, Miguel Stilwell d’Andrade respondeu que “é prematuro estar a fazer considerações” sobre impactos que ainda não são conhecidos, uma vez que a detalhe técnico ainda não foi publicado. “Isto tem sido trabalhado entre os governos e com a Comissão Europeia. Nós não somos parte da discussão e não temos ainda o detalhe”, explicou.
Também ainda não é claro como o mecanismo será pago pelos consumidores. “Ainda precisa de ser detalhado tecnicamente e precisamos de perceber”, disse o CEO da EDP. O ministro do Ambiente e Ação Climática afirmou após o Conselho de Ministros que “os consumidores expostos ao mercado vão ter um efeito positivo que é a redução do preço e negativo que é suportar o custo do mecanismo”, mas que “o impacto líquido é positivo”. Duarte Cordeiro referiu também que a medida permite que parte dos ganhos inesperados na produção de eletricidade sejam “capturados e socializados no mercado para baixar o preço da eletricidade”.
Preços na EDP em 2022 mais baixos que o limite definido
Miguel Stillwell garante que, por ora, “pouquíssimos clientes estão a ser impactados por isto”. “A nossa energia para o ano 2022 já está toda comprada e os nossos clientes têm estabilidade de preço. Tem sido uma das coisas que temos vincado bastante ao longo dos anos”, afirmou.
“O preço da energia para 2022, para os nossos clientes, já está fechado a preços mais baixos do que o cap [limite]. Os nossos resultados do primeiro trimestre falam por si. Nós estávamos a comprar a um preço mais alto para vender aos nossos clientes a um preço de cerca de 60 euros por MWh. Isso mostra que nós estamos a cumprir os nossos contratos e o preço que o cliente está a ver não é o preço hipotético de mercado, mas o que tem contratado connosco”, acrescentou o responsável. A elétrica disse na semana passada à Lusa ter condições para, a partir de julho, reduzir os seus preços em média em 2,6%.
A empresa fechou o primeiro trimestre com um prejuízo de 76 milhões de euros. O défice hídrico obrigou à compra de eletricidade no mercado grossista a preços historicamente elevados (média de €229/MWh, uma subida homóloga de 407%) “para satisfazer o consumo da carteira de clientes”, o que levou uma perda de 400 milhões de euros no EBITDA.
Outra questão que tem sido levantada desde o início do processo é o benefício que os consumidores franceses poderão ter, possivelmente à custa dos da Península Ibérica. Portugal e Espanha justificaram a necessidade do teto no Conselho Europeu com o facto de estarem numa ilha energética, dada a escassa capacidade da rede que atravessa os Pirinéus, mas a verdade é que a ligação existe. O que significa que do outro lado da fronteira poderão beneficiar de um mecanismo que será suportado por quem está do lado de cá. Na já referida carta, as elétricas contestam a tese da ilha energética dizendo que desde o início do conflito na Ucrânia os mercados espanhol e francês tiveram valores iguais em 50,6% das horas.
Miguel Stilwell d’Andrade reconhece a excecionalidade da situação provocada pela guerra na Ucrânia, que multiplicou por seis o preço do gás natural, fazendo disparar também o da eletricidade no mercado spot, mas defende “medidas dirigidas, mais cirúrgicas, para os clientes vulneráveis, sejam residenciais ou industriais, atacando o problema onde tem mais impacto”, à semelhança do que outros países têm feito.
Teto no preço do gás “não dá sinal positivo para investidores”
A contestação do presidente executivo da elétrica portuguesa estende-se ao possível impacto no investimento, numa altura em que se tornou prioritário acelerar a transição energética. “As intervenções em mercado nunca dão um sinal bom para a estabilidade regulatória. Fica sempre a dúvida que regras é que vamos ter para fazer os investimentos”.
“Um dos temas que é importantíssimo para investimentos de longo prazo, que é o caso de todos os investimentos na área da energia, que são de 30 anos ou mais, é que requerem regras claras e que elas sejam cumpridas. Do ponto de vista de sinalização para os investidores obviamente não é positivo”, conclui Miguel Stilwell d’Andrade.
O mercado de eletricidade é marginalista, o que significa que o valor de referência é fixado com base no preço da última oferta que permite satisfazer a procura por energia. E a maior parte do tempo, são as centrais de ciclo combinado, onde a eletricidade é produzida a partir do gás natural, que em última instância satisfazem a procura. Daí que a fortíssima valorização da matéria-prima tenha levado também o preço da eletricidade a disparar.
O comportamento atual do mercado tem levado a alguma contestação do mercado marginalista, mas o CEO da EDP considera que continua a fazer sentido. “Ele tem o seu espaço no curto prazo, de despacho no curto prazo, de saber o que vai produzir amanhã, o que é mais eficiente”, apontou. Em paralelo, defendeu “uma evolução de mercado”, dando mais peso a contratos de aquisição a longo prazo (PPA), através de incentivos ao investimento, como acontece nos leilões que têm sido realizados em Portugal, Espanha e noutros países. “São estáveis e têm preços baixíssimos”.
Esta mudança permitirá reduzir a volatilidade dos preços, porque “o mercado marginalista fica reduzido a uma franja muito pequena, que já hoje é, mas faz o despacho diário”, acrescenta. Além da gestão da oferta, defende uma aposta na gestão da procura: “nos EUA e no Reino Unido existe um mercado complementar ao marginalista que faz a gestão da procura, com serviços de sistema mais sofisticados”.
Miguel Stilwell d’Andrade aponta ainda que o mercado marginalista é comum a toda a União Europeia, permitindo a união energética a nível da Europa. E deixa uma pergunta: “Dizem que o marginalista não serve. E qual é a proposta alternativa? Não há um outro modelo que alguém meta em cima da mesa”.
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