Diversificar na transição – o exemplo do biometano

  • Ricardo Nunes
  • 26 Julho 2022

A aposta crescente no desenvolvimento de alternativas, nomeadamente ao consumo de gás natural, tem-se revelado uma verdadeira oportunidade, verificando-se uma multiplicação de projetos e iniciativas.

Os acontecimentos do último ano comprovaram que não existe uma solução única e perfeita para se atingir a ambicionada transição energética.

A palavra-chave, mais que nunca, é diversificação!

Além do reforço das interligações entre países com climas, tecnologias e matérias-primas tão diferentes, o que por si só potencia a diversificação (pelo menos indireta), deverá também ocorrer uma diversificação do mix energético [das fontes de produção de energia], com critério, e acompanhando o desenvolvimento das opções sustentáveis entre as diferentes alternativas tecnológicas disponíveis.

Mas se dúvidas ainda houvesse, os últimos acontecimentos na Europa confirmaram que o gás natural será, durante as próximas décadas, pelo menos uma fonte energética de transição.

Tal não deve, no entanto, limitar a procura de soluções mais sustentáveis aplicáveis aos setores onde a eletrificação não se revela viável ou exequível.

É um facto que a independência e segurança energética só é possível através da seleção e utilização de várias fontes para o fornecimento de energia. A aposta crescente no desenvolvimento de alternativas, nomeadamente ao consumo de gás natural, tem-se revelado uma verdadeira oportunidade, verificando-se uma multiplicação de projetos e iniciativas em curso nesta matéria assentes na utilização do hidrogénio e/ou dos gases renováveis, onde se inclui o biometano.

O biometano é um combustível gasoso equivalente ao gás natural, sendo maioritariamente produzido através da purificação (upgrading) de biogás.

O biogás obtém-se fundamentalmente a partir de três principais matérias-primas: a fração orgânica dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), as lamas das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e os resíduos ou efluentes agropecuários, agroalimentares ou agroindustriais.

A primeira geração de centrais de biogás em Portugal adotou como modelo de negócio a produção de eletricidade e calor para autoconsumo ou injeção na rede (através do mecanismo de produção em regime especial).

Embora ainda possamos encontrar mérito neste modelo, restam poucas dúvidas que atualmente a produção de biometano será a melhor solução para o uso do biogás, porquanto permite, de forma mais eficiente, o aproveitamento de energia final: com rendimentos de 98%, em comparação com os 35% para a produção de eletricidade.

Por um lado, se com os preços ditos “normais”, a substituição do gás natural por gases renováveis poderia resultar num maior esforço financeiro relativamente às alternativas menos poluentes, com este nível de preços tais soluções colocam-se praticamente em paridade em termos financeiros.

O custo atual do biometano situa-se entre os 60 e os 80 euros por MWh, o que compara com os mais de 100 euros por MWh que o gás natural tem apresentado nos diferentes mercados internacionais.

Por outro lado, a utilização de gases renováveis permite obter relevantes ganhos em termos ambientais já que a sua utilização não emite gases com efeito de estufa.

O biometano é, juntamente com o hidrogénio, o gás de origem renovável que melhor substitui o gás natural em termos de eficiência energética, podendo constituir-se como um catalisador importante para a transição energética.

No contexto europeu a utilização de biogás para a produção de biometano já é uma indústria ativa e com metas muito ambiciosas. A Dinamarca, por exemplo, estabeleceu uma meta de incorporar 100% de gases renováveis na sua rede até 2050 e a Noruega estabeleceu como meta a utilização de 30% dos resíduos agropecuários para a produção de biometano até 2030. França, pretende produzir 70 TWh por ano de biogás até 2035 (por comparação, o consumo total de gás natural em 2020 em Portugal foi de 66 TWh por ano).

Para além destas metas, na maioria dos países europeus já estão definidos modelos de incentivos, que podem assumir a forma de remunerações fixas (FiT), prémios fixos (FiP) ou prémios variáveis ou leilões (CfD).

A sua utilização tem-se destacado no setor dos transportes (algumas cidades já têm autocarros movidos a biometano) ou por via da injeção na rede de gás natural (blending).

Saliente-se que, à semelhança do que ocorre com o hidrogénio, também o blending de biometano na rede de gás natural não implica investimentos de adaptação (nas redes e nos equipamentos utilizadores), protegendo o país de custos acrescidos e valorizando os ativos em redes existentes.

Acresce o seu potencial de uma utilização descentralizada (i.e., disponibilidade e proximidade das matérias-primas), sendo que a injeção em redes de distribuição locais (por norma, distantes das grandes cidades portuguesas) proporciona desenvolvimento e coesão territorial.

No seguimento deste novo paradigma na substituição do tradicional gás natural, foi notícia recente um projeto da Dourogás em Mirandela, que culminou na primeira injeção de biometano numa rede local de gás natural em Portugal. Ninguém espera que exemplos destes sejam por si só suficientes para a gigante tarefa que a nossa geração tem de cumprir no que diz respeito à transição energética, mas podem ser contributos importantes para a diversificação de estratégias e de fontes de energia que todos ambicionamos.

Compete ao Governo, aos reguladores, à REN, entre outros importantes stakeholders do setor, disponibilizarem os instrumentos legais, regulatórios e operacionais para que mais projetos de utilização de gases renováveis possam ser uma realidade, de norte a sul do país, criando inovação, emprego e riqueza, e simultaneamente contribuindo para descarbonizar a nossa economia.

 

  • Ricardo Nunes
  • Economista, Chief Strategy Officer do OMIP, membro do Observatório de Energia da Sedes

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