Lucros do PSI disparam 86% no segundo trimestre à boleia da inflação

A subida dos preços das matérias-primas motivou subidas expressivas nos lucros da Galp Energia, EDP e Navigator. Todas as cotadas não financeiras do PSI aumentaram receitas, EBITDA e lucros.

A subida dos preços foi determinante para a boa época de resultados das cotadas portuguesas no segundo trimestre. A inflação está a pressionar os orçamentos das famílias, ameaça conduzir a economia global para uma recessão e, por isso, também restringe a atividade das empresas. Contudo, no segundo trimestre, o efeito nas contas das empresas do PSI foi bastante positivo, sobretudo nas companhias mais expostas à evolução dos preços das matérias-primas.

Uma tendência que impulsionou o debate na opinião pública e entre políticos sobre a imposição de impostos sobre lucros excessivos (windfall tax), como está a ser implementado em diversos países europeus, sobretudo sobre as petrolíferas.

Os números globais deixam poucas dúvidas sobre os bons resultados das maiores cotadas portuguesas, sendo que a dinâmica positiva é visível numa série de indicadores, das receitas aos lucros, passando pelas margens. Sinal de que as companhias estão a conseguir passar o aumento de preços para os clientes e que têm uma exposição mais reduzida à economia portuguesa, que registou uma contração no segundo trimestre face aos três meses anteriores.

Começando pelo topo da demonstração de resultados, onde o efeito da alta inflação é mais óbvio, as receitas aumentaram 49% para 23.512 milhões de euros, sendo já o quinto trimestre consecutivo de aumentos sempre acima de 20%. Estes dados não contemplam os números da Mota-Engil e Greenvolt, que só apresentam resultados em setembro, sendo que a construtora não publica dados trimestrais e a empresa de energias renováveis não anunciou resultados no segundo trimestre do ano passado (ainda não estava cotada).

A subida dos preços tem um impacto direto nas receitas, mas também afeta os custos e os volumes vendidos, pelo que podem representar uma ameaça aos ganhos operacionais das empresas. As 13 cotadas do PSI que já publicaram resultados consolidaram um EBITDA de 4.656 milhões de euros entre abril e julho. Este é, de longe, o valor mais elevado em mais de três anos (o ECO tem os dados recolhidos desde o primeiro trimestre de 2019) e que representa um crescimento de 59% face ao período homólogo. Este indicador (que mede os resultados antes de juros, impostos, amortizações e depreciações), nos quatro trimestres anteriores, apresentou taxas de crescimento homólogo de dois dígitos, mas sempre abaixo de 30%.

Com o EBITDA a crescer bem acima das receitas, a margem das cotadas portuguesas deu um salto no segundo trimestre. Depois do mínimo de 10 anos fixado no primeiro trimestre (14,8%), a margem EBITDA das empresas do PSI disparou para 19,8%, o que representa o nível mais elevado desde o quarto trimestre de 2020 (21,9%). Comparando com o segundo trimestre de 2021, a margem EBITDA aumentou 1,4 pontos percentuais, situando-se atualmente em linha com o registado antes da pandemia.

Além dos resultados operacionais mais elevados, as empresas beneficiaram ainda com a evolução positiva de outros indicadores (resultados financeiros, impostos, etc.), uma vez que na última rubrica da demonstração de resultados o salto foi ainda maior. Os lucros das 13 cotadas do PSI atingiram 1.455 milhões de euros entre abril e junho, o que representa um aumento de 86% face ao segundo trimestre de 2021.

Trata-se do valor e variação mais elevados desde 2019 (pelo menos), dando continuidade a uma série de sete trimestres consecutivos de subidas acentuadas nos lucros das cotadas portuguesas. Depois de quedas nos três primeiros trimestres de 2020, reflexo da pandemia, os lucros das maiores cotadas portuguesas registaram sempre aumentos homólogos pronunciados. A subida de 20,5% no primeiro trimestre deste ano foi mesmo a mais reduzida neste período.

Esta forte subida nos lucros em Portugal compara de forma positiva com o que se passa na Europa, justificando também o porquê de o PSI acumular em 2022 uma valorização em torno de 10%, enquanto o Stoxx600 sofre perdas pesadas. No arranque da earning season do segundo trimestre, os analistas apontavam para um aumento de 23,1% nos lucros das 600 cotadas que integram este índice pan-europeu. Excluindo energia, as previsões apontam para um aumento de 4%. Em Espanha, segundo os cálculos do CincoDias, os lucros das empresas do IBEX aumentaram 7,4%.

Com a economia global a abrandar de forma pronunciada, os analistas esperam uma degradação dos resultados nos próximos trimestres, admitindo que os lucros podem baixar em 2023 caso se confirme o cenário de recessão.

Energia lidera subidas generalizadas

A melhoria nos resultados foi transversal a (quase) todas as cotadas do PSI. O BCP apurou prejuízos no segundo trimestre, penalizado pelas perdas com os créditos em moeda estrangeira na subsidiária polaca. As restantes 12 cotadas do PSI conseguiram o feito de alcançar variações positivas nas receitas, EBITDA e lucros.

Apesar da subida ter sido generalizada, foram as cotadas do setor energético que deram o grande impulso aos lucros do PSI. EDP, Galp Energia e EDP Renováveis obtiveram lucros conjuntos de 846 milhões de euros, mais do que duplicando o registado no período homólogo. Sozinhas, representam 58% dos lucros das cotadas do índice, bem acima do peso de 36% que têm no PSI. Olhando para o EBITDA, o peso é ainda maior, chegando aos 67%.

Ao nível das receitas e EBITDA, estas empresas também conseguiram aumentos expressivos no segundo trimestre, período marcado por uma forte subida dos preços da energia (petróleo, gás natural e eletricidade) devido ao impacto da guerra na Ucrânia.

Depois de EDP, Galp e EDP Renováveis, mais duas empresas obtiveram lucros acima de 100 milhões de euros no segundo trimestre. A Jerónimo Martins e a Navigator, duas empresas que obtêm uma fatia considerável das receitas fora de Portugal, também registaram aumentos expressivos nos lucros e noutros indicadores de resultados. As cinco empresas com mais lucros consolidaram resultados líquidos de 1,13 mil milhões de euros, o que representa 78% do total e quase o dobro do registado no período homólogo.

Cotadas do PSI aumentam receitas, EBITDA e lucros

Lucros “caídos do céu”?

A subida considerável da margem EBITDA já denota que as maiores empresas portuguesas beneficiaram com a elevada inflação, conseguindo mais do que repercutir nos clientes o aumento dos custos. Há mais variáveis que influenciam este indicador que mede a relação entre os ganhos operacionais e as receitas, mas analisando caso a caso, é percetível que o aumento dos preços foi fundamental para a subida da margem, sobretudo na Galp e Navigator.

A EDP não foi das empresas mais visadas pela polémica relacionada com os lucros excessivos, que motivou um debate sobre a aplicação em Portugal da windfall profit tax (imposto sobre lucros caídos do céu, na tradução corrente). A elétrica baixou os lucros no semestre devido aos prejuízos apurados no primeiro trimestre. Contudo, entre abril e junho a EDP alcançou lucros de 382 milhões de euros (+133%), um dos melhores trimestres de sempre em que o EBITDA subiu 55%.

Este desempenho foi impulsionado sobretudo pelas energias limpas, com a EDP Renováveis a aumentar os lucros em 91% para 199 milhões de euros. No comunicado com a apresentação de resultados, a companhia explica os resultados “robustos” com o impacto do “aumento do preço médio de venda e de produção”. O preço médio de venda de energia aumentou 27% no semestre, “maioritariamente devido aos preços de mercado na Europa”.

A crise energética na Europa, com a Rússia a limitar os fornecimentos de gás natural, motivou uma subida acentuada nas cotações desta matéria-prima, o que também impulsionou o preço da eletricidade. Uma evolução que também teve um efeito contrário nas contas da EDP, que justifica os prejuízos de 111 milhões de euros na atividade em Portugal com os “elevados preços de eletricidade no mercado grossista” e a “seca extrema” no país.

No que aos impostos diz respeito, a EDP pagou 120 milhões no segundo trimestre (IRC e impostos diferidos), mais 20% do que no período homólogo. Os 50 milhões de euros de Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) foram tributados no primeiro trimestre, sendo que no conjunto do primeiro semestre a taxa de imposto efetiva situou-se em 18% (contra 23% na primeira metade de 2021) .

No caso da Galp Energia, o aumento no EBITDA (118%) e do resultado líquido (89%) é um reflexo da subida acentuada dos preços do petróleo e a melhoria substancial da margem de refinação (22,3 dólares no segundo trimestre). Uma tendência que beneficiou toda a indústria petrolífera mundial, que está a anunciar lucros recorde no segundo trimestre. A petrolífera portuguesa melhorou a margem EBITDA de 15,7% para 17,2% e viu a fatura fiscal aumentar 93% para 295 milhões de euros.

A Navigator é outra das cotadas onde é visível o impacto positivo da subida de preços nos resultados. Enquanto as receitas subiram 74% depois dos vários aumentos no preço dos produtos vendidos pela companhia, o EBITDA disparou pela primeira vez para mais de 200 milhões de euros, o que resultou num aumento de 172% nos lucros, o maior crescimento entre todas as empresas do PSI.

A margem EBITDA deu um salto de 13 pontos percentuais para 34,3%. A Navigator cita a “evolução favorável dos preços internacionais”, com um crescimento de 38% no preço da pasta em euros, enquanto o índice de preços do papel na Europa registou uma subida de 46% face ao segundo trimestre de 2021. Nos primeiros seis meses do ano, a Navigator pagou 66 milhões de euros em impostos, quatro vezes mais do que no mesmo período do ano passado.

Apesar da subida na margem EBITDA do PSI, a maioria das cotadas (oito em 12) deteriorou este indicador no segundo trimestre, reflexo do impacto da inflação. É o caso da Jerónimo Martins, que culpa o aumento dos preços pela descida de duas décimas na margem EBITDA. Ainda assim a empresa conseguiu aumentar os lucros em 34%, o que resultou num agravamento do imposto sobre o rendimento em 31% para 54 milhões de euros.

A Altri sofreu a descida mais pronunciada na margem EBITDA (7,8 pontos percentuais), o que motivou uma reação muito negativa das ações (-18% desde apresentação de resultados).

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