Christine Ourmiéres-Widener admite que cortes podem ser revertidos com "estrutura salarial diferente". Diz-se "magoada" com as palavras dos sindicatos mas continua a acreditar num acordo.
À frente da companhia aérea há pouco mais de um ano, Christine Ourmiéres-Widener afirma que o tom das críticas dos sindicatos a magoaram. “Não esperava que o nível de críticas fosse tão agressivo”, desabafa. Mas garante que é capaz de o superar pela empresa e acredita haver ainda margem para um acordo.
“Percebo a expectativa e gostava de ser uma CEO popular, mas não é esse o meu trabalho. O meu trabalho é cumprir o plano”, afirma. Reverter os cortes nos vencimentos é possível, mas com “uma estrutura salarial diferente”.
A presidente executiva justifica o recurso ao aluguer de aeronaves de outras companhias (ACMI) com a falha na entrega dos aviões previstos e espera no próximo verão ter de trabalhar o mínimo possível com estes contratos.
Os sindicatos dizem que face à forte recuperação do tráfego e das receitas o plano de reestruturação está obsoleto. Está?
O plano de reestruturação está publicado. Não sei o que está obsoleto. O principal objetivo é chegar a um resultado líquido positivo no fim do plano. A capacidade que estamos a voar este verão é a capacidade que era suposto estarmos a voar no próximo. Não foi uma decisão fácil, mas acho que foi uma boa decisão de gestão tirar partido de uma recuperação mais rápida. Antes de falar seria bom ter os números do final do ano. Tirar conclusões que não se baseiam em factos ou números é muito perigoso.
Mas se a capacidade este verão é a que estava prevista para 2023, se as coisas estão a correr melhor do que o planeado, isso não permite que os cortes salariais sejam revertidos mais cedo?
O que está a correr melhor do que o planeado? Se um dia tivermos um resultado líquido positivo claro que estaremos livres do plano. Estamos longe disso. Tivemos um prejuízo de 200 milhões em seis meses. Tivemos resultados operacionais fortes, mas o plano foi aprovado há apenas seis meses e temos as ameaças que estão a chegar. Os constrangimentos que existiram em julho e agosto foram muito difíceis, em todo o lado. Não sabemos o que será o próximo ano. Fala-se de uma flutuação da procura. É muito cedo para cantar vitória. Temos um longo caminho ainda pela frente. Temos de ter a certeza que tomamos as decisões com base em factos e números. Percebo a expectativa e gostava de ser uma CEO popular, mas não é esse o meu trabalho. O meu trabalho é cumprir o plano.
É muito cedo para cantar vitória. Temos um longo caminho ainda pela frente. (…) Percebo a expectativa e gostava de ser uma CEO popular, mas não é esse o meu trabalho. O meu trabalho é cumprir o plano.
Esperava que o nível de críticas dos sindicatos e a linguagem utilizada fosse tão forte?
Não.
Porque acha que isso acontece?
Não sei. Acho que talvez do lado deles exista um nível de frustração. Mas posso garantir que não é falta de diálogo. Tenho dedicado muitas horas, mais do que alguma vez fiz no meu emprego anterior, a falar, a trabalhar, a responder. É muito trabalho. Posso dizer que não esperava que o nível de críticas fosse tão… (pausa) agressivo. Não é o meu estilo. Acho que não resolve nada na vida. Estava muito otimista de que seria possível resolver problemas e desafios respeitando-nos uns aos outros.
Com este nível de linguagem ainda há espaço para entendimento?
Acho que os líderes têm de se focar na sua missão. Não significa que não tenha orgulho. Não deixarei de o fazer por causa das palavras que foram usadas no passado. Não significa que não me tenha magoado, mas consigo superá-lo pela companhia.
Quais são os entraves a um entendimento? Porque é que as duas partes parecem tão distantes?
Acho que é mais uma questão de perceção.
Ainda acredito que há margem para se chegar a um acordo, mesmo depois de tudo o que aconteceu. Há certamente uma solução e chegaremos a ela.
O que é que os pilotos, por exemplo, querem que a TAP não pode dar?
Ainda estamos em conversações com os pilotos. Elas não pararam. Temos tudo a perder se paramos de falar. Ainda acredito que há margem para se chegar a um acordo, mesmo depois de tudo o que aconteceu. Há certamente uma solução e chegaremos a ela.
Colocando então a questão ao contrário, o que é a TAP quer que os pilotos rejeitam?
A única coisa que queremos é um novo Acordo de Empresa com todos os nossos trabalhadores. Os acordos de empresa que temos são demasiado antigos, não competitivos, criando situações de insustentabilidade a longo prazo. A única coisa que queremos é estar à volta da mesa e negociar novos acordos. Isso permitirá que deixemos de trabalhar no agora para trabalhar no longo prazo. Os acordos de empresa são o principal compromisso que temos na relação com os trabalhadores. É o projeto mais importante que temos de entregar.
Em qualquer caso os cortes salariais só terminarão após 2024?
Poria a questão de forma diferente. Nós temos compromissos em relação à estrutura de custos. Estes estão distribuídos hoje nos Acordos de Emergência com cortes. Se através da negociação de novos acordos de empresa a distribuição é diferente… Não estamos a falar de um novo corte salarial, mas de um novo Acordo de Empresa.
Sem cortes salariais.
Com uma estrutura salarial diferente.
Está a jogar com as palavras.
Não, não. A questão é pelo que é que se quer pagar? O que é que se recompensa hoje e o que é que se quer recompensar no futuro? Num corte pega-se num nível de salário e faz-se um corte para toda a gente. A questão é como está construída a estrutura salarial dos nossos concorrentes em comparação com a nossa. Não é uma questão de nível salarial, mas de estrutura. Pode-se ter pessoas que têm salários mais elevados e outras menos, em função de critérios que têm de ser discutidos à volta da mesa e redefinidos.
Não é uma questão de nível salarial, mas de estrutura. Pode-se ter pessoas que têm salários mais elevados e outras menos, em função de critérios que têm de ser discutidos à volta da mesa e redefinidos.
Como critérios de produtividade?
Produtividade, desempenho.
Os cortes salariais podem então terminar antes de 2024, desde que a estrutura de custos cumpra a meta definida no plano?
Sim. É por isso que é tão importante termos conversações concretas e não ficarmos presos ao passado.
Espera conseguir assinar os novos Acordos de Empresa no próximo ano?
Sim. Precisamos. Quanto mais cedo melhor.
Como é que a TAP vai pagar os 50 milhões de euros que o Supremo Tribunal decidiu que têm de ser entregues aos pilotos?
Não está decidido ainda. É uma discussão em curso.
Mais um tópico tenso com os pilotos.
É uma questão muito importante, como pode imaginar.
Contratos de aluguer de aviões a outras companhias serão reduzidos ao mínimo
Os pilotos afirmam que a TAP está a perder um milhão de euros por mês com os dois aviões convertidos de passageiros para carga que ficaram parados. Confirma?
A decisão inicial foi tomada durante a pandemia, em novembro de 2020. Naquela altura, com os pressupostos que existiam, a perspetiva de receita e não havendo passageiros, foi uma boa decisão. O que correu mal foi o tempo de certificação destas aeronaves.
Fomos demasiados otimistas ao avançar para uma segunda modificação [de uma aeronave para carga] sem o primeiro avião estar certificado.
Porque é que a certificação nunca chegou?
Fomos demasiados otimistas ao avançar para uma segunda modificação sem o primeiro avião estar certificado. E fomos otimistas sobre o tempo que demoraria a certificação. Devido à pandemia, devido à falta de recursos, os processos de certificação foram mais demorados.
De quem é a responsabilidade por esse atraso? Já passou imenso tempo.
Nem sempre a responsabilidade é de uma só entidade [a EASA é que certifica]. Há muitas razões para este processo ter sido mais demorado. Foi feita uma avaliação prévia com especialistas. Não foi a gestão que disse que correria tudo bem. A avaliação feita concluiu que seria rápido. Afinal não foi. Vamos decidir nos próximos meses o que vamos fazer.
Foi noticiado que um deles iria voltar a ser para passageiros.
A decisão final ainda não está tomada, mas o mais provável é que um deles volte a ser para passageiros no próximo verão. Ainda temos de confirmar se o outro recebe ou não a certificação para carga. Temos de decidir até ao final do verão, para termos tempo de reconfigurar novamente para passageiros. Para isso não é necessária certificação.
O mais provável é que um deles volte a ser para passageiros no próximo verão. Ainda temos de confirmar se o outro recebe a certificação para carga.
Os sindicatos têm sido muito críticos em relação aos ACMI (aluguer de aviões com tudo incluído – Aircraft, Crew, Maintenance e Insurance – avião, pessoal, manutenção e seguros). Vão continuar?
Há sete ACMI, incluindo a White. Temos ACMI para cobrir o atraso na entrega dos Embraer à Portugália, que deixarão de ser necessários quando as aeronaves chegarem. Fora do pico esperamos que os ACMI caiam para o mínimo. Vai depender dos constrangimentos que vamos ter nos A330-900neo.
E no próximo verão?
Esperamos ter de trabalhar o mínimo possível com ACMI, mas a TAP sempre recorreu a ACMI no passado.
Qual é a principal razão para ter de recorrer aos ACMI? Não é também a falta de pessoal?
Aviões. Não tem nada a ver com tripulação. Por isso é que recrutámos 430 tripulantes. É um problema de frota. Ou desafios técnicos ou atrasos nas entregas. Se no próximo ano já tivermos os Embraer e os A330 poderemos recorrer aos ACMI só mesmo no pico da operação, por dois ou três meses.
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“Não esperava que o nível de críticas fosse tão agressivo”, diz CEO da TAP sobre sindicatos
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