Marcelo antecipa ano “mau” em 2023. Economistas não descartam recessão

Fatores como as subidas de juro e os preços do gás trazem incerteza, mas economistas preveem uma desaceleração da economia e inflação ainda elevada para o próximo ano.

A três semanas de ser apresentado a proposta de Orçamento do Estado para 2023, o Presidente da República alertou o Governo de que deveria revelar a “visão” para o próximo ano, nomeadamente o cenário macroeconómico. O Executivo ainda não deu muitas pistas, mas as previsões mais recentes das instituições económicas, nacionais e internacionais, apontam para um crescimento entre 1% e 2%. Economistas preveem crescimento mais fraco e inflação ainda elevada.

A possibilidade de uma recessão começa a afigurar-se como provável, mas há ainda a hipótese de existir “apenas” uma desaceleração da economia, caso seja possível com as políticas reduzir a inflação antes de se ir longe demais. “O risco é os bancos centrais levarem a luta contra a inflação demasiado rápido e longe demais, porque vão induzir recessão“, salienta João Lampreia, estrategista chefe do banco BiG, ao ECO.

O cenário macroeconómico do próximo ano tem ainda vários fatores de incerteza, mas o Presidente da República defendeu que o Governo “talvez ganhasse em explicar aos portugueses que visão tem para o [próximo] ano”, bem como as previsões macroeconómicas para 2023. Marcelo Rebelo de Sousa reiterou que é “muito importante para que os portugueses percebam que, quando o Governo diz que não pode ir mais longe agora [nas medidas de apoio], é porque o que vem aí é mau”.

Contactado oficialmente pelo ECO, o Ministério das Finanas não fez comentários ao desafio de Marcelo. Até agora, o Executivo apenas se pronunciou sobre os números com os quais está a trabalhar para este ano. No que diz respeito à inflação, o primeiro-ministro aponta que antecipam um valor de 7,4%. Já para o crescimento económico, na apresentação do pacote de medidas para as famílias ficou a indicação de que deverá rondar os 6,4%. Quanto aos restantes indicadores, Fernando Medina indicou que o rácio da dívida pública face ao PIB deverá ficar abaixo dos 120,7%, que estavam previstos também no Orçamento deste ano, enquanto para o défice a previsão é de 1,9%.

Já para o próximo ano o Governo não avançou ainda com números. É possível, no entanto, olhar para as previsões das outras instituições para montar um cenário, sendo de ressalvar que devido à incerteza os cenários têm vindo a ser revistos ao longo do ano.

Começando por Bruxelas, nas previsões económicas de Verão do Executivo comunitário a Comissão Europeia reviu em alta as previsões para o crescimento do produto interno bruto (PIB) de Portugal em 2022, de 5,8% para 6,5%. No entanto, as projeções de crescimento para 2023 recuaram, passando de 2,7% para 1,9%. Bruxelas divulga também previsões para a inflação, que foram revistas em alta para ambos os anos. Para Portugal prevê uma inflação de 6,8% em 2022 e 3,6% em 2023, subidas face aos 4,4% e 1,9% estimados nos últimos dados.

Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê um crescimento do PIB de Portugal de 5,8% em 2022, de 1,9% em 2023, 2,4% em 2024, 2,1% em 2025 e 1,9% nos dois anos seguintes, segundo as últimas previsões apresentadas, a 30 de junho. A previsão da inflação (IHPC) é de 6,1% este ano e de 3,5% no próximo. Relativamente à taxa de desemprego, estima que seja de 6,5% em 2022 e 6,4% em 2023, 2024 e 2025.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) também tem previsões, de junho deste ano, que contemplam uma revisão em baixa do crescimento do PIB, que estimam que seja de 1,7% no próximo ano. Já para a inflação, a projeção é que se fixe nos 4% em 2023.

Previsões para 2023

Por cá, o Banco de Portugal prevê que a economia portuguesa desacelere a partir do segundo trimestre deste ano e até ao final de 2022. Assim, em 2023, a previsão de crescimento é revista em baixa para 2,6% (2,9% no boletim económico de março). Em 2024, a economia portuguesa deverá crescer 2%. O banco central prevê também que a taxa de inflação em Portugal continuará acima de 2% em 2023 (2,7%) e será de exatamente 2% em 2024, de acordo com as novas projeções de junho.

Quanto ao Fórum para a Competitividade prevê uma “forte desaceleração”, com risco de recessão no próximo ano, segundo a nota de conjuntura para julho. “Para 2023, há a expectativa de uma forte desaceleração, com riscos crescentes de haver uma recessão, cujo início, profundidade e duração são as maiores incógnitas”, lê-se na nota.

Pedro Braz Teixeira, diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade, diz ao ECO que “para o próximo ano pode-se esperar uma economia muito mais fraca do que este ano, com a possibilidade de ter uma recessão e uma inflação provavelmente mais baixa do que este ano, mas se calhar a não baixar muito, ainda muito longe dos 2%”. Ressalva, ainda assim, que existe uma elevada incerteza.

Esta combinação de inflação alta com economia enfraquecida não é comum e coloca os bancos centrais numa posição ingrata

Pedro Braz Teixeira

Isto já que, tal como a pandemia, a “guerra é fenómeno não económico, que introduz incerteza muito superior à incerteza comum à atividade económica”, não tendo comportamentos históricos e muitas possibilidades. Além disso, vive-se uma “conjuntura extremamente desafiante, com a economia a abrandar com a inflação elevada”, o que é “uma combinação invulgar”, salienta.

“Esta combinação de inflação alta com economia enfraquecida não é comum e coloca bancos centrais numa posição ingrata”, considera o economista, tendo em conta que ao tentar controlar a inflação podem “aumentar a probabilidade de recessão”.

Quanto à necessidade de dar expectativas para o próximo ano, Pedro Braz Teixeira destaca dois indicadores que era importante conhecer mesmo antes do Orçamento: “Qual é o aumento previsto para salários da Função Pública e também o que se pensa fazer na atualização dos escalões do IRS”. Estas questões vão ser “bastante importantes para as famílias e empresas definirem e pensarem como vai ser o próximo ano”.

As expectativas de inflação a médio prazo continuam bem ancoradas, mas em 2023 é provável que os aumentos de preços sejam um pouco mais elevados do que o esperado e que o crescimento seja mais fraco

Teresa Gil Pinheiro

Research BPI

De facto, a rápida alteração da situação motiva a revisões frequentes. Numa nota de research do BPI de setembro, Teresa Gil Pinheiro destaca que “a mudança nas perspetivas dos preços do gás, e as crescentes pressões inflacionistas, obrigar-nos-ão a ajustar o cenário de previsão para a economia portuguesa, o que faremos no próximo mês”.

“As expectativas de inflação a médio prazo continuam bem ancoradas, mas em 2023 é provável que os aumentos de preços sejam um pouco mais elevados do que o esperado e que o crescimento seja mais fraco”, sinaliza a economista do BPI. O banco previa um crescimento do PIB de 2% para 2023 e uma inflação de 2,2%.

Olhando para o próximo ano, as perspetivas “são agora menos favoráveis, pois a economia enfrenta riscos negativos que afetarão a atividade, sobretudo na transição de 2022 para 2023, com maior impacto no crescimento de 2023”, lê-se na nota. “Estas perspetivas menos favoráveis decorrem do possível prolongamento das tensões no mercado energético na Europa, pressionando em alta os preços dos bens energéticos e impactando negativamente o consumo e os custos de produção”.

Este é um fator mencionado também por Pedro Braz Teixeira, que sinaliza que a agravar o cenário está a ameaça, que “em parte já foi cumprida, de Rússia de não retomar funcionamento do gás natural”, sendo que “ainda há dois gasodutos com o risco de novos cortes e fala-se de racionamento de gás e recessão na Alemanha”.

Na nota do BPI salienta-se ainda que “paralelamente, a procura também será condicionada pelo aumento mais sustentado das taxas de juro, como forma de combater a inflação, ainda que as poupanças acumuladas no período de confinamento constituam um suporte importante para o consumo das famílias”.

Os bancos centrais ainda têm algum espaço, porque neste momento as nuvens começam a adensar mas a economia ainda está a crescer

João Lampreia

BiG

Para João Lampreia, esta subida de taxas será determinante para a evolução da economia. Isto já que os bancos centrais “têm algum espaço, porque neste momento as nuvens começam a adensar mas a economia ainda está a crescer”. “À medida que percebem que há efeito negativo”, a atuação começa a mudar, e esse ritmo é que poderá ditar se a economia aguenta ou não, considera.

O economista do BiG admite que o cenário mais provável na Europa é uma recessão, mas diz que a economia pode também só desacelerar. O que acontecer nos restantes países vai afetar Portugal, até porque “temos um peso de taxa variável muito grande e somos um país de médio baixo rendimento”, salienta.

Apesar dos riscos, alguns fatores nomeadamente a descida em alguns preços de matérias-primas e o facto de os mercados já estarem a contar com uma desaceleração podem ajudar a evolução da situação. Se a “economia conseguir desinflacionar e evitar recessão, seria o melhor cenário”, aponta o economista.

O ECO questionou o Ministério das Finanças se iria antecipar o cenário macroeconómico, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.

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