Em dez anos, vistos gold ‘deram’ ao país quase sete mil milhões de euros de investimento
Os dados do SEF revelam que foram concedidos 11.189 vistos gold. Em 10 anos, 5,87 mil milhões foram em investimento imobiliário. Costa avisa que programa está para acabar.
Desde que os vistos gold foram criados – em 2012 com o Governo de coligação PSD/CDS, era Miguel Macedo titular da pasta da Administração Interna – foram investidos quase sete mil milhões de euros (6,54 mil milhões). A sua grande maioria (cerca de 90%) no mercado imobiliário. Segundo dados avançados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), na tutela do MAI, no total dos dez anos de vida do programa, oficialmente chamado de Autorização de Residência para Investimento (ARI), foram registados 11.180 investidores e 18.368 familiares beneficiados.
Os investidores foram quase 50% de chineses, seguidos de brasileiros, turcos, sul-africanos e, por último, norte-americanos. Mas há também vistos concedidos a angolanos e russos.
Concretizando, nos últimos três anos (2020, 2021 e nove meses de 2022), os números avançados pelo SEF revelam:
- 2020: 11.82 ARI concedidos que corresponderam a 646 milhões de investimento (588 milhões em investimento imobiliário);
- 2021: 865 ARI concedidos, num total de 460 milhões de euros de investimento (409 milhões em imobiliário);
- 2022 (de janeiro a setembro): 926 ARI aceites, que refletiram um investimento total de 464,8 milhões de euros;
- Já em 2014, um ano e pouco após a entrada em vigor deste programa, os vistos gold concedidos foram de 1.526, num investimento total de 921 milhões de euros.
Numa entrevista ao ECO em que salientou que “os vistos gold não têm nada a ver com o aumento dos preços das casas” em Portugal, Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), salientou que nos primeiros nove meses deste ano, isto é, até setembro, este instrumento rendeu 465 milhões de euros de investimento para Portugal. Dados confirmados nas estatísticas do SEF.
No entanto, apesar destes argumentos, o chefe do Executivo socialista, António Costa, surpreendeu todos quando esta quarta-feira revelou, numa pergunta feita pelo ECO, que está a “reavaliar” o programa. E que este pode ter os seus dias contados.
Numa conferência de imprensa, à margem da Web Summit, António Costa disse que “todas as hipóteses” estão em cima da mesa, mas que “neste momento já não se justifica mais manter” o programa. “Há programas que, obviamente, estamos neste momento a reavaliar. Um deles é o dos vistos gold, que provavelmente já cumpriu a função que tinha a cumprir, e que neste momento já não se justifica mais manter”, assumiu o chefe do Governo.
João Massano, advogado especialista nesta área, defende, em declarações ao ECO, que “as autorizações de residência para investimento contribuíram incomensuravelmente para o aumento do investimento em Portugal, nos ramos imobiliário, construção, diminuindo a taxa de desemprego e contribuindo para a reabilitação urbana, que noutras circunstâncias dificilmente teria ocorrido. Basta ver o que é Lisboa hoje! Contribuíram também para investimentos de vária natureza, como, por exemplo, em serviços, restauração, alojamento local, hostels, hotéis”. O advogado sublinha ainda que “o Estado arrecadou valores de vária natureza como taxas de análise e de emissão de cartão, IMT, imposto de selo, registos, IMI e mais-valias”. Mas alerta: “a atual indefinição está a prejudicar a imagem de Portugal no estrangeiro e a levar o investimento para outros países. Tais investimentos do ponto de vista económico seriam de manter, dado que já nos encontramos a atravessar uma crise económica, que se vislumbra vir a agravar-se”, concluiu.
E o que são os chamados vistos gold?
Oficialmente, o nome correto é o de Autorização de Residência por Investimento (ARI) que consiste num programa de autorização de residência, por cinco anos, por investimento para cidadãos que não fazem parte da União Europeia. O programa foi criado em 2012 e na sua maioria tem tido a adesão de chineses e brasileiros, embora no último ano se tenha registado um aumento de pedidos, e consequentes autorizações, de cidadãos norte-americanos.
Para o obter, o candidato deve realizar ou uma transferência de capitais no montante igual ou superior a 1,5 milhões de euros, ou a criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho, ou a aquisição de bens imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros, entre outros como o de aquisição e realização de obras de reabilitação de bens imóveis, no montante global igual ou superior a 350 mil euros. O regime concede aos investidores e aos seus familiares o direito não só de viver, mas também trabalhar e estudar em Portugal e permite a livre circulação no Espaço Schengen da União Europeia.
Segundo os mesmos dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), desde outubro de 2012, 744 vistos gold foram concedidos a investidores na modalidade de Transferência de Capital (ver quadro em baixo relativo ao período de outubro de 2012 a abril deste ano).
Só em 2021, 90% dos vistos emitidos no primeiro trimestre de 2021 foram por meio de investimento imobiliário, chegando ao número de 205, de um total de 228 autorizações. A procura pelo visto gold de Portugal disparou no primeiro trimestre de 2021, logo após o anúncio das alterações do programa e o aumento do investimento estrangeiro. Os chineses lideram o investimento no programa, com um acréscimo de 33% nos investimentos em relação a 2019. Os americanos investiram 70% a mais num visto gold em comparação com o ano de 2019.
Já em abril deste ano de 2022, foram atribuídos 121 ARI, mais de metade do que foi atribuído no ano todo de 2021. Na sua maioria (26) foram a norte-americanos (ver quadro em baixo).
Só nesse mês, registou-se um crescimento em relação a janeiro e fevereiro, com 94 em cada mês, e a março, com 73. Desses, 92 foram entregues por compra de imóveis (43 para reabilitação urbana) e apenas 29 por transferência de capital. O investimento captado subiu, em abril, 16,6% em termos homólogos, para 59,7 milhões de euros.
“Temos um programa aberto para podermos ser um fator de localização desses nómadas digitais, como temos um programa de atração de Investimento Direto Estrangeiro. Cada empresa que faz grandes investimentos estratégicos em Portugal fá-lo também numa base contratualizada. E, felizmente, Portugal tem vindo a ser crescentemente atrativo”, disse ainda o primeiro-ministro.
“No primeiro semestre deste ano voltámos a ter um máximo histórico de investimento contratualizado através da AICEP. Ano após ano, temo-lo tido. E o que desejamos é continuar a ter. Porque essas empresas são as empresas que nos ajudam a criar uma sociedade que tem mais emprego, sobretudo melhor emprego, com melhores condições de trabalho e melhores salários. E é por isso que temos de continuar”, rematou.
A lei mudou. Que alterações foram aprovadas?
O regime de ARI mudou, sendo que as novas regras entraram em vigor a 1 de janeiro de 2022, com ano de atraso já que, inicialmente, estavam previstas para início de 2021. Regras essas que reduziram bastante as condições para os cidadãos serem ilegíveis a ter uma ARI.
Assim, a aquisição de imóveis, de valor igual ou superior a 500 mil euros, e a aquisição e realização de obras de reabilitação urbana, em montante global igual ou superior a 350 mil euros, que se destinem a habitação, continuam a permitir o acesso a este regime, mas apenas quando se situem nos Açores e na Madeira ou em alguns territórios do interior.
Com esta alteração há também um aumento dos valores que envolvem ‘atividade de investimento’. Assim, passam a ser considerados os seguintes valores:
- O investimento via transferência de capitais passa a ter um montante mínimo de 1,5 milhões de euros (em vez de 1 milhão de euros).
- Também o investimento por via de transferência de capitais aplicado em atividades de investigação desenvolvidas por instituições públicas ou privadas de investigação científica, integradas no sistema científico e tecnológico nacional, passa a ter um montante mínimo de 500 mil euros (em vez de 350 mil euros).
- O mesmo acontece com a transferência de capitais destinados à aquisição de unidades de participação em fundos de investimento ou fundos de capitais de risco. Nesta situação, o montante mínimo sobe para os 500 mil euros;
- Transferência de capitais destinados à constituição de uma sociedade comercial com sede em território nacional, conjugada com a criação de cinco postos de trabalho permanentes, ou para reforço de capital social de uma sociedade comercial com sede em território nacional, passa a ter um montante mínimo de 500 mil euros (em vez de 350 mil euros).
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