“Vistos gold não têm nada a ver com o aumento dos preços das casas”, dizem investidores imobiliários

Hugo Santos Ferreira, porta-voz dos promotores e investidores imobiliários, separa vistos gold dos problemas da habitação e diz que fim do programa daria “machadada grave no investimento estrangeiro".

Foi com “surpresa” e “preocupação” que os promotores e investidores imobiliários ouviram o primeiro-ministro dizer que o Governo está a “reavaliar” o programa dos vistos gold, que desde que foi lançado já atraiu mais de 6.000 milhões de euros de investimento, dos quais 465 milhões foram captados entre janeiro e setembro deste ano. À margem da Web Summit, António Costa disse que “todas as hipóteses” estão em cima da mesa, mas que “neste momento já não se justifica mais manter” o programa, que completou recentemente uma década em vigor.

Em entrevista ao ECO, o presidente da APPII, a associação que representa os promotores e investidores imobiliários (nacionais e estrangeiros) com atividade no território português, diz que é “descabido estar nesta altura a reequacionar o programa de vistos gold, quando todos os países estão a concorrer pela captação de todo o investimento internacional que puderem”. Hugo Santos Ferreira diz que “é um mito” dizer-se que este programa conduz à escassez de habitação acessível ou que seja o responsável pelos preços elevados das casas em Portugal. “Temos um problema habitacional grave em Portugal, mas o caminho não é castrar a procura”, critica.

Como reagem às declarações do primeiro-ministro, António Costa, sobre a possibilidade de acabar com os vistos gold em Portugal?

Foi com grande preocupação que assistimos a essas declarações. Desde logo porque é ruído que vem dar uma grande instabilidade ao mercado imobiliário. Há vários projetos em curso e que ficam completamente parados e em stand-by até se perceber qual o alcance deste tipo de declarações.

Em segundo lugar, prejudica seriamente a captação de investimento estrangeiro e, portanto, a entrada de riqueza em Portugal. Estamos a falar de um programa que totalizou até agora mais de 6.000 milhões de euros de investimento. E que de janeiro a setembro deste ano já tinha captado 465 milhões de euros. Num período como o que vivemos, declarações destas prejudicam a captação de investimento internacional [por esta via] que, por ano, tem andado entre os 400 e os 600 milhões de euros. É, de facto, preocupante.

Também para outros setores de atividade?

Sim. Além da captação de investimento direto que tem trazido, os vistos gold são também um grande dinamizador de investimento indireto e da economia em Portugal. Não só na criação de postos de trabalho, mas também na dinamização de uma série de outras indústrias – como a da construção, que vive muito à custa destes programas. E depois há toda a dinâmica das próprias cidades e do turismo, que têm girado em torno deste tipo de programas.

Veem margem para um recuo?

Esperamos que o Governo tenho o bom senso de, numa altura de instabilidade como a que vivemos – e com todos os atuais constrangimentos a nível geopolítico e de incerteza internacional –, não venha criar mais um problema num programa que só este ano já captou 465 milhões de euros de investimento até setembro.

Já sugerimos ao Governo que o programa deveria evoluir no sentido de incluir, dentro do que é o cardápio de possibilidades de investimento – como o imobiliário, a reabilitação urbana ou a criação de postos de trabalho – uma maior aposta, por exemplo, na certificação energética, no investimento em ciência e tecnologia ou no mercado de arrendamento.

Considera ser mais grave por surgir nesta conjuntura de maior incerteza no plano económico?

Todos os países, incluindo Portugal, estão a concorrer pela captação de todo o investimento internacional que puderem. Sendo este tipo de programas dos que mais capta investimento direto estrangeiro, parece-me um bocadinho descabido nesta altura estar a reequacionar o programa.

Mas o programa não precisa de ser reavaliado?

Isso é outra coisa. Reavaliar o programa tem os seus méritos. Acho que o programa pode e deve evoluir. Aliás, já sugerimos várias vezes ao Governo que deveria evoluir no sentido de incluir, dentro do que é o cardápio de possibilidades de investimento – como o imobiliário, a reabilitação urbana ou a criação de postos de trabalho –, uma maior aposta, por exemplo, na certificação energética, no investimento em ciência e tecnologia ou no mercado de arrendamento.

Agora, reequacionar no sentido de acabar com o programa, não. O mercado já vive em grande instabilidade, fruto da macroeconomia e do contexto internacional. É mais uma machadada grave na captação de investimento estrangeiro para o nosso país.

Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores ImobiliáriosPaula Nunes/ECO

O Governo alega que o programa já cumpriu a sua missão. E uma das questões mais discutidas tem sido o mercado da habitação em Portugal.

Estamos a confundir temas. É um mito dizer-se que o programa dos vistos gold leva à escassez de habitação acessível. Estamos a falar de segmentos completamente diferentes. Por exemplo, o valor médio de um investimento golden visa ronda os 575 mil euros. Ora, se considerarmos o poder de compra médio dos portugueses, com recurso a crédito, o valor máximo, com uma taxa de esforço que andará nos 33%, deverá rondar os 355 mil euros. Portanto, estamos a querer comparar mercados imobiliários completamente diferentes. São segmentos completamente diferentes.

E quanto à pressão sobre o aumento dos preços das casas, sobretudo em Lisboa e no Porto?

Diz-se também que o programa tem aumentado os preços, mas do total de transações na Área Metropolitana de Lisboa por ano, as que estão ligadas aos vistos gold rondam os 2%. E na Área Metropolitana do Porto rondam os 0,9%. Ou seja, por cada 100 imóveis transacionados, apenas 3% foram dedicados à ARI [Autorização de Residência para Atividade de Investimento]. O vistos gold não têm nada a ver com o aumento dos preços das casas. São fatores completamente diferentes.

Por cada 100 imóveis transacionados, apenas 3% foram dedicados à ARI [Autorização de Residência para Atividade de Investimento].

É uma solução errada para o problema da habitação?

Temos um problema habitacional grave em Portugal, que temos de resolver, mas não é com o fim dos visto gold. Estamos a trabalhar do lado errado. Não podemos mexer na procura. A solução para a construção da habitação em Portugal é viabilizar mais oferta, tanto pública como privada, ter mais casas no mercado, mais acessíveis, a preços mais baixos. Esse é o caminho, não o de castrar a procura. Noutros países que tentaram fazer o mesmo – isto é, restringir a procura – isso deu mau resultado e os preços continuaram a subir.

Mas esta intenção do Governo surpreende o setor do imobiliário? Há vários anos que os partidos da esquerda, por vários motivos, criticam este programa dos vistos gold.

Foi uma completa surpresa. O mercado não estava nesta altura à espera de tal comunicação. Não percebemos sequer o motivo para uma declaração destas nesta altura. Temos trabalhado com o Governo para apresentar soluções para o mercado evoluir. Neste momento, uma declaração destas apenas vem trazer ruído, confusão, lançar o caos. Acima de tudo, traz instabilidade e prejudica a captação de investimento internacional, que nesta fase é fundamental para o país.

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