Editorial

Marcelo ‘executou’ a ministra da Coesão

Marcelo Rebelo de Sousa proferiu uma crítica pública a uma ministra quase sem paralelo nestes anos de presidência por causa do PRR. Mas errou no alvo. Terá sido um erro deliberado?

Verdadeiramente super-infeliz para si será o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que deve ser. Nesse caso eu não lhe perdoo. Não lhe perdoo. E há milhares de testemunhas daquilo que estou a dizer hoje. Eu espero que esse dia nunca chegue mas estarei atento para o caso de chegar“. A ameaça é de Marcelo Rebelo de Sousa, a partir de um púlpito numa cerimónia de inauguração dos paços do concelho da Trofa, dirigida a Ana Abrunhosa, a ministra da Coesão, sentada na primeira fila. A violência política desta afirmação, quase sem exemplo do Presidente da República (já lá vamos), mais parece a de um ‘paizinho’ que dá um ‘ralhete’ a uma filha à frente dos convidados que recebeu para o jantar.

O Presidente da República tem o dever de funcionar como contra-peso do Governo, especialmente quando se trata de um com apoio parlamentar de maioria absoluta, e mais ainda quando se trata do PS. Mas isso foi o que Marcelo não fez durante sete anos, com honrosas exceções. Foi Marcelo, por exemplo, a forçar a demissão de uma ministra, Constança Urbano de Sousa, com um discurso público que, revisitado, foi menos agressivo, e menos pessoal, do que este, dirigido a Ana Abrunhosa. Tentou depois o mesmo com Eduardo Cabrita, mas sem sucesso. Mas quantas vezes Marcelo promulgou diplomas do Governo e do PS que não deveriam ter passado, por exemplo as 35 horas na Função Pública. E alguém já o ouviu falar do caso Miguel Alves, o secretário de Estado Adjunto de Costa que é arguido em dois processos e antecipou 300 mil euros de dinheiros públicos a um empresário amigo quando era presidente da Câmara de Caminha?

Sim, Marcelo Rebelo de Sousa tem razões para criticar o Governo sobre a execução do investimento público, mas tem razões há sete anos, porque não há um único ano em que os governos de Costa acertem. Inscrevem um valor de investimento público e, ano após ano, usam esta despesa para ajustar o défice público. Este ano de 2022, por exemplo, o investimento público será cerca de mil milhões de euros inferiores ao orçamentado. Coisa pouca, portanto, com impacto nas perspetivas de crescimento económico. É que as previsões do Governo para 2023 estão mais do que nunca dependentes do investimento e se a história dos últimos anos se repetir…

A execução do PRR, a bazuca europeia, é particularmente preocupante. Apenas 6% do total, e o tempo urge, de um total superior a 16 mil milhões de euros. O ano de 2021 foi de arranque, o pobre investimento de 2022 não tem desculpa. Especialmente quando se analise o que já foi pago ao setor privado, às empresas.

Marcelo Rebelo de Sousa deveria ter a coragem política de dizer o que disse a Ana Abrunhosa à titular do PRR, Mariana Vieira da Silva, a número dois do Governo. Ou ao próprio António Costa. Preferiu humilhar uma ministra politicamente frágil que não depende de si para manter-se em funções, mas do primeiro-ministro.

Marcelo quis dizer ao país que, por si, Ana Abrunhosa teria sido demitida do Governo, depois de uma empresa do seu marido ter recebido fundos comunitários. Se foi esta a razão que o levou a criticar Ana Abrunhosa, e só esta parece ter algum sentido, deveria tê-lo feito no tempo devido e não aproveitar uma desculpa — a execução do PRR — para forçar a sua saída.

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