Trajetória de redução da dívida não deve ser feita à custa do investimento, diz Breton
Thierry Breton exorta países a reduzir dívida enquanto apostam em defesa e ambiente. Comissário europeu defende também a criação de um instrumento financeiro temporário como na pandemia.
O comissário europeu do Mercado Interno, Thierry Breton, defende que a redução da dívida “não deve ser feita à custa de investimentos”, exortando os Estados-membros da União Europeia (UE) a esforços de diminuição, enquanto apostam em defesa e ambiente.
“Nesta discussão, teremos de assegurar que a trajetória de redução da dívida não se faça à custa do investimento e da resiliência”, declara Thierry Breton, em entrevista a meios europeus, incluindo a agência Lusa, em Bruxelas.
Um dia antes de a Comissão Europeia apresentar diretrizes para revisão das regras orçamentais da UE, o responsável vinca que “cada país começa com um nível [de investimento e de dívida] diferente, pelo que tudo terá de ser tido em consideração, mas todos, claro, têm de reduzir a divida pública”.
“A ideia seria analisar uma trajetória, uma velocidade média aceitável para [cada país] diminuir a dívida, também tendo em consideração o impacto dos investimentos” realizados em áreas como a segurança, a defesa, a transição energética e a luta contra as alterações climáticas, elenca Thierry Breton.
Para o responsável, é necessário “um ponto de partida que tenha em consideração tudo o que foi feito” de investimentos nestas áreas, que a seu ver poderia beneficiar os Estados-membros que mais têm vindo a apostar nestas áreas prioritárias para a UE.
Embora rejeitando diferenciar os países como “bons ou maus estudantes”, Thierry Breton admite que, “para alguns, será mais fácil porque têm mais espaço orçamental e maior margem de manobra” para reduzir a dívida pública. Ainda assim, insta todos os Estados-membros “a fazerem esforços” para o cumprimento das regras orçamentais, já que “a governação económica não significa abandonar a necessidade absoluta de moderar as despesas”.
“Estamos a todos viver na mesma casa, que é a UE, e todos provavelmente têm de limpar um pouco a casa em frente da sua porta porque, no fim de contas, é do nosso interesse comum” fazer o “trabalho necessário para reduzir a dívida e restaurar a convergência entre os Estados-membros”, adianta Thierry Breton, nesta entrevista à Lusa e outros meios europeus.
A Comissão Europeia apresenta, esta quarta-feira, diretrizes sobre o futuro da governação económica da UE, esperando-se regras orçamentais que prevejam investimentos, mas com regresso às apertadas metas de redução das dívidas públicas, elevadas devido à pandemia.
Por esta altura, as dívidas públicas estão acima do normalmente permitido pelas regras de Bruxelas devido ao impacto das medidas orçamentais de apoio para colmatar as consequências económicas da covid-19, acrescendo, mais recentemente, o peso de programas públicos para enfrentar a crise energética acentuada pela guerra da Ucrânia.
As regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) exigem que a dívida pública dos Estados-membros não supere os 60% do PIB e impõem um défice abaixo da fasquia dos 3%, mas, no contexto da pandemia, a cláusula de escape foi ativada em março de 2020 para permitir aos Estados-membros reagir à crise da covid-19, suspendendo temporariamente tais requisitos. Em maio deste ano, o executivo comunitário considerou que o novo contexto, de tensões geopolíticas e perturbações nos mercados pela guerra da Ucrânia, justificava a manutenção da suspensão temporária das regras do PEC por mais um ano, até final de 2023.
Comissário europeu quer instrumento financeiro temporário como na Covid-19
O comissário europeu do Mercado Interno pede a criação de um instrumento financeiro temporário, com empréstimos em condições favoráveis, para os países da União Europeia (UE) apoiarem famílias e empresas devido à crise energética, como existia na covid-19.
“Recebemos um mandato do Conselho Europeu para mobilização de instrumentos pertinentes para proteger as famílias e as empresas, em especial os mais vulneráveis, e, por isso, estamos a trabalhar agora para a criação desse instrumento”, afirma Thierry Breton, em entrevista à agência Lusa e outros meios europeus, em Bruxelas.
Para o responsável, este poderia ser “uma espécie de SURE 2.0”, numa alusão ao mecanismo europeu temporário, baseado em empréstimos em condições favoráveis, que foi adotado durante a pandemia, modelo que a seu ver poderia ser novamente usado para os países da UE apoiarem famílias e empresas devido à crise energética, acentuada pela guerra da Ucrânia.
Tal instrumento financeiro temporário funcionaria para “assegurar um certo nível” de condições de mercado e também “evitar discrepâncias entre os Estados-membros”, sendo um “bom incentivo político”, justifica Thierry Breton.
Questionado sobre o porquê de se avançar com um instrumento financeiro temporário em vez de um novo fundo europeu, o comissário europeu aponta que, para esse mecanismo provisório, se “poderia avançar já, no imediato”, enquanto um pacote com verbas comunitárias “demoraria um ano em média”.
“A ideia seria agir rapidamente e creio que precisamos mesmo de agir rapidamente porque é agora que as empresas estão a tomar decisões e não daqui a seis meses”, nomeadamente sobre eventuais saídas de empresas da UE para os Estados Unidos, aponta Thierry Breton.
Admitindo estar “muito preocupado” com esses cenários de deslocalizações, o responsável realça que “há mais impactos em setores específicos” pressionados pelos custos energéticos, como o do alumínio e o das empresas químicas, pelo que tais saídas “iriam criar um enorme problema em termos de competitividade e produtividade” no bloco comunitário.
Anunciado em abril de 2020 devido à pandemia, este instrumento financeiro temporário SURE estipulou um total de 100 mil milhões de euros para os 27 Estados-membros apoiarem as empresas e os trabalhadores por conta própria a manterem os empregos e os rendimentos, funcionando como um esquema de desemprego temporário (através da redução do horário laboral) para, assim, salvaguardar os postos de trabalho.
Dados de Bruxelas revelam que a UE concedeu 91,8 mil milhões de euros aos países em empréstimos ‘back-to-back’, financiamento que permitiu à Comissão Europeia emitir obrigações e transferir as receitas diretamente para o país beneficiário nas mesmas condições que recebeu (em termos de taxa de juro e maturidade).
Dezanove Estados-membros da UE pediram para beneficiar do regime e, em 2020, este instrumento de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência permitiu apoiar 31,5 milhões de pessoas e 2,5 milhões de empresas. Já em 2021, o SURE possibilitou a manutenção de postos de trabalho de mais de nove milhões de pessoas e 800 mil empresas.
O instrumento SURE foi criado para proteger os empregos, como parte da resposta da UE à crise da covid-19 e, para o financiar, a Comissão Europeia disponibilizou-se a emitir até 100 mil milhões de euros de obrigações sociais, transformando o executivo comunitário — em nome da UE — no maior emissor de obrigações sociais do mundo.
A posição de Thierry Breton surge depois de terem surgido críticas na UE à nova ‘bazuca’ da Alemanha, um pacote 200 mil milhões de euros em ajudas às famílias e empresas alemãs para lidarem com os elevados preços da energia, por se tratar de um apoio avultado que coloca os restantes países em desvantagem, nomeadamente os com economias mais vulneráveis. Face a tal medida, alguns responsáveis europeus vieram defender um instrumento europeu como o SURE.
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