Acordo com Fidelidade ocorreu em contexto de pressão do regulador, diz ex-diretor da Tranquilidade
O ex-diretor da Tranquilidade testemunhou no Tribunal da Concorrência que o acordo da seguradora com a Fidelidade ocorreu devido a pressão regulamentar para assegurar solvência.
O ex-responsável pelos grandes clientes da Tranquilidade disse hoje ao Tribunal da Concorrência que o acordo desta seguradora com a Fidelidade para repartição de clientes aconteceu em 2016/2017 devido à pressão do regulador para garantir a solvabilidade das companhias.
Sérgio Teodoro está a depor hoje no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, no âmbito dos recursos apresentados pela Lusitânia, pela Zurich e por quatro responsáveis destas empresas às coimas que lhes foram aplicadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) em 2019, num valor global superior a 42 milhões de euros.
O ex-diretor da Tranquilidade, atualmente a trabalhar na Fidelidade, está a depor enquanto testemunha, já que viu o seu processo ser arquivado no âmbito do pedido de clemência apresentado pela Tranquilidade (atual Seguradoras Unidas) em maio de 2017, o qual deu origem à investigação da AdC que culminou com o perdão da coima aplicada a esta companhia e a redução das aplicadas à Fidelidade e à Multicare, que, por adesão ao pedido de clemência, pagaram no total cerca de 12 milhões de euros.
Sérgio Teodoro disse ao TCRS que, no final de 2014, iniciou contactos informais para troca de informação, “alguma confidencial”, com responsáveis pelos grandes clientes de seguradoras concorrentes, tendo havido um entendimento entre as administrações da Tranquilidade e da Fidelidade em 2016 para garantir que não seria apresentado um valor abaixo daquele que estava a ser proposto a um determinado cliente.
Segundo afirmou, este acordo entre as duas maiores seguradoras portuguesas surgiu para garantir que as companhias conseguiam recuperar o prejuízo gerado por “clientes muito maus”, grandes empresas que apresentavam elevados índices de sinistralidade, gerando prejuízo, num momento em que se sentia “pressão” da parte da Autoridade de Supervisão de Seguros (ASF) para ser assegurada a solvabilidade das seguradoras.
Em causa estavam empresas com massa salarial acima dos cinco milhões de euros, com mais de 150 viaturas ou mais de 150 trabalhadores, sendo que, afirmou, algumas destas empresas apresentavam taxas de sinistralidade que implicavam indemnizações superiores ao valor dos prémios cobrados.
Em causa no processo está o acordo entre seguradoras nos ramos não-vida, nomeadamente, em acidentes de trabalho, automóvel e saúde, para apresentação de prémios mais altos do que os que eram propostos pela companhia que já detinha o seguro do cliente.
Sérgio Teodoro afirmou que a expectativa era, com o aumento proposto, conseguir recuperar o prejuízo, o que, disse, “não se conseguia num ano”.
“O que se pretendia não era aumentar o lucro. Era deixar de ter prejuízo”, declarou.
O antigo diretor de grandes clientes da Tranquilidade explicou os contactos com os concorrentes com a necessidade de verificar a veracidade da informação fornecida pelos corretores que consultavam o mercado procurando os melhores valores para os seus clientes, já que estes “muitas vezes davam informação distorcida”, nomeadamente quanto ao número de sinistros.
Afirmando que “alguns negócios eram muito maus” e que “iam ao mercado porque ninguém os queria”, disse que, quando recebiam uma proposta, se contactavam mutuamente para saber qual o valor real de sinistralidade e o aumento proposto, de forma a assegurar que a empresa se mantinha na carteira de clientes da seguradora.
Sérgio Teodoro afirmou que os contactos com a Lusitânia e a Zurich foram feitos de forma “muito irregular” e que o que ficou conhecido como os “almoços dos quatro” (Tranquilidade, Fidelidade, Lusitânia e Zurich) se resumia a discutir “o que se passava no mercado” e não os negócios.
Segundo afirmou, os contactos para troca de informação ocorriam sobretudo por telefone, muitas vezes com recurso ao pessoal porque procuravam “disfarçar o melhor possível”.
O atual diretor de grandes clientes da Fidelidade afirmou que a sua saída da Tranquilidade, em 2018, foi “negociada” e que ocorreu porque foi nessa altura que a administração lhe comunicou que devia abandonar as funções que exercia.
A audiência de hoje, que começou aberta, prossegue com escusa de publicidade a pedido do advogado de Sérgio Teodoro, que alegou a confidencialidade dos pedidos de clemência.
O julgamento dos recursos apresentados pela Lusitânia (coima de 20,5 milhões de euros), dois dos seus administradores e um diretor (com coimas entre os 6.100 e os 24.100 euros), pela Zurique (21,5 milhões de euros) e por um diretor (7.800 euros) iniciou-se na passada sexta-feira.
A AdC concluiu que o acordo celebrado entre as companhias para repartição de grandes clientes empresariais (cartel) de alguns sub-ramos de seguro não-vida, mediante a manipulação dos preços a constar das propostas que lhes eram apresentadas, foi restritivo da concorrência, tendo as visadas agido com dolo.
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