“Existirão empregos para os portugueses virem para Macau?”, questiona único deputado luso no território
Em causa está a crise e saída de profissionais portugueses, substituídos por quadros locais ou do interior da China. José Pereira Coutinho prevê ainda que Macau perca maioria eleita democraticamente.
O deputado do parlamento de Macau, José Pereira Coutinho, tem dúvidas sobre se vão continuar a existir oportunidades de emprego no território para os portugueses, tal como acontecia no passado. “Nada foi alterado quanto à política dos portugueses virem para cá trabalhar”, sublinhou. Mas “será que existirão empregos para os portugueses virem para Macau?”, perguntou, para concluir: “Essa é que é a grande dúvida”.
Em causa está a crise económica, desencadeada pelas restrições pandémicas num território que segue a política de casos zero de Pequim, mas também a saída de quadros qualificados portugueses, que não são substituídos por outros vindos de Portugal, mas por quadros locais ou do interior da China, salientou, em entrevista à agência Lusa.
“Preocupa-me a vinda de, por exemplo, mais médicos especialistas, mais juristas, mais delegados do MP [Ministério Público], mais juízes para Macau”, explicou. “Quando verifico no Boletim Oficial a saída de um ou outro desses senhores que estão a contribuir com a sua área pessoal de especialidade nessas vertentes, e não são substituídos, aí dói-me, porque, de facto, é menos um, mais uma perda”, lamentou.
Ainda assim, o ex-conselheiro das comunidades portuguesas e único deputado português da Assembleia Legislativa destacou o “excelente trabalho” do “Governo de Portugal, nomeadamente do cônsul-geral” nesta área, “a dizer que Portugal tem quadros qualificados para dar esses contributos”.
Preocupa-me a vinda de, por exemplo, mais médicos especialistas, mais juristas, mais delegados do Ministério Público, mais juízes para Macau.
Vê com bons olhos os protocolos de cooperação firmados entre Portugal e Macau ao nível da educação, sobretudo ao nível do ensino superior, mas permanece a “preocupação quando nos departamentos de estudos portugueses não são preenchidas as vagas com professores portugueses” no território, que tem registado uma subida da taxa de desemprego, com muitos deputados, associações e as autoridades a defenderem uma política prioritária de contratação local.
Pereira Coutinho sustentou que, por esta razão, “é preciso fazer algum trabalho de bastidores” e que “esse trabalho compete às autoridades (…) de Portugal, delegados, cônsul-geral, e também os conselheiros da comunidade portuguesa, que estão a fazer um excelente trabalho”.
O deputado disse estar convencido de que as regras pandémicas não vão durar eternamente e que esse não será, por isso, o facto que vai determinar o abandono do território no futuro. “[Mas] vejo de uma outra perspetiva: é se as oportunidades de emprego continuarão a existir como no passado. Aí sim, preocupa-me bastante, quando não substituem as pessoas nas áreas que acabei de referir”, enfatizou.
“Quando sai um português é evidente que não têm aquele cuidado de substituir por um outro português, para marcar a diferença”. Uma realidade que tem o risco de tornar Macau como mais uma cidade do interior da China, alertou, sem que se acautele o estatuto diferenciador da multiculturalidade.
“Esse património humano tem de ser mantido e aí estamos, de facto, a ficar de alguma forma preocupados porque não sei se é desleixo ou também porque há grande procura para preencher as vagas na função pública. Em Macau toda a gente quer trabalhar na função publica. E agora ainda muito mais, porque as receitas dos casinos estão a diminuir”, argumentou.
Apesar de estar convicto numa mudança a breve prazo das restrições pandémicas e numa eliminação das quarentenas obrigatórias nos hotéis, que tem defendido no parlamento, o deputado admitiu que a política de prevenção tem contribuído para algum mal-estar na comunidade. “Existem tantos portugueses que não estão a ver os pais há anos. Três anos e tal. Têm pais idosos. [Com] 80, 90 anos de idade. Têm filhos nas universidades europeias com os quais não têm contactos pessoais”, realçou.
“Tudo isto somado, faz com que algumas pessoas sintam efeitos psicológicos, sobretudo aquelas que olham para a televisão e veem o mundo inteiro a voltar à normalidade”, resumiu, para de seguida expressar um lamento. “É pena que esta pandemia não tenha facilitado a saída das nossas autoridades competentes nas diversas áreas. Não têm ido para o estrangeiro, espero que saiam, vejam o mundial [de futebol]. Ninguém com máscara e nós andamos ainda com máscaras na rua”.
Desde o início da pandemia de Covid-19, Macau registou seis mortos e pouco mais de 2.800 casos, a grande maioria assintomáticos. À semelhança do que acontece na China continental, as autoridades apostam numa política de zero casos, baseada na imposição de quarentenas à chegada ao território, na testagem massiva da população e em confinamentos.
Será difícil Macau ter maioria dos deputados eleitos democraticamente
O único deputado português na Assembleia Legislativa (AL) de Macau, José Pereira Coutinho, diz, por outro lado, que será difícil no futuro ter uma maioria dos parlamentares eleitos democraticamente na região administrativa especial chinesa. “Antes do estabelecimento da RAEM [Região Administrativa Especial de Macau] foi uma pena não ter sido alterado, de forma a que a maioria dos deputados na Assembleia Legislativa (…) sejam eleitos pela via direta”, sustentou.
“Não foi assim no passado na administração portuguesa, não foi assim após o estabelecimento da RAEM e até à presente data, e não vai ser fácil no futuro termos uma Assembleia Legislativa [com deputados] maioritariamente eleitos pelo voto democrático”, afirmou o parlamentar, que nas eleições do ano passado conseguiu tornar a sua lista na terceira força política na AL, numas eleições marcadas pela exclusão dos candidatos associados ao campo pró-democracia.
A Assembleia Legislativa é constituída por 33 deputados, 14 dos quais eleitos diretamente pela população, 12 por sufrágio indireto (através das associações) e sete nomeados pelo chefe do Executivo do antigo território administrado por Portugal.
Por outro lado, Pereira Coutinho lamentou que até hoje não exista “um regime específico de [declaração] de conflito de interesses”. “É um regime [em] que tenho estado a trabalhar nos últimos 20 anos em Macau para que as coisas sejam mais transparentes, para que saibamos quem é quem cá em Macau, o que está por trás, quais são as suas responsabilidades, quais são as suas empresas, que funções exercem em determinadas associações”, explicou.
Macau foi sempre, no passado, no tempo da administração portuguesa, uma teia de interesses, de conflito de interesses no seu dia-a-dia. Porque é que as pessoas querem ser deputadas? Porque de facto facilita a vida do empresário, da sua atividade comercial.
O deputado afirmou que “há deputados que nem habilitações académicas e profissionais põem no seu perfil individual da Assembleia Legislativa”. E insistiu na crítica: “Macau foi sempre, no passado, no tempo da administração portuguesa, uma teia de interesses, de conflito de interesses no seu dia-a-dia. Porque é que as pessoas querem ser deputadas? Porque de facto facilita a vida do empresário, da sua atividade comercial, e isto foi sempre assim no passado, no tempo da administração portuguesa, e continua a ser agora”.
Afetada pela crise económica causada pela pandemia de covid-19, Pereira Coutinho garantiu que a população está atenta ao dinheiro desperdiçado pelos responsáveis políticos em projetos megalómanos, nos “elefantes brancos” que têm impacto no erário público, sobretudo quando a sociedade sente cada vez mais na pele o desemprego, sobretudo o juvenil, num território em que a população está a envelhecer, em que há falta de contribuições sociais, em que as receitas do jogo não são suficientes para cobrir as despesas e em que as reservas financeiras estão a diminuir.
Ainda que as pessoas vivam naquela que “continua a ser a cidade mais segura do mundo”, hoje há cada vez mais uma grande pressão psicológica”, num território em que a questão da habitação foi sempre um grande problema, mas que foi agora substituído por um “muito mais grave”. Ou seja, precisou, o desemprego, que trouxe ainda ‘à boleia’ outras adversidades, umas mais locais, outras potenciadas pelo cenário de crise mundial, como “a inflação, a subida dos preços e dos bens essenciais, a perda da qualidade de vida e do poder de compra”.
“E isto tem afetado tanto que está-se a repercutir na sociedade com o número de suicídios, no aumento de pessoas a pedir os cestos de comida”, argumentou, ressalvando que o aumento em Macau no número de suicídios durante o período pandémico tem “várias causas”.
“Nós sabemos que muitas dessas causas têm a ver com altercações familiares, as reduzidas dimensões das habitações, o trabalho parcial, as dificuldades de pagar as amortizações, as rendas e os sustentos dos filhos”, elencou, sustentando que “há uma série de problemas que advêm das regras pandémicas extremamente rigorosas e que têm feito com que as pessoas (…) não tenham receitas suficientes para ultrapassar as dificuldades”.
Pereira Coutinho defendeu que resta “ter esperança que as regras pandémicas sejam eliminadas, que a vida normalize” e que “haja mais turistas, que se crie mais riqueza através das pequenas e médias empresas” e que “Macau seja cada vez menos dependente (…) do jogo, de acordo com aquilo que está planeado pelo Governo nos próximos dez anos, e que não vai ser fácil”, admitiu.
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