DeSantis vs Trump. Quem vencerá o braço de ferro pelo futuro do trumpismo?

  • Joana Abrantes Gomes
  • 4 Dezembro 2022

Embora a sua popularidade esteja em queda, Trump continua popular nas bases do Partido Republicano. DeSantis, reeleito governador da Florida a 8 de novembro, pode vir a desafiar o ex-Presidente.

Ron DeSantis, à esquerda, e Donald Trump, à direita. Imagem ilustrativa

“Ron DeSanctimonious.” Foi com este trocadilho, que junta o apelido DeSantis à palavra sanctimonious (“hipócrita”, em português), que o ex-Presidente dos EUA, Donald Trump, se referiu a Ron DeSantis, governador da Florida, reeleito por larga maioria para um segundo mandato nas intercalares de 8 de novembro.

Além de sinalizar a crescente popularidade do político republicano de 44 anos, ao usar esta expressão, Trump parece reconhecer que vê em Ron DeSantis uma ameaça à corrida para as eleições de 2024.

Dias antes de anunciar a sua recandidatura, Trump chegou a avisar DeSantis contra uma potencial candidatura para a nomeação do Partido Republicano às próximas Presidenciais. “Eu diria coisas sobre ele que não são lisonjeiras. Sei mais sobre ele do que qualquer outra pessoa – à exceção, talvez, da sua mulher”, disse Trump numa entrevista à Fox News no dia das eleições.

Embora o GOP (Grand Old Party, como também é conhecido o Partido Republicano) tenha falhado a tão falada “onda vermelha” (cor do partido) no Congresso nas eleições intercalares, Ron DeSantis protagonizou uma das maiores vitórias nessa noite, ao derrotar o candidato democrata Charlie Crist com 59,4% dos votos contra 40% — uma margem de cerca de 1,5 milhões de votos, quando há quatro anos garantiu o cargo de governador da Florida por escassos 32.400 votos, aproximadamente.

Para alcançar a reeleição, DeSantis pintou de vermelho condados tradicionalmente democratas — incluindo Miami-Dade, o mais populoso da Florida, onde um republicano não ganhava uma eleição há duas décadas — e aumentou a sua percentagem de votação entre o eleitorado feminino, jovem, independente e hispânico. Isto depois de um primeiro mandato marcado, sobretudo, pelo levantamento de restrições enquanto os EUA ainda se debatiam com números elevados de casos de Covid-19 e pela proibição, em março deste ano, de ensinar sobre orientação sexual ou identidade de género até ao terceiro ano nas escolas públicas — lei que chegou a ser apelidada por ativistas da comunidade LGBT+ de “Don’t Say Gay” (em português, “Não diga gay”).

“Abraçámos a liberdade, mantivemos a lei e ordem, protegemos os direitos dos pais, respeitámos os nossos contribuintes e rejeitámos a ideologia woke” (termo que caracteriza as pessoas que dão especial atenção a questões de discriminação e usada de forma pejorativa pelos críticos), afirmou, no discurso após a reeleição como governador. “Escolhemos factos em vez de medo, escolhemos educação em vez de doutrinação, escolhemos lei e ordem em vez de tumultos e desordem. A Florida foi um refúgio de sanidade quando o mundo enlouqueceu”, declarou ainda DeSantis.

Analistas políticos e membros do Partido Republicano veem a vitória esmagadora do governador da Florida na noite de 8 de novembro como uma pedra no caminho para Donald Trump, que, uma semana depois, no dia 15, anunciou oficialmente a sua recandidatura à Casa Branca. O resultado nas urnas veio reforçar a convicção de muitos que já identificavam em DeSantis um potencial candidato a Presidente dos Estados Unidos e até os seus apoiantes parecem encarar esta hipótese com bons olhos, ao ecoarem “mais dois anos” após a sua reeleição, o que a imprensa norte-americana vê como expressão de apoio à possibilidade da sua saída antecipada de governador para concorrer à Presidência.

Dadas as semelhanças às marcas de discurso de Donald Trump, o governador da Florida chega a ser encarado por muitos conservadores como um representante do trumpismo, um “Trump 2.0”, só que mais novo e sem os problemas legais que o ex-inquilino da Casa Branca enfrenta atualmente, especialmente desde a invasão ao Capitólio a 6 de janeiro de 2021.

Sarah Longwell, estrategista política republicana que conduz entrevistas de focus group com eleitores de Trump, disse à BBC que DeSantis é “de longe o primeiro nome que aparece” quando os participantes são questionados sobre quem gostariam de ter como candidato republicano caso Trump não esteja a concorrer. Ainda que acredite que DeSantis esteja “a posicionar-se” para ser oponente de Trump, “não é claro” que ele possa ganhar a indicação dentro do partido.

Certo é que Ron DeSantis está a ser cauteloso sobre se irá realmente entrar na corrida para as eleições de 2024, recusando dizer se vai ou não ser candidato. Um artigo do The New York Times revela que, quando era professor de História numa escola na Georgia, chegou a dizer aos seus alunos que talvez um dia chegasse a Presidente. Contudo, mesmo republicanos que desejam a derrota de Trump, por considerarem que o partido tem de seguir em frente após o resultado das intercalares, duvidam da eventual candidatura de DeSantis, a começar pelo facto de nunca ter concorrido a nível nacional, como lembra o The Hill.

De Yale à Câmara dos Representantes e governador

A carreira política de Ron DeSantis teve início em 2012, quando foi eleito para a Câmara dos Representantes, onde atuou como membro até 2018. Antes, o republicano natural de Jacksonville, na Florida, estudou História na Universidade de Yale e, posteriormente, Direito em Harvard. Durante os estudos, chegou a desempenhar funções jurídicas na Marinha dos EUA, tendo sido destacado para o Iraque como consultor dos Navy Seals.

A eleição para governador da Florida teve lugar nas intercalares de 2018, altura em que Trump ainda liderava a Administração norte-americana, e, curiosamente, com o apoio do então Presidente. Há dias, já depois de conhecida a reeleição de DeSantis, Trump afirmou que este o procurou “de forma desesperada” quando concorreu ao seu primeiro mandato. “Ron tinha uma baixa aprovação, sondagens desfavoráveis e pouco dinheiro, mas disse que se eu o apoiasse, poderia vencer”, afirmou Trump, acrescentando que consertou a campanha de DeSantis, “que se tinha desmoronado completamente”.

“Ron DeSanctimonious está a jogar!”, acusou o ex-presidente norte-americano. “As fake news perguntam-lhe se ele vai concorrer se o Presidente Trump concorrer, e ele responde: ‘Estou apenas focado na corrida de governador, não estou a olhar para o futuro’. Bem, em termos de lealdade e classe, essa não é a resposta certa”, disse.

Recuando a 2018, durante a sua campanha ao cargo de governador, Ron DeSantis lançou um anúncio em que surge estampado o famoso slogan usado por Donald Trump — “Tornar a América grande outra vez” —, e no qual aparece também a ler ao filho Mason: “Então, o Sr. Trump disse ‘estás despedido’ — Adoro essa parte”, admite DeSantis, em referência ao popular programa de televisão “O Aprendiz”, apresentado pelo antigo Presidente republicano.

Ainda nesse vídeo, DeSantis encoraja uma das filhas a “construir o muro” enquanto a criança brincava com blocos, o que remete para o muro que Trump queria construir ao longo da fronteira dos EUA com o México. Precisamente esta postura dura contra a imigração, comum entre ambos, foi visível há semanas quando DeSantis enviou cerca de 50 migrantes de avião para a ilha de Martha’s Vineyard, em voos pagos pelo Governo estatal. E, no início deste ano, fez aprovar um orçamento de 12 milhões de dólares para deslocar pessoas da Florida para outro local.

O direito ao aborto é outro tema em que está lado a lado com Trump. Quando o Supremo Tribunal dos EUA revogou a proteção do direito ao aborto que vigorava no país desde 1973, DeSantis disse que “as orações de milhões” tinham sido atendidas. Desde então, tem falado menos sobre o assunto, havendo quem especule que se trata de um cálculo político destinado a equilibrar a pressão de elementos conservadores no Partido Republicano com as opiniões dos eleitores da Florida, a maioria dos quais é a favor do direito ao aborto.

No caso dos imigrantes, “foi novamente ele próprio a inserir-se de forma muito proativa numa guerra cultural”, avaliou o antigo porta-voz do comité republicano nacional Doug Heye, em declarações à BBC. Longwell, por sua vez, considera que os choques de DeSantis com a imprensa sobre as suas políticas mais controversas podem ser o que o está a conduzir ao estrelato político. “A imprensa acha-o terrível, e ele adora isso“, nota.

Segundo a estrategista republicana, “é outra coisa que ele (DeSantis) aprendeu com Trump”. “Se enfurecer os media, falam muito sobre ele e isso ajuda a divulgar o seu nome e beneficia-o junto de fãs e partidários”, aponta. Mas Doug Heye vai mais longe: DeSantis “envolve-se em táticas de Trump, mas há objetivos políticos em mente por detrás delas”.

Uma sondagem da Emerson College divulgada em 22 de novembro indica que Donald Trump derrotaria o governador da Florida por uma larga margem numas hipotéticas primárias Presidenciais do Partido Republicano para 2024: o antigo presidente recebeu 55% do apoio dos eleitores inscritos, enquanto DeSantis, o seu potencial rival para a nomeação da Casa Branca, teve apenas 25%.

“O que os eleitores vão procurar daqui a um ou dois anos é muito imprevisível”, disse Alex Conant, antigo diretor de comunicação para as campanhas Presidenciais do republicano Marco Rubio, citado pelo The Washington Post. Mas, como afirma David Frum, que redigiu discursos para o ex-presidente George W. Bush, num artigo publicado na revista The Atlantic um dia depois da vitória de DeSantis, “se o governador da Florida alguma vez pretender tirar o controlo do Partido Republicano a Trump, agora é o seu momento”, com a derrota da larga maioria dos candidatos apoiados pelo Presidente incumbente nas intercalares de 8 de novembro.

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