A bastonária, que por acaso é mulher, foi a mais votada de sempre
A advocacia esteve durante vários anos restringida às mulheres e só em 1918 é que viram assegurado o seu direito de acesso à profissão. Até hoje, foram eleitas apenas três bastonárias.
A Ordem dos Advogados (OA) — no dia 15 de dezembro — fez história ao eleger a terceira mulher como bastonária dos cerca de 35 mil advogados inscritos no nosso país. Foram precisos quase dez anos para a classe (por si só, muito conservadora) voltar a eleger no feminino. Elina Fraga venceu em 2013 e, décadas antes, em 1990, foi Maria de Jesus Serra Lopes a primeira mulher líder dos advogados, para um cargo que existe desde 1927.
Esta eleição teve um elemento de surpresa ainda maior porque, quando em Julho deste ano Fernanda de Almeida Pinheiro anunciou a sua candidatura, nada fazia prever que esta advogada, que liderou o movimento a favor do referendo relativo à CPAS, conseguiria uma vitória. Mas logo a advogada mostrou — nos debates que se multiplicaram que nem cogumelos ao longo do mês de outubro e novembro — que tinha a lição bem estudada e, na entrevista à CNN Portugal, no dia 12 de dezembro, revelou uma assertividade e o à vontade perante as câmaras (em contraposição ao seu opositor Paulo Pimenta) que fazia prever que a vitória poderia mesmo acontecer. Porque as vitórias nem sempre são conseguidas pelos programas ou medidas que são apresentadas pelos candidatos mas, obviamente, pelo que os candidatos são capazes de transmitir e pela empatia que conquistam.
Nos bastidores foi muitas vezes criticada por ser uma candidatura com inclinação para a esquerda bloquista (apesar de nunca ter sido filiada em qualquer partido político) e…pasme-se, pela forma como se apresentava perante os seus colegas: com roupas coloridas e lenços que já são a sua imagem de marca. E este é um dos pontos que é conveniente realçar: nunca antes me recordo de que a cor da gravata, do blazer ou do colete de um candidato no masculino tenha sido elemento digno de comentários depreciativos num ambiente pré-eleitoral que, regra geral, não prima pelo nível intelectual e de cidadania que um cargo a bastonário requer.
Mas a referência ao género da candidata — que tomará posse a 9 de janeiro — não pode ser o argumento que esgote a apologia da sua vitória.
Vamos a factos e números: Fernanda de Almeida Pinheiro foi o/a candidato/a a conseguir agregar mais votos na história da Ordem dos Advogados de sempre, com 10.539 votos (59,26% do total dos eleitores). Peguemos nos bastonários mais recentes para fazer a prova dos 9: Rogério Alves conseguiu 5849 votos, em 2004, Marinho e Pinto ganhou com 7.033 votos, em 2007 e com 9721 votos, em 2010, Guilherme de Figueiredo com 9862 votos, em 2016, Elina Fraga com 6.175 votos, em 2013 (numa eleição que foi a mais votada de sempre) e Luís Menezes Leitão com 8762, em 2019.
Uma eleição que ainda mais surge num contexto em que o panorama da advocacia portuguesa está a mudar a olhos vistos. Se por um lado o número de advogados inscritos na Ordem dos Advogados (OA) nunca foi tão elevado como em 2021, por outro nunca existiram tantas mulheres a exercer esta profissão. No ano de 2006 que pela primeira vez exerceram advocacia mais mulheres do que homens. Nesse ano contabilizaram-se 12.996 advogadas face aos 12.720 profissionais do sexo masculino.
Desde então que o sexo feminino tem dominado a classe, com exceção do ano de 2008. Atualmente, dos 33.937 advogados, 18.802 são mulheres (cerca de 56%) e 15.135 são homens. Recorde-se que a advocacia esteve durante vários anos restringida às mulheres e só em 1918 é que viram assegurado o seu direito de acesso à profissão.
Apesar destes dados quantitativos demonstrarem um progressivo domínio da mulher na advocacia, nem sempre os números são traduzidos de forma igualitária na progressão de carreira, no equilíbrio entre género nos cargos de topo e na conciliação da vida profissional com a pessoal.
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