Hidrogénio Verde: Como, Quando, e a que Custo?

  • Ricardo Nunes
  • 9 Janeiro 2023

Citando São Francisco de Assis: “Se começarmos por fazer o que é necessário, depois o que é possível, de repente estaremos a fazer o impossível”.

Nos últimos anos, os diferentes países, despertados primeiro pela urgência climática (com alguma ideologia à mistura, é certo) e, mais recentemente, pela necessária independência energética e segurança de abastecimento, têm-se empenhado no desenvolvimento do hidrogénio verde.

Recordo que desde há várias décadas que diversas empresas do setor industrial produzem e utilizam hidrogénio nos seus processos produtivos. Tem sido utilizado, por exemplo, na indústria química para produção de amónia, que é essencial para a produção de fertilizantes.

Quando é produzido a partir de combustíveis fósseis, por via do steam reforming, é designado de hidrogénio cinzento. Quando é produzido a partir do gás natural, com a captura e armazenamento do CO2 do processo, designa-se de hidrogénio azul.

De acordo com dados da Agência Internacional de Energia, o hidrogénio cinzento representava geralmente um custo de produção na ordem dos 1,50€/kg e o hidrogénio azul de aproximadamente 2,50€/kg, sendo atualmente muito variável em função do preço do gás natural.

O elemento diferenciador do hidrogénio verde face ao azul e ao cinzento reside na fonte de energia utilizada para a sua produção, cuja proveniência é de fontes renováveis, como a solar, a eólica ou a hídrica, e na utilização da água como fonte do combustível.

O hidrogénio verde, além das vantagens de sustentabilidade ambiental e independência energética, apresenta a possibilidade de ser transportado por longas distâncias, de ser armazenado e de se revelar o substituto mais imediato do gás natural, pelo menos em parte da sua utilização.

E quanto custa afinal produzir hidrogénio verde?

Das várias tecnologias de produção de hidrogénio, a eletrólise [da água] tem sido a que tem despertado maior interesse. É um processo que utiliza energia elétrica, permitindo através da corrente elétrica, converter água em hidrogénio e oxigénio, e assim possibilitando a conversão de eletrões em moléculas gasosas.

Será fundamentalmente o preço dessa energia [renovável] que vai determinar o custo final deste hidrogénio [verde].

Relatando um projeto específico analisado, mesmo considerando que cada projeto tem particularidades diferentes, de forma resumida pode-se assumir-se que um eletrolisador (PEM) com 1 MW de potência nominal, a funcionar 8.000 horas por ano, produzirá aproximadamente 150 toneladas de hidrogénio, consumindo pelo menos 8,8 MWh de energia elétrica (eletrões). Ou seja, e com base no poder calorífico do hidrogénio (aproximadamente 39,41 kWh/kg, dados DGEG), será o equivalente a produzir 5,9 MWh de energia em forma de gás (moléculas).

O consumo específico, atendendo a uma eficiência global de 60 a 70% (do eletrolisador), será na ordem dos 60 MWh/ton. A realçar que num processo de eletrólise o custo com a eletricidade (OPEX) poderá representar entre 60 e 70% do custo final do produto (H2).

Assim, assumindo um custo médio de energia elétrica de 50€/MWh, ter-se-á um custo de produção de hidrogénio verde (OPEX e CAPEX) na ordem dos 4,20€/kg, equivalente a cerca de 107€/MWh.

Importa referir que este preço, médio, inclui os custos da energia, redes e potência. Se em 2023 as tarifas de acesso às redes assumem valores negativos, é importante considerar que este efeito pode não se verificar nos próximos anos.

Deve-se também referir que em regime de autoconsumo, por exemplo recorrendo a energia solar, eólica (ou ambas), será possível obter custos de energia elétrica substancialmente inferiores.

Todavia, a utilização de energia solar, per si, permitirá satisfazer apenas 30% das necessidades energéticas de um eletrolisador que funcione num regime contínuo. Num sistema híbrido (solar + eólico), por exemplo, este contributo poderá cifrar-se em cerca de 50%.

Logo, para que o hidrogénio seja 100% verde, é imperativo recorrer à celebração de PPA de energia renovável. Em termos comparativos, para abastecer um eletrolisador de 1 MW em regime contínuo será necessária uma central solar fotovoltaica de 5 MW!

O que justifica o hidrogénio como opção alternativa energética?

Não sendo a produção e utilização de hidrogénio propriamente uma novidade, inclusivamente em Portugal, e não se revelando uma solução atualmente competitiva, considerando os preços atuais do gás natural, por que razão se tem dado tanta importância a esta oportunidade e alternativa, como elemento central na descarbonização da economia e da indústria?

Numa resposta mais generalista, pode-se afirmar que, embora a produção de hidrogénio verde necessite ainda de algum desenvolvimento tecnológico, já dá muitas e boas garantias quanto à segurança de abastecimento, ao incremento da independência energética e, principalmente, por utilizar uma tecnologia que apresenta elevados índices de sustentabilidade ambiental. Além destas, se considerarmos o hidrogénio verde como um combustível substituto do gás natural, e juntarmos as vantagens de transporte e armazenamento, então muitos dos objetivos da descarbonização da economia podem ser naturalmente cumpridos.

Não podemos, todavia, esquecer dois outros motivos mais específicos, mas também fundamentais:

i) permite ultrapassar as limitações que a eletrificação massiva ainda impõe, nomeadamente na indústria e nos transportes;
ii) possibilita que o excesso de produção solar seja desviada para a produção de hidrogénio verde, ganhando-se eficiência e limitando o chamado efeito de canibalização entre a produção solar

Fica por resolver a fundamental sustentabilidade financeira. Neste aspeto, não tendo a tecnologia de hidrogénio verde ainda competitividade suficiente para enfrentar o histórico gás natural, o importante GNL, ou mesmo as soluções alternativas assentes na eletricidade, compete aos governos (e reguladores) dos diferentes países a definição de regras para a existência de um mercado de hidrogénio com índices de preços representativos e consistentes.

Esse mercado do hidrogénio pode e deve utilizar alguns dos conceitos e produtos já testados do MIBGás e do MIBEL, ser operacionalizado com as respetivas garantias de origem, e ter um mercado de longo prazo associado onde todos os agentes possam fazer um hedging eficaz das suas posições.

Inicialmente, e até que esse mercado esteja suficientemente robusto e líquido, à semelhança do que foi feito na eletricidade e no gás natural, os leilões são naturalmente uma importante ferramenta que não pode, nem deve, ser desprezada.

E Portugal …

Em 2022, o tema do hidrogénio motivou múltiplas intenções de investimento.

A estratégia nacional para o hidrogénio, no âmbito das metas e objetivos estabelecidos no plano nacional de energia e clima para 2030, determina que este represente até 1% do consumo final de energia em Portugal em 2025, até 2% em 2030, e até 20% em 2050.

Para incentivar o arranque dos primeiros projetos de hidrogénio em Portugal o Governo lançou recentemente as bases para o primeiro leilão para a aquisição centralizada de gases renováveis (biometano e hidrogénio verde) pelo comercializador de último recurso (CUR), que depois injetará (direta ou indiretamente) na rede de gás natural.

O primeiro leilão deverá decorrer no segundo semestre de 2023, permitindo aos produtores assegurar contratos de venda ao CUR válidos por 10 anos.

No caso do hidrogénio [verde], o preço base de licitação será de 127 €/MWh. Ou seja, o equivalente a um preço máximo da energia elétrica (OPEX) de 58€/MWh.

Saliente-se que a referência, ao dia de hoje, do preço de gás natural no MIBGás para 2023 está na ordem dos 70€/MWh. O Fundo Ambiental suportará eventuais compensações financeiras.

Este modelo de procedimento concorrencial (leilões) é decisivo para o início do modelo de negócio dos produtores de hidrogénio, mas espera-se que no futuro possa ser acrescentado um verdadeiro mercado de hidrogénio verde (e garantias de origem associadas) com preços de curto e longo prazo consistentes com a especificidade do processo, e assim permitir o desenvolvimento da tecnologia.

Por fim

O importante, independentemente do modelo escolhido, é que os investidores sintam confiança nos índices de preços do hidrogénio verde para que se sintam motivados na aposta nesta tecnologia, que os consumidores entendam o racional do “novo” preço, e que os contribuintes não sejam penalizados em demasia por esta transformação estrutural.

Todas as transformações desta magnitude são demoradas, exigem esforços operacionais e financeiros avultados.

Assim, a solução encontrada deverá cumprir com os 4 grandes pilares de política energética do nosso tempo: Sustentabilidade Ambiental, Sustentabilidade Financeira, Independência Energética e Segurança de Abastecimento.

Não é tarefa fácil, mas citando São Francisco de Assis “Se começarmos por fazer o que é necessário, depois o que é possível, de repente estaremos a fazer o impossível”.

(Atualizados o custo de produção de hidrogénio verde e o preço máximo da energia elétrica no dia 10 de janeiro, pelas 15h41)

  • Ricardo Nunes
  • Economista, Chief Strategy Officer do OMIP, membro do Observatório de Energia da Sedes

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