“Há claros exemplos em que as comissões têm aumentado para lá do proporcional e do razoável”, diz Miguel Costa Matos

PS avançou com proposta que acaba com várias comissões bancárias. Miguel Costa Matos diz que a lista de comissões a eliminar pode aumentar, pois identificou exemplos de subidas para "lá do razoável".

O grupo parlamentar do PS acabou de apresentar um Projeto de Lei que visa reforçar a proteção dos clientes na renegociação dos contratos ao abrigo das novas regras por causa da subida dos juros, enquanto acaba com algumas comissões bancárias que considerada excessivas.

Em entrevista ao ECO, o deputado Miguel Costa Matos, um dos autores da proposta que é esta semana discutida no Parlamento antes de seguir para o debate na especialidade, adianta que há mais comissões que aumentaram “para lá do proporcional e do razoável” e que também podem ser eliminadas.

“Nestes anos todos, os portugueses ajudaram a banca e agora, numa altura em que vemos as taxas de juro subir, seria bom os bancos começarem a ajudar os portugueses. Isso implica serem razoáveis e proporcionais nas comissões que cobram”, justifica o socialista.

Por outro lado, com o projeto que terá aprovação garantida e pode verter para a lei até ao verão, o grupo parlamentar do PS quer ainda evitar que os bancos atropelem os direitos das famílias que se encontram em situação de maior stress financeiro e que querem renegociar o crédito à habitação, pedindo maior atenção do regulador liderado por Mário Centeno. “O banco não se pode furtar ao que está definido por lei e temos toda a expectativa que o Banco de Portugal possa agir nesse sentido”, afirma.

Miguel Costa Matos, deputado do PS, em entrevista ao ECO - 16JAN23
Miguel Costa Matos, deputado do PS, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Acabaram de apresentar um Projeto de Lei que visa reforçar a proteção do cliente bancário. Porque sentiram necessidade de avançar com estas medidas?

Nos últimos dez anos, entre 2011 e 2021, os portugueses apoiaram financeiramente a banca em 20 mil milhões de euros, segundo o Tribunal de Contas. Neste mesmo período, segundo a Deco, as comissões bancárias subiram 50%. Foi um período em que houve encerramento de balcões, redução do número de funcionários, houve uma consolidação do setor da banca e, felizmente, hoje está numa situação mais saudável e sustentável.

Mas o que nos preocupa é que nestes anos todos os portugueses ajudaram a banca, e agora, numa altura em que vemos as taxas de juro subir, seria bom os bancos começarem a ajudar os portugueses. Isso implica serem razoáveis e proporcionais nas comissões que cobram.

Em segundo lugar, perante este contexto de aumento das taxas de juro, as pessoas estão a passar por dificuldades, por um grande stress financeiro com as suas prestações de crédito, seja de habitação ou pessoal. Na pandemia, o Governo criou uma moratória cujos resultados são de muito baixo incumprimento. Desta vez criou um regime para as famílias poderem renegociar os créditos e os bancos estão a fazer exatamente o oposto do que deveriam estar a fazer: estão a estigmatizar quem quer recorrer a este regime.

É nesse sentido que a nossa proposta incide: por um lado, na renegociação dos créditos para tentar evitar que os bancos arranjem maneira de impedirem as pessoas de acederem a este regime e, por outro lado, de colocar mais algumas balizas ao comissionamento bancário.

Já em 2020 tínhamos feito duas leis sobre esta matéria: uma relacionada com o MB Way e outra relacionada com as comissões nos contratos de crédito. Esta é uma segunda vaga de regulamentação porque vimos que há mais coisas a fazer e sobretudo porque, em relação a algumas coisas que fizemos, os bancos já arranjaram maneira de contornar.

Falaram com o setor e o regulador sobre a proposta?

Este não é um tema novo. É um tema sobre o qual o PS tem vindo a trabalhar afincadamente, tendo apresentado requerimentos para ouvir em sede de comissão de orçamento e finanças o Banco de Portugal, a APB, a Deco. Esse diálogo tem vindo a ser feito ao longo dos meses.

Estamos muito interessados em ouvir os consumidores financeiros e a maneira como estão a pagar sobre coisas um preço abusivo e excessivo. Queremos ser razoáveis com o setor da banca, mas queremos corresponder aos anseios das pessoas.

Em relação à renegociação dos créditos, como tentam travar que os bancos impeçam os clientes em dificuldades em aceder ao regime criado? Por exemplo, neste regime transitório proíbem as vendas de cross-selling com contrapartida para uma renegociação.

O Decreto-Lei n.º 80-A/2022 diz muito claramente que a pessoa tendo uma taxa de esforço superior a 50% ou tendo tido um aumento superior a 5 pontos percentuais e chegando aos 36%, o banco deve começar um processo de perceber se essa pessoa está ou não em risco de incumprimento, perante as outras despesas que as pessoas têm. É um processo muito bem delimitado.

Assim que é detetado esse risco de incumprimento, pode ser feito com o cliente um processo de renegociação que envolva uma extensão da maturidade do empréstimo. Por exemplo, um empréstimo a 35 anos passar a um empréstimo a 40 anos. O que não deveria acontecer, perante esta situação, é o banco dizer ao cliente só pode renegociar se comprar um faqueiro ou um novo produto financeiro, como já vimos reportado.

Por outro lado, também é dito aos clientes com certa idade que não podem estender o prazo do empréstimo, sob pena de acabar de pagar o empréstimo muito tarde. Com base nisto, os bancos recorrem a uma recomendação do Banco de Portugal que desde abril do ano passado visa limitar a duração dos empréstimos. O que nós dizemos é que essa recomendação se aplica apenas a novos contratos e não se pode aplicar à renegociação de contratos. Entendemos que tem de haver um limite razoável para essa extensão dos prazos que pode ficar, por exemplo, nos 75 anos. O Banco de Portugal apontava essa baliza para os 70 anos: a partir dos 30 não se pode fazer empréstimos a 40 anos. A ideia aqui é estender um pouco o prazo, até aos 75 anos. Como é um regime excecional, para um período excecional face a um aumento excecional das taxas de juro, podemos ter um regime um pouco mais flexível e mais permissivo para as pessoas.

Estamos muito interessados em ouvir os consumidores financeiros e a maneira como estão a pagar sobre coisas que são abusivas e excessivas. Queremos ser razoáveis com o setor da banca, mas queremos corresponder aos anseios das pessoas.

Também temos visto relatos de casos em que os bancos dizem aos clientes que não têm soluções para eles. O Banco de Portugal deveria estar a fazer um acompanhamento mais próximo deste processo?

Temos a expectativa de que o Banco de Portugal possa agir sobre alguns bancos que não estão a adotar aquilo que a lei exige como um processo. Os bancos estão obrigados a este processo. Se depois fazem ou não uma renegociação e em que termos, isso é algo que tem de ser visto entre o banco e o cliente bancário. O que não pode acontecer é o banco furtar-se ao que está definido por lei e, portanto, temos toda a expectativa que o Banco de Portugal possa agir nesse sentido.

Também temos assistido a situações de uns bancos considerarem que o cliente ficará marcado se tiver uma reestruturação e noutros não. Como harmonizar as coisas, para que tanto clientes como bancos tenham a mesma informação?

O que o regime prevê é: ao contrário das moratórias, regime que teve a questão da Covid e a adesão de muitas pessoas, inclusive sem dificuldades financeiras, neste caso depreende-se uma dificuldade financeira. A filosofia por detrás do registo de eventos de crédito na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal é exatamente essa: se houve uma situação de dificuldade financeira poder haver essa menção para que, no futuro, os bancos possam ter isso em conta quando avaliam o risco.

Isto é sempre difícil porque se, por um lado, temos uma família em aflição que queremos ajudar, por outro temos um banco que também tem risco e que se assumir demasiado risco sem o saber, então, no final do dia pode vir bater à porta dos contribuintes para pedir apoio. Temos de equilibrar entre o apoio às famílias em situação de dificuldade e darmos a informação aos bancos para no futuro poderem fazer uma análise de risco adequada.

O que não pode acontecer é os bancos pegarem nessa menção para assustar as pessoas. Há uma tarefa de responsabilidade que os bancos vão ter de assumir na maneira como vão gerir estes processos. Aparentemente, pelas denúncias que temos recebido, não estão a ter.

Miguel Costa Matos, deputado do PS, em entrevista ao ECO - 16JAN23
Miguel Costa Matos, deputado do PS, em entrevista ao ECO.Hugo Amaral/ECO

Têm recebido muitas denúncias?

Tem-nos chegado muitas denúncias de cidadãos que vão aos bancos pedirem para serem analisados os seus processos e os bancos dizem que não são uma instituição de caridade, que não querem fazer esta renegociação, que não têm nenhuma solução. É preciso recordar aos bancos que pelo menos para os casos identificados pelo Decreto-Lei 80-A/2022 têm de ter solução. A solução tem de ser um processo de avaliação do risco de incumprimento que possa resultar na oferta de uma extensão do crédito.

Voltemos ao Projeto de Lei que apresentaram: também propõem a eliminação de algumas comissões que consideram que não fazem muito sentido como, por exemplo, a alteração da titularidade da conta por falecimento de um dos cônjuges ou na habilitação de herdeiros. Porque decidiram intervir aqui?

Em relação aos processos de alteração de titularidade, recebemos uma denúncia da parte da Deco de que eram comissões que estariam a ser cobradas e não faziam sentido. Analisámos e consideramos essa reivindicação justa.

Outra situação que eliminam é o pagamento do distrate. Porquê?

Foi uma área que identificámos em 2020 e aí ficámos aquém. O distrate é um documento que diz que a pessoa já pagou tudo o que deve, portanto, que o imóvel não tem hipoteca. O Código do Registo Predial diz que a pessoa pode ter o distrate gratuitamente nas conservatórias. Nós queremos eliminar a comissão para o banco ir fazer este serviço. O que os bancos nos disseram foi que não estavam disponíveis para irem à conservatória com os clientes e que tinham de recorrer a um advogado. Mas estavam a transmitir à pessoa a despesa que tinham com o advogado para o reconhecimento das assinaturas. Perguntámos ao Banco de Portugal se isto era permitido, não viu problema com isso. Mas nós vimos.

A par disto, tivemos também a questão das vendas facultativas associadas: a possibilidade de a pessoa saber quanto é que a pessoa poupa com cada um dos itens que contam para a diferença entre o spread base e o spread contratado.

Intervimos ainda na fase inicial da contratação do crédito. O Banco de Portugal identificou no relatório que foi solicitado, na sequência das leis de 2020, que havia comissões diferentes no momento de contratação do crédito entre cada banco e isso muitas vezes gerava confusão nas pessoas. Em alguns bancos havia duas comissões, noutros tinham quatro. Decidimos que deve haver uma única comissão antes da contratação do crédito para a pessoa comparar diferentes soluções de maneira mais simples.

Outra coisa que dissemos foi que a avaliação do imóvel deve ser portável de um banco para o outro, desde que a avaliação tenha menos de seis meses. As avaliações são cobradas pelos bancos. O outro banco também pode recusar a avaliação, por algum motivo. Sendo assim, se não quer aceitar a avaliação que o cliente traz, o banco tem de pagar a nova avaliação, porque o cliente tem na sua posse uma avaliação recente e que deveria ser válida.

Temos aqui um conjunto de medidas que deviam ser óbvias, mas muitas vezes o bom senso não impera num setor em que há poucas empresas, há pouca concorrência e em que os consumidores, muitas vezes, estão sujeitos às letras miúdas.

O distrate é um documento que diz que a pessoa já pagou tudo o que deve, portanto, que o imóvel não tem hipoteca. O Código do Registo Predial diz que a pessoa pode ter o distrate gratuitamente nas conservatórias. Nós queremos eliminar a comissão.

Em relação às operações que creditem um valor numa conta ou cartão físico ou digital, porque equiparam a uma transferência?

Em relação ao “processo da Revolut”, já tinha sido analisado há três anos, quando limitámos as comissões bancárias no MB Way. Identificámos aí a situação da Revolut e cartões semelhantes em que estava a ser cobrada pelo carregamento com o cartão uma comissão chamada de “quasi-cash”, que é o equivalente quase a um adiantamento a crédito em numerário numa caixa automática. Na altura não tínhamos suficiente informação para decidir como devíamos intervir legislativamente.

Entretanto, refletimos neste período e o que entendemos é que esse carregamento de cartão, sendo uma transferência imediata para essa outra conta, Revolut, N26 ou outro banco, deve ser equiparada a uma transferência MB Way, sujeita aos mesmos limites que aí adotamos.

Miguel Costa Matos, deputado do PS, em entrevista ao ECO - 16JAN23
Miguel Costa Matos, deputado do PS, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Falou em bom senso. Os bancos reviram em alta os preçários nos últimos anos para compensar a perda da margem financeira. O cenário mudou. Agora, com a subida das taxas de juro, seria expectável que refletissem isso no comissionamento, como disse o governador do Banco de Portugal. Vê os bancos a baixarem as comissões? Vai ser necessária uma intervenção legislativa?

Em 2015 introduzimos que as comissões só poderiam ser aplicadas por um serviço efetivamente prestado. Em 2020, percebemos que isso não era suficiente e introduzimos dois critérios: da proporcionalidade e da razoabilidade. Pedimos ao Banco de Portugal para avaliar estes dois critérios que recusou-se a avaliar estes dois critérios, porque diz que não tem como avaliar quais as comissões são proporcionais e razoáveis.

Nós queremos continuar a insistir junto do Banco de Portugal para que assuma as suas competências e achamos que é difícil colocar na lei algo mais claro do que isto. Naturalmente que se for necessário envidaremos os esforços para que a nossa legislação — que diz que as comissões têm de ser proporcionais e razoáveis — seja cumprida pelo Banco de Portugal e pelos bancos.

Vê as atuais comissões cobradas pelos bancos como proporcionais e razoáveis?

Há claros exemplos em que as comissões têm aumentado para lá do proporcional e do razoável e isso convém ser avaliado pelo Banco de Portugal.

E pelo Parlamento?

O Parlamento não tem informação para verificar se são individualmente proporcionais ou razoáveis. Tem naturalmente um sentimento sobre isso mas que exige o trabalho de análise maturado e fina dos dados, que só o Banco de Portugal pode fazer.

Contam com a ajuda do Banco de Portugal para trabalhar melhor esta matéria das comissões?

Contamos que o Banco de Portugal cumpra as suas competências legais e essa é sem dúvida uma delas.

Identificaram mais comissões que pudessem estar para lá do proporcional e razoável?

Há outras comissões que estamos a analisar. Na fase de especialidade olhar para elas, em diálogo com o setor. Nesta fase, aquilo que apresentamos são aquelas em que temos uma maior convicção de que, de facto, não são razoáveis.

Durante o processo legislativo que se seguirá agora, admitem eliminar mais comissões?

Admitimos analisar todos os contributos que nos façam chegar da parte dos consumidores e da banca para chegar a um diploma que seja abrangente.

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