O que a CEO da TAP esclareceu (e o que ficou por saber)

A presidente executiva da TAP garantiu que não teve contacto direto com as Finanças sobre a saída de Alexandra Reis e responsabilizou os advogados pelo processo.

Foi apenas com o secretário de Estado das Infraestruturas que a CEO da TAP tratou da indemnização paga a Alexandra Reis no Governo e o procedimento legal utilizado foi o recomendado pelos advogados, a SRS Legal, liderada por Pedro Rebelo de Sousa. Foi esta, na essência, a defesa de Christine Ourmiéres-Widener na audição esta quarta-feira no Parlamento. Se há questões sobre as quais se fez alguma luz, outras ficaram sem resposta.

Um dos temas centrais da audição na Comissão de Economia e Obras Públicas, requerida potestativamente pelo Chega, era quem mais no Governo estaria a par da saída de Alexandra Reis em fevereiro de 2022, com uma indemnização de 500 mil euros. No comunicado que anuncia a demissão do antigo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, é dito que apenas o secretário de Estado, Hugo Mendes, estava a par do processo e do valor pago. A presidente executiva da TAP, que assumiu o cargo em junho de 2021, corrobora a mesma versão.

Audição da presidente da Comissão Executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, na Assembleia da República - 18JAN23
Audição da presidente da Comissão Executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, na Assembleia da RepúblicaHugo Amaral/ECO

Só o secretário de Estado das Infraestruturas sabia

Foi o secretário de Estado das Infraestruturas que “esteve a par da proposta inicial e dos passos seguintes”, garantiu Christine Ourmiéres-Widener na audição. Foi também ele que deu a autorização final para o acordo que levou ao pagamento da indemnização, “por escrito”, como fez questão de frisar várias vezes, argumentando que o acionista sempre esteve a par do processo, por esta via. A CEO da TAP cingiu a relação sempre a Hugo Mendes, nunca referindo o envolvimento de Pedro Nuno Santos.

E a outra tutela, o Ministério das Finanças, um vez que a TAP era já na altura 100% detida pelo Tesouro? “Não estive diretamente em contacto com o ministro das Finanças sobre esta matéria”, garantiu Christine Ourmiéres-Widener na audição, dando respaldo às declarações do titular da pasta à altura, João Leão, que disse não ter sido informado.

A presidente executiva justificou também porque não existiu comunicação com o ministério sobre o tema: “Presumi, pela forma como estávamos a trabalhar juntos, que o acordo entregue pelo secretário de Estado das Infraestruturas teria sido feito em coordenação com o ministro das Finanças”.

Presumi, pela forma como estávamos a trabalhar juntos, que o acordo entregue pelo secretário de Estado das Infraestruturas, teria sido feito em coordenação com o ministro das Finanças.

Christine Ourmières-Widener

CEO da TAP

Quem também estava a par era o presidente do conselho de administração da TAP, Manuel Beja, que representa formalmente o Estado na companhia aérea. “Neste processo, o chairman foi informado por mim e pelo acionista. Ele foi informado da primeira proposta [em que Alexandra Reis pedia 1,48 milhões de euros] e também da última proposta [de 500 mil euros]”, disse aos deputados.

João Nuno Mendes sucedeu a Miguel Cruz na secretaria de Estado do Tesouro, em março de 2022, já depois da saída de Alexandra Reis da TAP. Antes, coordenou o grupo de trabalho criado para a negociação do auxílio de emergência à companhia aérea e foi secretário de Estado das Finanças. O PSD perguntou sobre a informação partilhada com o governante. Christine Ourmiéres-Widener referiu a existência de reuniões, que envolveram também o administrador financeiro, Gonçalo Pires, mas nunca que João Nuno Mendes estivesse a par do processo da indemnização.

O motivo para o “divórcio” com Alexandra Reis

As razões que levaram à saída de Alexandra Reis da administração, em conflito com a CEO, era outra das questões que os deputados queriam ver esclarecidas. Christine Ourmières-Widener acrescentou pouco sobre os motivos para o desentendimento, apontando “divergências na implementação do plano de reestruturação”. “Na equipa executiva, é crucial haver um alinhamento relativamente à implementação do plano. Essa foi a única razão para a saída de Alexandra Reis da companhia aérea”, garantiu.

Havia divergências na implementação do plano de reestruturação. Na equipa executiva, é crucial haver um alinhamento relativamente à implementação do plano. Essa foi a única razão para a saída de Alexandra Reis da companhia aérea.

Christine Ourmières-Widener

CEO da TAP

A presidente executiva deu como exemplo a sua visão de que era necessário reforçar mais a capacidade de transporte de passageiros, apesar do risco que comportava. Algo com que a colega de administração terá discordado. “Era preciso não perder mercado. O resultado da companhia mostra que foi uma boa decisão aumentar a capacidade para 90%” face aos níveis de 2019, argumentou. A CEO ainda elogiou o “profissionalismo” de Alexandra Reis e disse não ter tido qualquer conhecimento prévio sobre a sua ida para a presidência da NAV, cerca de quatro meses após deixar a TAP. Soube pelos jornais.

Responsabilidade é dos advogados

Sobre outros dois temas que têm sido centrais no caso – a comunicação enganosa à CMVM e a não aplicação do Estatuto do Gestor Público na saída de Alexandra Reis –, Christine Ourmières-Widener atirou a responsabilidade para os advogados que assessoraram a companhia aérea. “Sou CEO, não sou advogada. Estou a gerir uma organização muito complexa e é por isso que contrato advogados”, disse aos deputados.

O comunicado à CMVM está anexado ao acordo assinado com Alexandra Reis e foi elaborado e escrito, palavra por palavra, pelo nosso consultor externo.

Christine Ourmières-Widener

CEO da TAP

“O comunicado à CMVM está anexado ao acordo assinado com Alexandra Reis e foi elaborado e escrito, palavra por palavra, pelo nosso consultor externo. Nós só entregámos à CMVM o que foi escrito pelo consultor externo, nada mais nem nada menos“, argumentou a CEO da TAP. O regulador obrigou, no final de dezembro, a companhia a corrigir o comunicado divulgado em fevereiro, em que a saída era descrita como uma renúncia, para deixar claro que “ocorreu na sequência de um processo negocial de iniciativa da TAP”. A transportadora arrisca agora uma coima até cinco milhões de euros.

Christine Ourmières-Widener remete também para os advogados a responsabilidade pela eventual ilegalidade no processo de saída de Alexandra Reis e a indemnização acordada, nomeadamente pela não aplicação do Estatuto do Gestor Pública, matéria que está a ser averiguada pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF). A companhia foi assessorada na parte laboral pela SRS Legal, liderada por Pedro Rebelo de Sousa. “Seguimos as recomendações, passo a passo, e não fizemos nada de diferente das recomendações, porque contratámos aconselhamento jurídico para garantirmos que o que estávamos a fazer era legal”, salientou. Disse também que não se recorda de “nenhuma referência ao Estatuto do Gestor Público nas conversas com a SRS. É uma dimensão que podia ter sido melhor explicada”.

A presidente executiva considera, agora, que a sua equipa está abrangida por aquele regime. “Somos gestores públicos e esse é o estatuto da administração. É algo que temos de compreender melhor e quais as consequências”, admitiu a CEO da TAP. Caso a IGF decida que Alexandra Reis tem de devolver parte da indemnização, irá proceder “de forma diligente” para recuperar o dinheiro.

Audição da presidente da Comissão Executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, na Assembleia da República - 18JAN23
Audição da presidente da Comissão Executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, na Assembleia da RepúblicaHugo Amaral/ECO

Condições para ficar como CEO, mas…

Apesar deste caso, e outros, como a contratação de uma amiga para diretora, que diz ter referenciado mas não participado no processo de recrutamento, Christine Ourmières-Widener considera que mantém condições para continuar à frente dos destinos da companhia aérea. “Tenho condições para ser CEO da TAP porque temos agido de boa-fé, completamente de boa-fé ao contratarmos aconselhamento jurídico e pedirmos a autorização” para o pagamento da indemnização”, declarou no Parlamento.

Tenho condições para ser CEO da TAP porque temos agido de boa-fé, completamente de boa-fé ao contratarmos aconselhamento jurídico e pedirmos a autorização” para o pagamento da indemnização.

Christine Ourmières-Widener

CEO da TAP

A presidente executiva reconheceu, ainda assim, que a responsabilidade final do processo é sua, aguardando o final da investigação da IGF para tirar ilações. “Fui recrutada para ser responsabilizada. Vamos ver quais as conclusões da investigação e atuaremos de acordo”, disse aos deputados.

O que ficou por esclarecer

A CEO da TAP confirmou que tem à sua espera um bónus se cumprir as metas traçadas no plano de reestruturação até 2025. A própria tem dito que a companhia ficou em 2022 já acima dos objetivos traçados. Questionada por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, sobre o valor dessa compensação extra, que garante fazer parte do seu contrato, não revelou o valor. Também não respondeu a que indemnização teria direito caso saísse sem justa causa.

Hugo Carneiro, do PSD, quis saber que outras indemnizações foram pagas pela TAP e quem as aprovou. Christine Ourmières-Widener disse que o seu antecessor, Antonoaldo Neves, foi o único administrador que saiu com uma compensação, mas não revelou o valor. Também não esclareceu se existiram outras indemnizações, nomeadamente a diretores.

Ser CEO da TAP é talvez o trabalho mais difícil deste país, porque estamos todos os dias nas notícias.

Christine Ourmières-Widener

CEO da TAP

Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, pediu, por mais do que uma vez, que a presidente executiva da TAP dissesse se a saída de Alexandra Reis se tratou de uma renúncia ou uma demissão. A CEO respondeu sempre que se limitou a seguir o que foi acordado pelos advogados, nunca respondendo com uma palavra ou outra.

A responsável deverá voltar ao Parlamento, desta vez para ser ouvida na comissão parlamentar de inquérito proposta pelo Bloco de Esquerda e já aceite pelo PS. Mais um motivo para Christine Ourmières-Widener dizer que “ser CEO da TAP é talvez o trabalho mais difícil deste país, porque estamos todos os dias nas notícias”.

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