Algumas empresas estão a criar programas para talento de elevado potencial. Vantagens? Promover a inovação, planear uma sucessão, amplificar a atração e retenção… Mas também há riscos.
Segue. Observa. Escuta. Aprende. Durante um mês, Inês Sá, 22 anos, natural de Mirandela, foi a sombra da country manager da Adecco Portugal. Acompanhou Alexandra Andrade em reuniões departamentais internas, em visitas e encontros com clientes e parceiros, nas tarefas de escritório e na execução de quaisquer outras responsabilidades enquanto líder. Foi “CEO for One Month”, da Adecco. Um dos modelos encontrados pelas empresas para detetar potenciais jovens líderes e preparar a sucessão.
Há sete anos que a Adecco avançou com esta iniciativa. “O principal objetivo do programa é apoiar jovens em início de carreira, que podem, ou não, já ter concluído o seu ciclo de estudos e que possam desenvolver o seu potencial de liderança em ambiente real de trabalho, ou abraçar esta característica que pode existir potencialmente, mas que até esta situação excecional não está plenamente definida pelo jovem”, explica Alexandra Andrade. Neste contexto, “muito especial”, o CEO sombra, “pode aprender o que é preciso para ter sucesso como líder empresarial e adquirir as competências e a experiência necessárias para dar este pulo profissional e traçar o seu rumo de liderança.”
“Acima de tudo, desejamos que os candidatos tenham acesso a uma valiosa rede de apoio e desenvolvimento ao longo da sua jornada de recrutamento, oferecendo orientação em matéria de empregabilidade que irá apoiar as suas futuras mudanças de carreira. Quer seja com a Adecco, quer seja com um parceiro”, continua a gestora.
Inês Sá foi a “CEO for One Month 2022” da Adecco Portugal. Depois da experiência – “uma das mais enriquecedoras que se pode ter enquanto estudante que ainda não ingressou no mercado de trabalho” – regressou aos estudos, mas as portas da empresa especializada em recursos humanos ficaram abertas. “Esse é um dos objetivos do programa”, garante a country manager. “Até à data, o Grupo Adecco ofereceu 225 estágios nos últimos sete anos no contexto do ‘CEO for One Month’, mas ao longo deste período também conseguimos oferecer volumes semelhantes de estágios permanentes, onde conseguimos reter o talento no nosso negócio”, diz. O vencedor da primeira iniciativa do programa em Portugal, por exemplo, ficou na companhia “durante algum tempo”. Mas a maior prova do sucesso da iniciativa vem da Finlândia: “O nosso vencedor local chegou mesmo, alguns anos mais tarde, a ser o country manager”.
Acima de tudo, desejamos que os candidatos tenham acesso a uma valiosa rede de apoio e desenvolvimento ao longo da sua jornada de recrutamento, oferecendo orientação em matéria de empregabilidade que irá apoiar as suas futuras mudanças de carreira. Quer seja com a Adecco, quer seja com um parceiro.
O programa arrancou em 2011 na Noruega, tendo o sucesso da iniciativa levado a Adecco a dinamizar a experiência em outras latitudes e mercados onde está presente. Em 2014 tornou-se uma iniciativa global internacional. O interesse entre os jovens tem sido crescente.
“O programa gerou franco interesse entre os jovens e, em apenas um ano, houve um rápido crescimento, com o registo de mais de 18 mil candidatos em 2015 em todo o mundo. A notoriedade e utilidade do programa foi-se consolidando de ano para ano, multiplicando-se o interesse dos jovens”, garante. Os números são expressivos. Em 2019, registaram-se globalmente mais de 250 mil candidaturas ao ‘CEO for One Month’. Durante a pandemia, o crescimento do programa “abrandou um pouco”, mas em 2022 regressou “com pujança”, assegura a empresa, sem detalhar, contudo, o número de candidaturas recebidas.
O programa dá ainda potencial acesso a uma experiência internacional para os candidatos. Após a conclusão do estágio no seu país de origem, todos os “CEO for One Month” avançam para um processo de seleção global, onde participarão numa série de desafios e terão a oportunidade de trabalhar com os seus pares globais, aprendendo sobre diferentes culturas e formas de trabalho. No final, são eleitos dez jovens para participar num evento de quatro dias em Zurique, dos quais um será o “Global CEO for One Month”. Este finalista terá a oportunidade de prolongar o seu estágio no Grupo Adecco por mais um mês, passando a ser o ‘duplo’ do CEO global da Adecco, Denis Machuel.
Planear a sucessão, potenciar a retenção
O modelo de “CEO for One Month” seguido na Adecco é apenas uma das inúmeras possibilidades adotadas pelas empresas para desenvolver talento jovem, potenciar a retenção ou planear uma sucessão. Na Altice Portugal, o modelo seguido, desde que Alexandre Fonseca assumiu o cargo de presidente da comissão executiva, foi diferente: um shadow board. Uma comissão executiva júnior, composta por sete jovens e as mesmas sete áreas representadas na comissão executiva da dona da MEO. Os jovens foram selecionados pelo departamento de recursos humanos da operadora de telecomunicações – o pré-requisito era ter menos de 34 anos – pelo seu elevado potencial e desempenho dentro da organização. Fazem deste caminho uma escola.
Assim, desde meados de 2019, e até assumir novas funções na Altice Europa, Alexandre Fonseca teve Renata Santos Silva no seu encalço, através da iniciativa interna que tem como objetivo promover e incentivar conceitos e valores na gestão de proximidade, partilha e feedback. Renata Santos Silva, a trabalhar na direção de coordenação institucional, corporativa e comunicação externa, é, agora, a sombra de Ana Figueiredo, a presidente executiva da Altice Portugal.
Embora este tema não seja novo, Pedro Rocha e Silva, CEO da Neves de Almeida HR Consulting, admite que não se trata de uma prática muito disseminada nas empresas. “Já há uma série de organizações que apostam neste tipo de ferramentas ou de abordagens, com diferentes objetivos e, obviamente, cada uma com o seu modelo. No entanto, não é uma prática generalizada. Está relativamente circunscrita a uma determinada tipologia de organizações. Não me refiro a um setor em específico, nem a uma empresa com uma certa dimensão, multinacional ou nacional… Tem muito a ver com o estádio de evolução dessas organizações naquilo que diz respeito às suas práticas de gestão de talento”, sustenta.
Os objetivos destes processos estruturados de gestão de talento podem ser distintos. O impacto é, normalmente, elevado e positivo, “desde que as pessoas escolhidas para esse processo de desenvolvimento, possuam, de facto, elevado potencial”, destaca Fernando Neves de Almeida, chairman da Boyden Portugal. E alerta: “É importante, porém, fazer uma gestão de expectativas. Não enquadrar devidamente estes processos pode levar a frustrações que os tornam mais negativos que positivos.”
O impacto mais direto é, desde logo, apoiar o desenvolvimento e o crescimento desses jovens, estagiários ou novos quadros. “Se não fossem expostos a contextos de gestão de todo de forma mais rápida e provocada, teriam, certamente, uma curva de aprendizagem mais lenta”, explica Pedro Rocha e Silva. “Dar-lhes esta exposição vai contribuir para o seu desenvolvimento e crescimento e também para que se conheçam a si próprios melhor e consigam também definir que caminho poderão traçar dentro da organização. É sempre nessa perspetiva que estes quadros são colocados neste tipo de programas, de, mais lá para a frente, virem a assumir responsabilidades de maior dimensão na empresa”, acrescenta.
Mas, ainda que estas iniciativas contribuam, normalmente, para o desenvolvimento de carreira, a preparação para assumir maiores responsabilidades, a atração e retenção de talento, existe sempre um risco de que surtam o efeito contrário. “Existe uma série de organizações que o fazem, depois se o fazem da forma mais correta ou não, gerindo os riscos que obviamente este tipo de abordagens têm, é outra questão”, observa Pedro Rocha e Silva.
Quando diferenciação se confunde com discriminação
Um dos riscos tem a ver com a criação de algum tipo de conflito geracional entre o jovem talento e os trabalhadores de camadas etárias mais avançadas. Apesar de não sentir que este seja o principal perigo, o CEO da Neves de Almeida HR Consulting afirma que os colaboradores mais antigos podem, de facto, sentir que programas como este são “uma ameaça”. Mas, acredita, essa é a exceção à regra.
“Normalmente, sentem que também podem aprender com gente jovem, que vem com novas ideias e abordagens. Preparar a solução é também uma das nossas responsabilidades, portanto ter a possibilidade de ter ali jovens com elevado potencial é, cada vez mais, visto como algo positivo e não como ameaçador.”
A Adecco acredita que as suas pessoas olham para este programa de forma positiva. “O programa é completamente inclusivo e aberto a qualquer pessoa com mais de 18 anos de idade, sem critérios definidos em torno de requisitos de competências ou qualificações educacionais, pelo que nos ajudará sempre a atrair um leque diversificado de candidatos”, começa por destacar Alexandra Andrade. “Se estivermos numa posição em que uma grande parte dos nossos candidatos se encontra no início da sua carreira, então, mais uma vez, encaramos todo este contexto como positivo e simbólico do verdadeiro potencial do programa para nós”, continua.
Um processo de troca de experiências para todos os envolvidos. “Apesar de darmos prioridade aos nossos estagiários que chegam, não vemos esta iniciativa como um programa de sentido único para apoiar a aprendizagem dos que se juntam a nós no Grupo Adecco. Ao invés, sentimos que esta pode ser uma oportunidade para implementar mentoria inversa e aprendizagem adicional nos dois sentidos: os estagiários podem aprender novas competências a partir das interações com os que já estão estabelecidos no nosso negócio, e os colaboradores atuais terão também a oportunidade de aprender com uma nova geração tecnologicamente avançada”, defende a CEO da Adecco Portugal.
“Os objetivos deste programa são muito claros e os colaboradores Adecco atuais entendem isso. Há quatro gerações diferentes no mercado de trabalho e todas precisam de aprender a crescer umas com as outras”, acrescenta. A ideia é que se crie um ciclo virtuoso positivo, em que não só os jovens beneficiam com a iniciativa, como a própria empresa e o líder que é acompanhado. “Não é de todo verdade que apenas a nossa ‘sombra’ ganha com esta experiência: para mim foi uma grande inspiração”, assegura a gestora da Adecco Portugal. “A inspiração de uma pessoa jovem que não tem limitações, que analisa a empresa sem qualquer tipo de preconceito e que encara qualquer situação como uma oportunidade, acaba por reforçar o verdadeiro ADN da Adecco Portugal, que são as pessoas.”
O maior risco está na forma como nós dizemos a 50 quadros que temos uma abordagem diferenciada e dizemos a mais uns quantos que não fazem parte desta pool.
“Um ‘CEO for One Month’ não chega à Adecco só para aprender, vem também para esta experiência única com o objetivo de compreender como funciona uma empresa e de perceber que um CEO não é uma figura distante que funciona a solo, mas numa constante interação com a sua equipa de direção, que é uma equipa disponível para ajudar, agilizar e facilitar o workflow e comunicação. Uma equipa de direção não é um ‘bicho papão’ e é essencial desmistificar essa ideia. Os jovens que vivem esta oportunidade procuram perceber e conhecer os nossos estilos de liderança e como tomamos decisões. E nós pretendemos ouvi-los e conhecer os inputs de uma mente jovem e despida de vícios, preconceitos e entraves. É uma sinergia perfeita. É a partilha de conhecimento mútuo e permite-nos mostrar-lhes a empresa com todos os seus defeitos e qualidades para que eles possam contribuir para uma melhoria contínua”, explica.
“A Inês inspirou-me como pessoa, pela sua humildade, vocação para a responsabilidade social, criatividade e pela clareza que tem sobre onde quer chegar, o que quer e não quer de um projeto. Neste mês que esteve na Adecco, a Inês foi mais um membro da equipa e sem sombra de dúvida que todos ficámos entusiasmados em seguir os seus passos. Este perfil motiva e areja as lideranças”, garante Alexandra Andrade.
Além da questão geracional, os especialistas ouvidos pelo ECO Pessoas falam de um outro potencial risco. E consideram-no mesmo – esse sim – o maior perigo. Qual? A criação de uma brecha entre os jovens considerados ‘quadros de elevado potencial’, ‘quadros estratégicos’ ou ‘jovens promissores’ e aqueles que não fazem parte desse grupo. “O maior risco está na forma como dizemos a 50 quadros que temos uma abordagem diferenciada e a mais uns quantos que não fazem parte desta pool”, refere Pedro Rocha e Silva. “Ou não dizemos e eles acabam por sentir (essa diferenciação), porque, de repente, não vão para a sala de formação avançada que os colegas foram, às tais reuniões ou ao pequeno-almoço com os quadros de topo… É, obviamente, um risco.”
Fazer com que a diferenciação seja visto pela positiva – e que não se confunda com discriminação – não é, contudo, tarefa fácil. A comunicação é aqui o segredo do sucesso. “A comunicação é um tema muito sensível e tem de ser muito bem preparado para que quem não vai não sinta que está a ser menosprezado, mas que é possível fazer mais e saiba exatamente o que pode fazer para chegar ao tal grupo de elevado potencial. Isso é o que cria uma dinâmica positiva na organização. É fazer com que queiram estar lá, sem sentirem que estão a ser postos de lado.” Tal como numa equipa de futebol, “como é que garantimos que os suplentes estão motivados?”. “Têm de sentir que é possível chegar lá e têm que saber, de forma absolutamente clara, quais são as regras e os critérios para determinar quem é que está a jogar na equipa principal.” Se isso não for claro, os riscos são “tremendos”.
O chairman da Boyden Portugal, está de acordo. Os potenciais perigos revolvem-se se houver “cuidado na forma como se divulga a iniciativa, se escolhem as pessoas e na explicação do pretendido”. Assim, “esse efeito negativo pode ser menor”.
Não basta acompanhar os gestores de topo, há que fazer sessões intermédias por forma a analisar a experiência, preferencialmente por um coach especializado.
É preciso saber, também, gerir as expectativas dos jovens expostos a estas realidades, ao mesmo tempo que se tem um programa bem estruturado de aprendizagem associado. “Não basta acompanhar os gestores de topo, há que fazer sessões intermédias por forma a analisar a experiência, preferencialmente por um coach especializado”, explica Fernando Neves de Almeida.
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CEO Sombra. Assim se prepara a futura liderança nas organizações
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