A Alemanha e os FSRUs. Querer é poder, e quando se tem dinheiro é mais fácil

Tendo a transição energética uma urgência que já poucos questionam, a pergunta que se coloca é porque motivo as coisas não acontecem mais depressa.

Até há um ano pouco se tinha ouvido falar de FSRUs (“Floating Storage a Regasification Units”). Hoje simbolizam a independência energética da Alemanha. Tornaram-se um testemunho da capacidade de execução da Alemanha e um motivo de orgulho para o País. Que o que o fez esquecer desaires como o da construção do Aeroporto de Berlim.

A Alemanha tinha uma enorme dependência do gás natural que importava da Rússia. Quando a invasão da Ucrânia ocorreu, ficou numa situação que parecia dramática.

Para nos apercebermos da dimensão do problema, a Alemanha importava da Rússia 75 bcm de gás natural por ano, 55 dos quais através do gasoduto Nord Stream 1. 1 bcm (“billion cubic meters”) são aproximadamente 10 TWh. Uma unidade enorme. Para referência, Portugal consome 50 TWh de eletricidade por ano.

Para dispensar os 75 bcm/ano de gás russo, a Alemanha decidiu resolver o problema por si e apostar na importação de gás natural liquefeito (LNG). O gás natural tem isso de bom: Arrefecido a -162 grau C, torna-se líquido e o seu volume contrai 600 vezes, o que possibilita o seu transporte eficiente, em navios próprios para o efeito, os metaneiros, dispensando os gasodutos.

O LNG implicou para a Alemanha uma logística complicada, pois um metaneiro transporta apenas 0,1 bcm. Para assegurar a entrega dos 55 bcm/ano que o “Nord Stream 1” transportava, seria preciso recorrer a cerca de 550 transportes por navio, ao longo do ano.

A Alemanha, que não dispunha de nenhum terminal de receção de LNG, teria também de os construir. Para referência, o terminal LNG de Sines dispõe de uma capacidade de receção de cerca de 8 bcm por ano. Para substituir o Nord Stream 1, seria assim necessário poder dispor pelo menos de 7 terminais iguais ao de Sines. Problema que, à partida, não parecia resolúvel em tempo útil.

O objetivo definido pela Alemanha foi poder dispor de uma capacidade de importação de LNG de 37 bcm/ano em 2024 e o dobro em 2028.

A forma de o viabilizar em tempo útil foi recorrer a FSRUs. Os FSRUs (“Floating Storage a Regasification Units”) são navios, muitas vezes antigos metaneiros, transformados para fazer o que um terminal LNG como o de Sines assegura. Ficam atracados num cais preparado para receber o gás natural.

Os metaneiros encostam ao FSRU e o LNG é transferido do metaneiro para o FSRU onde fica armazenado. O metaneiro segue para o seu destino e o FSRU vai gasificando o LNG que é injetado na rede local.

A Alemanha não brinca sem serviço. Apostou logo em construir 10 terminais de receção de LNG. Destes, 6 são FSRUs. Os dois primeiros Wilhelmshaven e Lubmin já estão em operação. O de Brunbuetel atracou ao cais de ligação na passada sexta-feira.

Estes três terminais têm uma capacidade total de 13,5 bcm/ano. Com os três FSRUs adicionais, que serão instalados até ao final de 2023, a Alemanha passará a ter uma capacidade total de 37 bcm /ano.

Para comparação, o gasoduto MidCat entre Espanha e França teria uma capacidade de apenas 7,5 bcm/ano, iria levar anos a construir e teria um impacto limitado. Macron tinha razão ao dizer que o MidCat não era a solução.

Há um conjunto de projetos estruturais, que recorrem a tecnologias maduras e que permitiriam um salto quantitativo na viabilização da transição energética. Dos quais se fala, mas que não se concretizam. Como exemplo, um sistema elétrico com muita energia renovável precisa de estar bem interligado. Muitas das interligações entre os países europeus não estão à altura do desafio. A solução poderia ser estabelecer uma rede a Muita Alta Tensão (“UHV”) sobreposta às atuais redes europeias. A China está a fazê-lo desde 2009.

O que se deve concluir é que querer é poder, e se ainda por cima existe dinheiro as coisas acontecem mesmo. Um exemplo para a Europa. Tendo a transição energética uma urgência que já poucos questionam, a pergunta que se coloca é porque motivo as coisas não acontecem mais depressa.

Há um conjunto de projetos estruturais, que recorrem a tecnologias maduras e que permitiriam um salto quantitativo na viabilização da transição energética. Dos quais se fala, mas que não se concretizam. Como exemplo, um sistema elétrico com muita energia renovável precisa de estar bem interligado. Muitas das interligações entre os países europeus não estão à altura do desafio. A solução poderia ser estabelecer uma rede a Muita Alta Tensão (“UHV”) sobreposta às atuais redes europeias. A China está a fazê-lo desde 2009.

Como segundo exemplo, um sistema com muita energia renovável precisa também de mecanismos de flexibilidade. A Europa, que inventou a telefonia móvel, teria grande vantagem em promover a tecnologia IoT para construir uma verdadeira “energy web” que possibilite o controlo em tempo real de uma multiplicidade de consumos. O que teria a vantagem adicional de alavancar a indústria europeia.

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