Mais de 90% dos contratos da Jornada Mundial da Juventude adjudicados sem concurso

Nove em cada dez contratos relativos ao encontro do Papa em Lisboa estão a ser feitos por ajuste direto ou consulta a lote restrito de fornecedores. Evento custa mais de 80 milhões aos contribuintes.

A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2023, agendada para os dias 1 e 6 de agosto na capital portuguesa, vai custar mais de 80 milhões de euros ao erário público, com as despesas a serem repartidas entre o Governo e as autarquias de Lisboa e de Loures, que partilham o terreno a norte do Parque das Nações, na margem ribeirinha do Tejo, onde vão acontecer as principais cerimónias e será instalado o polémico altar-palco com 5.000 metros quadrados e nove metros de altura, com capacidade para acolher 2.000 pessoas em simultâneo.

A pouco mais de seis meses do início daquele que é o maior encontro de jovens católicos de todo o mundo com o Papa, as entidades públicas começam agora a acelerar a execução da despesa. Dos 28 contratos identificados pelo ECO, a partir dos documentos publicados no Portal Base, num total de gastos superior a 25 milhões de euros, 93% foram feitos sem concurso. A maior parte por ajuste direto (22) e os restantes quatro por consulta prévia, um procedimento em que um mínimo de três empresas são convidadas a apresentar proposta.

Em valor, estas adjudicações condicionadas correspondem a mais de 60% do total. A modalidade de ajuste direto foi inclusive usada em alguns dos maiores contratos, como os dois principais relativos à construção e cobertura do altar-palco, decididos nas últimas semanas pela empresa municipal Lisboa Ocidental, SRU — Sociedade de Reabilitação Urbana; ou na empreitada que, em março de 2022, foi entregue pela Infraestruturas de Portugal à Mota-Engil para libertar parte do complexo logístico da Bobadela para aquele espaço poder acolher as 1,5 milhões de pessoas esperadas no evento com o Papa Francisco.

Estaleiro de obras onde vai decorrer a Jornada Mundial da Juventude no Parque das Nações, em Lisboa. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

Dos documentos consultados pelo ECO, só dois foram adjudicados por concurso público. O mais antigo, logo em junho de 2021, pela EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, que acabou por ser vencido pela construtora ABB e que diz respeito à construção de uma ponte ciclo pedonal sobre o Rio Trancão, no valor de quase três milhões.

Já em abril de 2022, depois de um concurso limitado por prévia qualificação em que participaram as concorrentes ABB, Manvia, Mota-Engil, Conduril e Vibeiras, a construtora Oliveiras – fundada em 1981, tem sede na Batalha e emprega 240 pessoas – assinou por quase sete milhões de euros a requalificação do aterro sanitário que acolhe as celebrações no próximo verão.

O recurso ao ajuste direto acabou por ser incentivado pelo Governo liderado por António Costa, que nos últimos Orçamentos do Estado incluiu um artigo específico sobre contratos relativos à “organização, programação, conceção e implementação” da JMJ, permitindo às entidades públicas a escolha direta de fornecedores em empreitadas até cinco milhões de euros e serviços até 400 mil euros – além de os dispensar de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas e de não serem considerados para o limite da dívida. Segundo o Código dos Contratos Públicos, o recurso ao ajuste direto está limitado a 30 mil euros, excetuando casos urgentes ou em que os concursos fiquem desertos.

Inicialmente prevista para 2022, mas adiada devido à pandemia de Covid-19, esta edição da Jornada Mundial da Juventude já tem mais de 400 mil jovens inscritos, segundo os dados divulgados na semana passada pelo Vaticano. Nasceram por iniciativa do Papa João Paulo II, na sequência do sucesso do encontro promovido em 1985, em Roma. Depois da estreia na capital italiana, já passaram por Buenos Aires (1987), Santiago de Compostela (1989), Czestochowa (1991), Denver (1993), Manila (1995), Paris (1997), Roma (2000), Toronto (2002), Colónia (2005), Sidney (2008), Madrid (2011), Rio de Janeiro (2013), Cracóvia (2016) e Panamá (2019).

“Lucro” prometido de 270 milhões

Dos mais de 80 milhões de euros orçamentados, a maior fatia é atribuída pelo próprio Governo português, que em outubro do ano passado reforçou o compromisso financeiro com o evento em 20 milhões, elevando para 36,5 milhões de euros, mais IVA, a estimativa dos gastos que planeia ter. Ainda assim, como referiu na altura o gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, essas contas não incluíam ainda os custos com segurança, mobilidade ou saúde, entre outras, cuja fatura dependerá do total de participantes.

Já a Câmara de Lisboa estima gastar até 35 milhões de euros, nas contas de Carlos Moedas, tendo ainda na semana passada aprovado um empréstimo de médio e longo prazo, até 15,3 milhões, para financiar estes investimentos no âmbito da JMJ. E a autarquia de Loures planeia gastos de nove milhões de euros, com recurso igualmente a um empréstimo bancário que não contará para o endividamento do município. Finalmente, a Igreja, através da Fundação JMJ, tem uma previsão de gastos de 2,9 milhões de euros em 2022, financiados sobretudo por donativos e parcerias.

Altar-palco para a Jornada Mundial da Juventude vai custar mais de cinco milhões de euros. Marcelo quer que seja aproveitado para outros eventos, como a Web Summit

A repartição destes valores levou inclusive a um braço-de-ferro entre o autarca da capital, eleito pelo PSD, e o Executivo socialista. Culminou num acordo, anunciado no verão passado, para que o Estado central assumisse mais algumas tarefas e encargos financeiros que o antecessor, Fernando Medina, tinha aceitado, como a montagem de casas de banho, torres de iluminação e sistemas de som e multimédia. Juntaram-se às competências que o Governo já tinha assumido, como a segurança, a organização dos meios de transporte, a construção de hospitais de campanha e de uma ponte militar sobre o Rio Trancão ou a já referida retirada dos contentores da zona ribeirinha.

No outro prato da balança, o grupo de projeto do Governo para a JMJ avalia o retorno económico em cerca de 350 milhões de euros, um valor semelhante ao estimado para o mesmo evento realizado em Madrid. Em declarações proferidas no Parlamento, a 29 de novembro de 2022, o coordenador nomeado pelo Executivo, José Sá Fernandes, apontou para um benefício económico dessa “grandeza”, sublinhando nessa altura, perante os deputados da comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto que se trata do “maior evento que aconteceu alguma vez em Portugal, porque foi sempre o maior evento onde se realizou”.

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