Auditoria da IGF identifica 3,19 milhões em incentivos indevidos no Sifide

No que diz respeito à vertente indireta deste benefício fiscal, a IGF sublinhou um aumento “muito significativo” da despesa em I&D e aponta “vários aspetos críticos” no seu funcionamento.

A auditoria da Inspeção Geral de Finanças (IGF) ao sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (Sifide) identificou 3,19 milhões de euros de crédito fiscal indevido e por isso pede maior controlo. A auditoria, que vai ser entregue no Parlamento, concluiu que este incentivo fiscal é eficaz para promover o investimento privado em I&D, mas pede que sejam implementados mecanismos de monitorização e alerta para o “aumento muito significativo da despesa” com a via indireta do incentivo. Os deputados vão discutir na quarta-feira as alterações deste incentivo propostas pelo Executivo.

Em 2020, o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes pediu à IGF e à Autoridade Tributária e Aduaneira para levar a cabo um conjunto de auditorias específicas ao funcionamento do SIFIDE, tal como o ECO avançou, porque há muito que estavam identificados abusos ao nível dos investimentos indiretos. São comuns os anúncios dos fundos de investimento a apelar às empresas para aproveitarem o benefício fiscal, que lhes permite reduzir o IRC em 82,5%, tal como eram comuns as empresas fazerem spin offs de projetos de I&D para beneficiarem duplamente deste incentivo: através do fundo de capital de risco que criaram e através da participação que tinham nesse mesmo fundo.

Ora essa auditoria, a que o ECO teve acesso, revela que foram feitas várias operações de controlo pelos serviços da Autoridade Tributária, como direções de finanças (em especial Lisboa e Leiria), Unidade de Grandes Contribuintes. A IGF confrontou os valores declarados no Anexo D da declaração Modelo 22, com o crédito fiscal atribuído em candidaturas ao SIFIDE referentes aos exercícios compreendidos entre 2017 e 2020 (um total de 8.806 candidaturas) o que permitiu identificar 157 situações potencialmente irregulares relativas aos valores declarados pelos sujeitos passivos, no total de 5,64 milhões de euros. O cruzamento dessa informação permitiu detetar que 148 sujeitos passivos declararam crédito fiscal no montante de 4.81 mil milhões de euros, sem que tivessem apresentado qualquer candidatura e nove declararam crédito fiscal no montante de 828,45 milhões, apesar de as suas candidaturas não terem sido aprovadas.

E entre as 32 empresas que não tinham candidatura aprovada a IGF concluiu que em cerca de metade (16) “o crédito fiscal declarado era indevido (2,08 milhões de euros), por não existirem candidaturas ou as mesmas não terem sido aprovadas”. Por outro lado, entre 2017 e 2020, as empresas “deduziram indevidamente à coleta 1,14 milhões de euros, restando ainda 950 mil euros, para dedução em exercícios futuros, situações que devem ser objeto de análise e correção por parte da AT”, sublinha a IGF.

“Estes valores de crédito fiscal indevido, e de indevida dedução à coleta, resultam do exercício do contraditório por parte da AT e da realização de correções em algumas das situações que tinham sido identificadas em sede de projeto de relatório, as quais ascendiam, respetivamente, a 3,19 milhões de crédito fiscal indevido e a 1,84 milhões indevidamente deduzidos à coleta no período 2017-2020”, lê-se ainda no relatório que sublinha que “algumas das quais já [foram] regularizadas”.

Tendo em conta a “tendência sustentada de aumento da despesa fiscal do Sifide” – entre 2017 e 2020 (passou de 137,2 milhões para 396,4 milhões) e estima-se “um elevado impacto desta despesa durante o prazo legal de dedução (oito anos), face ao saldo de crédito fiscal transitado em 2020 (448,55 milhões) –, a IGF sugere “uma maior incidência do controlo tributário e a definição pela AT de metodologias de análise do benefício” e que sejam “assegurados mecanismos de monitorização para uma análise mais detalhada e uma avaliação mais sustentada do impacto do Sifide”.

A IGF defende também que haja uma adequada articulação entre o Fisco e a Agência Nacional de Inovação (ANI) “na fiscalização do valor das despesas de I&D apresentadas pelas empresas”. “A ANI considera que apenas tem condições de realizar uma validação qualitativa das despesas apresentadas pelas empresas e a AT considera que a validação do montante das despesas deve ser realizada pela ANI, limitando-se, em regra, a controlar os valores de benefício deduzidos face aos aprovados pela ANI e os valores a reportar para os exercícios seguintes”, uma situação que a IGF entende que deve ser corrigida.

IGF aponta “aspetos críticos” ao funcionamento da via indireta

No que diz respeito à vertente indireta deste benefício fiscal, a IGF sublinhou um aumento “muito significativo” da despesa em I&D “de 2017 para 2020, ao nível do número de candidaturas com contribuições para fundos (de 56 para 1.067), do valor das despesas com contribuições (de 11 milhões para 406 milhões) e da representatividade do montante aplicado em Fundos de Capital de Risco no total do financiamento extramuros (de 16% para 87%)”. Para além de ter identificado “vários aspetos críticos” no seu funcionamento:

  • Atribuição de crédito fiscal a projeto de I&D por via da execução (vertente direta), quando o mesmo já beneficiou do Sifide por via do financiamento (vertente indireta);
  • prazos para a realização e concretização do investimento, os quais, face à realidade e prática constatadas são demasiado extensos e podem conduzir a maior morosidade na realização dos objetivos visados pelo regime;
  • ausência de limites no valor das contribuições para os fundos, o que acentua a já elevada atratividade deste investimento;
  • definição do conceito de empresa dedicada a I&D, que não permite o acesso de pequenas e médias empresas que ainda se encontram numa fase de desenvolvimento do negócio e/ou que ainda não registem vendas ou prestações de serviços, as quais podem apresentar maiores dificuldades de acesso a fontes de financiamento, mas que abrange grandes empresas, inclusivamente pertencentes a grupos económicos.”

De sublinhar que as alterações já propostas pelo Executivo, que tornam mais apertadas as regras de utilização deste incentivo, respondem precisamente a alguns dos problemas identificado. As empresas passam a ser obrigadas a deter as unidades de participação no fundo durante dez anos e não cinco como até aqui. Aumenta a exigência da percentagem mínima do investimento do fundo em empresas dedicadas a I&D de 80% para 90%, mas reduz os prazos de investimento pelo fundo nestas empresas de cinco para três anos.

O objetivo é garantir maior celeridade na execução dos projetos e por isso esta redução de prazos também se aplica às próprias empresas de I&D na concretização dos projetos. Deixam de ser elegíveis os investimentos indiretos para operações entre entidades com relações especiais e deixa de se aplicar a taxa incremental para o investimento indireto. Propostas que o Parlamento vai discutir em plenário esta quarta-feira.

O ministro da Economia, na discussão da proposta do Orçamento do Estado para 2023, tinha anunciado o fim dos incentivos para o investimento em I&D por via indireta, mas foi desmentido duas semanas depois pelo então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no Parlamento na sua audição no âmbito da discussão do OE 2023 na especialidade. A opção do Executivo foi avançar com um ajuste das regras para evitar abusos.

E tendo em conta estes “aspetos críticos”, a IGF sugere que “a implementação de uma estratégia de análise de risco e o desenvolvimento de metodologias de controlo da execução dos projetos de I&D por parte da ANI”, a entidade que certifica a idoneidade dos projetos em que é possível investir e dos fundos através dos quais esse investimento pode ser feito.

A IGF arrasa mesmo a atuação da ANI. O controlo realizado pela ANI evidencia várias insuficiências: ausência de estratégia de análise de risco, inexistência de procedimentos de controlo da execução dos projetos de I&D, não realização de auditorias tecnológicas desde 2015, desatualização do manual de aprovação de candidaturas, ausência de manual relativo ao processo de reconhecimento da idoneidade para a prática de atividades de I&D e insuficiente fundamentação da elegibilidade das despesas”, lê-se no relatório.

“Em nossa opinião, os montantes envolvidos e a especificidade e complexidade das atividades de I&D justificam uma estrutura de análise mais robusta e sustentada por parte da ANI”, conclui o documento.

Veja os principais fatores de risco que a IGF identificou no seu relatório:

  • Atribuição do incentivo fiscal sem que seja gerado valor acrescentado nas atividades de I&D, designadamente, ao nível dos resultados e do emprego;
  • Dificuldade de quantificar a despesa fiscal potencial, durante o prazo legal para a dedução, na medida em que a utilização do benefício depende da coleta das empresas;
  • Não aplicação dos montantes obtidos pelos fundos de investimento junto dos seus participantes, no financiamento das empresas de I&D, ou não utilização desse capital em atividades de I&D por parte das empresas;
  • Insuficiências na articulação entre as entidades que intervém no funcionamento do SIFIDE, designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Agência Nacional de Inovação, SA (ANI);
  • Insuficiência dos procedimentos de reconhecimento pela ANI, bem como do controlo desenvolvido pela AT quanto à dedução do benefício fiscal (BF).

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Auditoria da IGF identifica 3,19 milhões em incentivos indevidos no Sifide

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião