ChatGPT “põe em causa muitas profissões” e desafia as universidades
O dean da Nova SBE admite que o ChatGPT é um "desafio" para as universidades e "põe em causa muitas profissões", incluindo a dos professores, com estas novas soluções de inteligência artificial.
O dean da Nova School of Business & Economics (Nova SBE) afirma, em entrevista à Lusa, que o ChatGPT é um “desafio” para as universidades e “põe em causa muitas profissões”, dos professores aos jornalistas, com estas novas soluções de inteligência artificial (IA). Pedro Oliveira, no cargo desde 19 de janeiro, considera que o ChatGPT “está de facto a causar um grande impacto em muitas indústrias”, onde se inclui o ensino e a formação.
Isto porque “de repente existe um sistema de comunicação com quem é possível manter uma conversa por escrito, a quem fazemos perguntas e que nos dá respostas tipicamente de forma mais rápida e até com, digamos que, em média, maior qualidade do que aquela, por exemplo, que nos dão pessoas quando as submetemos a um exame ou quando tentamos falar com elas”, afirma o diretor da Nova SBE.
Para quem se interessa por tecnologia, este chatbot “é um desenvolvimento incrível, mas levanta tantas dúvidas” e “tantas questões”, porque “altera a forma como fazemos tantas coisas”, afirma. “Hoje andamos a falar da inteligência artificial associada a ler imagens de ressonância magnética, mas também a condução autónoma de carros. Afinal, se calhar, em breve, podemos mesmo ir para casa sem irmos preocupados em conduzir o carro”, antevê.
O ChatGPT abre “um leque tão grande de possibilidades que, dos artistas aos músicos, aos professores, aos jornalistas, aos médicos radiologistas, acho que temos todos alguns motivos para estar um bocadinho ansiosos em relação àquilo que vai acontecer“, antecipa Pedro Oliveira.
Neste caso, a inteligência artificial “chegou à produção de respostas”, este sistema “permite-nos ter uma conversa bastante inteligente” e “há quem diga que é muito mais inteligente ter conversas com o ChatGPT do que com algumas pessoas e obter respostas interessantes e bem fundamentadas, às vezes com alguns erros”, diz Pedro Oliveira.
Dos artistas aos músicos, aos professores, aos jornalistas, aos médicos radiologistas, acho que temos todos alguns motivos para estar um bocadinho ansiosos em relação àquilo que vai acontecer.
Num “curto espaço de tempo” a versão ChatGPT 3.5 ganhou destaque — e até já se anuncia para breve o 4.0 –, o que “significa que vem aí, de facto, uma revolução que põe em causa muitas profissões como a nossa, de formadores e de pessoas que, por exemplo, têm que avaliar o conhecimento de alunos, sendo cada vez mais difícil perceber se aquele conhecimento é original ou se foi uma máquina que produziu“, avisa o diretor da Nova SBE. “Se calhar para as universidades é o principal desafio”, mas noutras indústrias também há desafios, admite.
Nas universidades “já tínhamos alguma tecnologia para detetar se aquela informação era plagiada”, mas agora “torna-se muito mais difícil” porque “a narrativa que é produzida pelo ChatGPT é parecida, é inspirada na narrativa humana”, explica. “Sabemos hoje que é possível responder a perguntas de exames através do ChatGPT”, avisa, dando o exemplo da cadeira de gestão de operações, em que na Wharton Business School, da Universidade da Pensilvânia, “foi dado ao computador o exame que normalmente seria dado aos alunos”.
E o “computador passou, ou seja, o ChatGPT deu respostas certas”, tal como também passou no acesso à profissão de advogado nos Estados Unidos, apontou. “Começamos a perceber que é muito assustador, porque de facto é um desafio novo para nós”, porque se tiver de corrigir um exame não é fácil saber quem o fez: o aluno ou a máquina, o que levanta desafios tais como como será feita a avaliação a partir de agora, comenta.
Na Dinamarca, onde tem trabalhado e vivido, “a recomendação é que os exames passem a ser cada vez mais baseados em orais, em vez de ser tudo escrito”, refere. “Se tivermos capacidade de fazer exames orais aos nossos alunos, aí percebemos que é aquela pessoa que está à nossa frente que está no fundo a transmitir-nos aquele”, argumenta. E como é que isso se resolve em Portugal? “Não existe ainda uma resposta muito completa a isso”, afirma.
Um dos caminhos das universidades “é negar, proibir”, esta é a tentação “quando somos confrontados com uma inovação, com uma ideia diferente, que pode ser disruptiva do nosso modus operandi“, prossegue. Na escola secundária da filha, na Dinamarca, onde os alunos começaram a submeter trabalhos coproduzidos pelo ChatGPT, “a imediata resposta foi — e compreensível de certa maneira — proibir”, conta
Agora, “não podemos estar sempre a proibir o acesso às novas tecnologias”, defende, referindo que o que está a acontecer neste momento não é muito diferente do advento da Internet e motores de busca. “Existe aqui um misto de sentimentos: por um lado, queremos abraçar todas estas novas tecnologias, por outro lado, elas são quase assustadoras, portanto, hoje já se fala nessa hipótese do ChatGPT ser coautor” de ‘papers’ académicos, adianta o ‘dean’.
“Há aquelas pessoas que ainda estão quase em negação e que hoje, quando escrevem um artigo para um jornal escrevem por baixo a dizer que este artigo foi produzido sem qualquer recurso a ChatGPT. O que eu penso que não é sustentável a longo prazo, porque o que faz sentido é fazer — eu próprio acho que já fiz isso — escrever artigos e dizer este artigo foi escrito parcialmente ou ou pelo menos com suporte de ChatGPT, porque não há nenhum mal nisso”, argumenta Pedro Oliveira.
Aliás, “hoje é completamente aceitável socialmente que antes de eu escrever um artigo faça algumas pesquisas online para perceber qualquer tema e, portanto, se eu faço isso com os motores de busca, certamente vou poder e até dever poder fazer isso a curto prazo com outro tipo de tecnologias, nomeadamente a inteligência artificial”, considera.
Com o ChaGPT, que até ao momento está disponível gratuitamente, é possível ter uma conversa “dita inteligente”, com quem se pode “aprender” ou “estudar” e isso “é bastante diferente daquilo a que estávamos habituados”, sublinha.
O “fascínio” pelo ChaGPT vem “do facto de que, de repente, a máquina começa-se mesmo a substituir o homem”, considera Pedro Oliveira. Isto “já não é novo” porque já se assistia à máquina a substituir o homem em “atividades de menor valor acrescentado”, como por exemplo em fábricas, mas hoje “não é assim”.
“Já são profissões de indivíduos mais sofisticados que tiveram que estudar durante mais anos. São médicos agora que estão a ser (…) desafiados em relação ao ChatGPT, profissões como professores universitários, jornalistas, que de repente, podem ver o ChatGPT a escrever as suas próprias peças, os seus próprios artigos, artistas, porque de repente é possível fazer poemas”, enfatiza Pedro Oliveira.
De uma forma geral, “quase todas as profissões (…) têm algum risco associado”, diz, dando o exemplo do que acontece com os radiologistas.“A melhor maneira de ler uma imagem médica produzida por uma ressonância magnética já é uma máquina, não é um médico. Não é o radiologista, necessariamente, que me dá o melhor resultado, porque a máquina tem a capacidade de aprender. Se calhar a máquina já leu milhões de imagens (…) e percebeu quais eram os tumores malignos e benignos”, aponta.
Aquilo que antes era feito “por pessoas, por médicos que estavam ali, pacientemente, a analisar as imagens, hoje a mesma resposta é-me dada por uma máquina de forma muito mais fidedigna” e aí “a máquina já substitui mesmo homem e agora até o radiologista”, sublinha.
A Comissão Europeia “já aprovou a utilização deste tipo de leituras para informar doentes, em particular quando os casos não são muito complexos”. Perante isto, a questão que fica no ar é: “Será que vamos mesmo todos ser substituídos por por máquinas?”.
“Não há nada como experimentar”
O dean da Nova SBE afirma, por outro lado, que “não há nada como experimentar” o ChatGPT para perceber as “potencialidades” e anunciou que a instituição vai realizar conferências em março sobre inteligência artificial (IA). Questionado sobre o que aconselharia a quem ainda não utilizou a solução de IA da OpenAI, Pedro Oliveira é perentório: “Diria que em primeiro lugar não há nada como experimentar”.
Com um browser “qualquer pessoa pode aceder ao ChatGPT”, que foi produzido pela OpenAI – Open Artificial Intelligence – e o “objetivo dessa inteligência dessa empresa é produzir modelos que sejam úteis à sociedade e torná-los acessíveis de forma gratuita e, portanto, nada como as pessoas experimentarem”, reforça o diretor da Nova SBE.
E se experimentarem “vão perceber as potencialidades daquele tipo de serviço”, sublinha Pedro Oliveira. “O que nós hoje, penso eu, temos que começar a dizer, por exemplo, nas universidades, aos nossos professores que ainda estão menos familiarizados com esta tecnologia é que têm que experimentar, têm que conhecer. E depois têm que pensar que implicações é que isto tem para as atividades deles”, defende, salientando que uma instituição universitária norte-americana foi uma das primeiras a avançar “com uma política ativa de incentivar os seus professores a familiarizarem-se com esta tecnologia”, conta.
Isso serve também para “incentivar os seus professores a repensar a forma como, por exemplo, avaliam os seus alunos, como é que vão garantir que quando se avalia o aluno estamos mesmo a avaliar o aluno, o conhecimento original que é transmitido pelo aluno e não o conhecimento que nos é transmitido por uma máquina”, explica Pedro Oliveira. Todas estas experiências “são agora muito importantes” e porque o tema da inteligência artificial é relevante a Nova SBE vai contribuir para o debate com conferências sobre o tema já em março.
O que é que as empresas e os colaboradores devem fazer em relação ao ChatGPT? “A minha principal recomendação é essa: antes de mais informem-se, experimentem, experimentem por vocês, não se deixem só assustar por aquilo que leem e depois vão ver que é fabuloso”, reforça. Para Pedro Oliveira, “não há volta a dar” a sistemas como o ChatGPT: “Acho que tentar parar isto é tão produtivo, é tão eficiente como tentar parar o vento com as mãos”.
A Nova SBE vai realizar debates sobre o tema, em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (Nova Medical School), a 1 e 23 de março. Esta parceria surge “porque também são muitos os desafios para a saúde, mas para nós, no ensino, para nós, na economia, nos negócios, os desafios são gigantescos”, insiste Pedro Oliveira. Nestes debates vão estar presentes especialistas, profissionais da área da saúde, entre outros, para discutir “precisamente as implicações desta nova tecnologia”.
Aliás, “apesar de todos os desafios que vislumbramos que temos pela frente, este é um tema absolutamente fascinante e acho que a universidade tem que fazer aquilo que sempre fez: que é abraçar novo conhecimento, abraçar os novos desafios, abraçar esta nova tecnologia, enquadrá-la nas suas atividades, seja de investigação, seja de ensino, garantir que constrói em cima disso para produzir melhor conhecimento e conhecimento que permite às universidades aumentar ainda o seu o seu impacto”, defende o dean. E “esperamos que, com isto, um impacto positivo na sociedade de escolas como a nossa seja ainda maior”, remata.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
ChatGPT “põe em causa muitas profissões” e desafia as universidades
{{ noCommentsLabel }}