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Uma economia mais verde através do Mercado e do Indivíduo

O ensaio "Uma economia mais verde através do Mercado e do Indivíduo" foi distinguido com o 1º prémio num concurso promovido pelo +Liberdade sobre Ambientalismo de Mercado.

De acordo com projeções da ONU, a população global atingirá os 8,5 mil milhões em 2030 e 9,7 mil milhões em 2050, sendo que o atual estilo de vida médio da população exige recursos em quantidades não sustentáveis. De facto, seriam necessários quase três planetas para fornecer os recursos naturais necessários à manutenção dos padrões de vida correntes. Este é um desafio ambiental preocupante, pois as atuais disponibilidades de recursos não são suficientes para atender às necessidades crescentes.

No seguimento da 27ª Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP27) e das manifestações das alterações climáticas que se têm vindo a verificar por todo o mundo, é importante discutir de que maneira pode a economia de mercado atuar, o possível papel dos Estados, e da célula da sociedade, o indivíduo. Como poderá a economia global equilibrar a necessidade de proteger o meio ambiente com o crescimento económico?

Neste ensaio são inicialmente abordados o Mercado e o Estado à luz da teoria económica, com ênfase no Teorema de Coase, que apresenta aplicações práticas transversais a vários setores, exemplificadas com o Mercado de Carbono Europeu e o Mercado Piscatório da Nova Zelândia. De seguida, é apresentado um mecanismo de mercado que atende às preocupações ambientais, no Mercado de Eletricidade. Finalmente, será discutida a importância do Indivíduo como agente de mudança no contexto da sustentabilidade ambiental.

1. O Mercado e o Estado

1.1. Teoria Económica e Abordagem Ambiental

O Teorema de Coase é uma abordagem considerada, pela economia mainstream, como eficiente frente à problemática ambiental. Este Teorema sugere que, com direitos de propriedade bem definidos e sem custos de transação, o mercado pode resolver eficientemente problemas de externalidades sem intervenção do Estado. No entanto, o Estado é imprescindível para assegurar a manutenção e salvaguarda dos direitos de propriedade.

As alterações climáticas são um exemplo de externalidade negativa, já que a emissão de gases de efeito estufa (GEE) por parte de indústrias e outras atividades impacta negativamente o clima e o meio ambiente. A problemática ambiental como um todo, incorporando as alterações climáticas, pode encontrar no Teorema de Coase respostas a alguns dos problemas.

Em alternativa, as taxas pigouvianas apresentam-se como outra conceção económica que visa corrigir falhas de mercado resultantes em externalidades negativas. Estas incidem sobre atividades de mercado que geram custos externos não refletidos no preço de mercado. O objetivo dessas taxas é internalizar esses custos, ou seja, fazer com que as partes envolvidas na atividade poluidora suportem os custos, em vez de a sociedade como um todo. Por outro lado, os subsídios pigouvianos podem ser usados para internalizar externalidades positivas, exemplificado na terceira secção deste ponto.

Apesar de importante economicamente, a teoria das externalidades pigouviana não é desenvolvida neste ensaio, pois pressupõe uma maior intervenção do Estado nos mercados.

De qualquer modo, estes são sem dúvida tempos excitantes e importantes para os que acreditam que existe um bom casamento entre políticas públicas e reguladores, e mercados e inovações.

1.2. Teorema de Coase: Da Teoria à Prática

Um dos mais polémicos casos práticos desta aplicação são os mercados de licenças de carbono. Através deste mecanismo, são emitidas e atribuídas licenças de carbono a empresas numa indústria onde a redução das emissões é desejada. Estas licenças dão a cada empresa o direito de produzir emissões de GEE acordo com o número de licenças que possui. No entanto, o número total de licenças emitidas é limitado e deverá decrescer anualmente.

Isso significa que algumas empresas não poderão poluir tanto quanto gostariam, sendo, portanto, forçadas a reduzir as suas emissões ou a comprar licenças a outras empresas que conseguiram manter as suas emissões abaixo do limite disposto, lucrando estas últimas. O objetivo final é promover a redução das emissões de GEE de uma forma economicamente eficiente.

Segundo o Vijay Vaitheeswaran, editor global de energia e inovação climática do The Economist, o preço no mercado secundário destas licenças no sistema europeu, deverá situar-se entre os 50€ e 100€2, de modo a cumprir as metas ambientais. Desde Abril de 2021, que o preço está acima do limiar mínimo e cada vez mais próximo de 100€.

Um problema neste sistema é a possibilidade de as empresas moverem a sua produção para mercados onde não existem metas tão rígidas na redução de emissões. Isto conduz à diminuição do impacto das regulamentações de emissão nos locais onde elas foram implementadas. Por isso, é necessário que haja uma abordagem coordenada entre governos e empresas, de modo a garantir que as empresas não se desloquem facilmente para outros lugares, escapando a estas regulamentações.

Em dezembro de 2022, foram revistas algumas características deste mercado de elevada relevância, chegando ao acordo CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism). Este é uma política comercial que tem por objetivo ajudar a proteger os produtos mais sustentáveis, de uma concorrência “desleal”: os produtos produzidos de maneira menos limpa3. Efetivamente, outros países têm considerado instituir mercados similares ao europeu, como proposto pelo Liberal Party no Canadá, por exemplo.

Para além disto, os países com melhor desempenho e que mais resultados estão a obter são os de economias de mercado e não economias de planeamento central, como apresentado pelo Instituto +Liberdade. Embora correlação não seja causalidade, existe um indício de que maior liberdade económica pode ajudar ao combate da problemática ambiental, sendo o mercado um meio para atingir esse fim.

Para além desta, outras aplicações são possíveis. A título de exemplo, a Nova Zelândia desenvolveu um mercado piscatório de quotas individuais transferíveis com semelhanças ao mercado de carbono, evitando políticas mais restritivas, aumentando a eficiência e por isso tendo apresentado bons resultados.

Estas práticas admitem assim as características do Teorema de Coase. Em primeiro lugar, os direitos de propriedade estão bem definidos o que permite o bom funcionamento do mercado, juntamente com menores custos de transação do que anteriormente, o que incentiva à negociação entre as partes6.

1.3. Mercado de Eletricidade: Uma Transição Energética Sustentável

Por outro lado, sabendo que empresas procuram a criação de valor com o menor custo possível, estas procurarão diminuí-los seguindo os incentivos que o mercado dá, como por exemplo o custo da eletricidade.

Analisando os Day ahead electricity prices, verifica-se que estes são substancialmente mais baixos na Península Ibérica, sobretudo em Portugal, que no resto da Europa. Isso tem sido observado principalmente nos últimos meses de 2022.

Este fenómeno deve-se principalmente à produção de energia por fontes renováveis, nomeadamente hídrica, na reta final de 2022. Sendo ainda assim um fator conjuntural, poderá tornar-se estrutural com a contínua aposta nestes meios de produção.

Apesar de este o ser preço do produtor, e não do consumidor (devido ao imbróglio fiscal8, que muitas vezes destrói esta vantagem), poderá existir aqui uma vantagem competitiva. Oferecendo uma fonte de energia limpa e abundante, as energias renováveis podem ser mais baratas a longo prazo do que as energias geradas a partir de fontes não renováveis. Além disso, a produção de energias renováveis tem baixos custos de manutenção, pode ser produzida localmente, e tem preços mais estáveis a longo prazo.

As energias renováveis contribuem também para a redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), o que tem um impacto positivo no meio ambiente e na saúde pública. Por essa razão, a produção de energia renovável pode até ser incentivada fiscalmente, através de subsídios pigouvianos, a fim de internalizar as externalidades positivas que emana.

A competitividade de preços pode incentivar mais empresas a apoiarem a transição para fontes de energia renovável, o que pode levar à mudança da produção para países onde essas fontes são mais utilizadas. Isso pode pressionar outros países a adotarem práticas sustentáveis semelhantes.

Desta forma, por processos de mercado, abrem-se muitas portas para práticas sustentáveis e que combatem os problemas ambientais, sendo o mercado da eletricidade apenas um exemplo.

 

Figura 3- Day ahead electricity prices for 2022-12-15 (€/MWh)

2. O Poder do Consumidor na Construção de Uma Economia Mais V erde

Os consumidores são quem ordena o processo produtivo e que, em última instância, decide quais os produtos e empresas que serão bem-sucedidos ou que fracassarão. As preferências dos consumidores induzem mudanças nas indústrias, a que nenhum mercado ou setor está imune. Deste modo, o papel do consumidor no fomento da sustentabilidade de mercado é fundamental, dado que as suas decisões de compra têm o poder de impactar significativamente as práticas de produção das empresas.

A difusão da consciencialização ambiental tem feito com que os consumidores optem cada vez mais por produtos ecológicos e sustentáveis e procurem empresas que partilhem esta preocupação. Esta mudança de atitude não é apenas abstrata, já que as alterações climáticas, a degradação da qualidade do ar e o desflorestamento são problemas cada vez mais evidentes no nosso quotidiano.

De acordo com um relatório da The Economist Intelligence Unit, a pesquisa por produtos ecológicos registou um aumento de 71% nos últimos cinco anos 9. Este comportamento está também associado a uma maior disposição a pagar por produtos sustentáveis que pode ser motivado por valores morais dos consumidores, uma maior qualidade associada a este tipo produtos, ou a questões de saúde, por exemplo.

Além disso, uma pesquisa recentemente comissionada pela Google mostra que atualmente 66% dos consumidores procuram marcas sustentáveis, e 55% afirmam que estariam dispostos a pagar mais por produtos mais ecológicos 10.

De facto, se os consumidores optarem por não comprar de empresas com práticas insustentáveis e escolherem empresas comprometidas com a sustentabilidade, eles podem incentivar essas empresas a mudar as suas práticas para atender às suas expectativas. Por outro lado, surge também uma vantagem competitiva para negócios que estão dispostos a atender a essa procura, ou seja, aqueles que oferecem produtos sustentáveis e que priorizam a proteção ambiental.

A canalização do rendimento dos consumidores para produtos sustentáveis é um voto de confiança para as empresas que os produzem, incentivando-as a continuar a investir em práticas sustentáveis e a inovar para atender às preferências dos consumidores.

Porém, existem desafios que podem impedir as decisões de compra sustentáveis dos consumidores, tal como a falta de transparência sobre as práticas ambientais das empresas. Segundo a Deloitte, metade dos consumidores não sabe que compromissos assumiram as empresas em relação à sustentabilidade, ou simplesmente não confia nas empresas nestas questões 11.

De facto, acontece que muitas vezes os consumidores não estão cientes do impacto ambiental das suas escolhas e consequentemente não conseguem tomar as decisões mais responsáveis. Deste modo, é importante que que as empresas forneçam informações transparentes sobre os impactos ambientais dos seus produtos e serviços, de modo que os consumidores possam tomar decisões informadas e responsáveis. Além disso, os governos têm também um papel a desempenhar no assegurar da transparência das informações ambientais, através de regulamentações e padrões que exijam que as empresas forneçam essas informações de forma clara e acessível.

O lado da procura de mercado pode incentivar as empresas a criar produtos mais sustentáveis. Consumidores bem informados, cientes dos seus direitos, são capazes de defendê-los, priorizando produtos com rótulos verdes e ecológicos. O lado da oferta terá, por sua vez, de se adaptar a esta alteração das preferências, se quer assegurar a sua viabilidade económica.

Muitos consumidores reconhecem a urgência na adoção de comportamentos sustentáveis, número esse que aumentará com a intensificação dos problemas ambientais, visto que se tornará cada vez mais difícil negligenciá-los. As empresas e indústrias que não adotarem práticas sustentáveis correm o risco de ficar para trás no mercado.

Conclusão

A economia de mercado pode ser uma ferramenta poderosa para promover a mudança para uma economia mais sustentável, apesar das suas barreiras e limitações.

A transição para um futuro mais sustentável exigirá ação coletiva e coordenada dos governos, empresas e consumidores, de forma a mitigar impactos das problemáticas ambientais e criar um futuro mais sustentável.

Os consumidores têm o poder de conduzir o mercado em direção à sustentabilidade por meio das suas decisões de compra, defesa e apoio a empresas que priorizam a sustentabilidade. Ao usar a sua influência, os consumidores podem promover um futuro mais sustentável.

Bruno Lopes Mendes, Licenciatura em Economia, ISEG-UL
brunomendes545@gmail.com

Miguel Meneses de Almeida, Licenciatura em Economia, ISEG-UL miguelmenesesdealmeida@gmail.com

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