Mercados voluntários de carbono: “Greenwashing” ou instrumento para a valorização do território, combate às alterações climáticas e promoção do equilíbrio ecológico?

  • Rita Ferreira dos Santos
  • 9 Março 2023

Há que atender a estas críticas para aperfeiçoar os mercados voluntários de carbono, não para os dispensar como instrumento de combate às alterações climáticas.

A 8 de fevereiro, o governo colocou em consulta pública o diploma que institui um mercado voluntário de carbono a nível nacional, estabelecendo um enquadramento jurídico para as ações de compensação de emissões e para as contribuições financeiras a favor da ação climática, através da geração e transação de créditos de carbono certificados, bem como do registo dos projetos e dos créditos numa plataforma pública.

Os créditos de carbono transacionados em mercados voluntários não podem ser usados para cumprimento de obrigações europeias ou internacionais, destinando-se a organizações que pretendam desenvolver ações de compensação no âmbito dos seus compromissos ESG.

Os críticos de mercados voluntários dirão que a aquisição de tais créditos de carbono é uma operação de “greenwashing”, que apenas serve para aliviar consciências, sem que se obtenham efetivos benefícios ambientais. Apontam para a falta de controlo de qualidade dos projetos, para a inexistência de mecanismos uniformes de registo e contagem e para o facto de as empresas não reduzirem as suas emissões, limitando-se a pagar para poluir.

Julgo que há que atender a estas críticas para aperfeiçoar os mercados voluntários de carbono, não para os dispensar como instrumento de combate às alterações climáticas. O aumento da capacidade de sequestro de carbono é necessário para compensar as emissões residuais, que não possam ser reduzidas ou evitadas, e os projetos de sequestro podem ainda contribuir para a conservação dos recursos naturais, para combater a desertificação e para promover a biodiversidade. Assim, mecanismos que gerem incentivos económicos à sua concretização são, do meu ponto de vista, fundamentais.

Nos termos do diploma, a aquisição de créditos de carbono deve fazer parte de uma estratégia clara de descarbonização, devendo ser precedida da identificação e contabilização das emissões resultantes da atividade da organização. Os compromissos de neutralidade carbónica assumidos deverão ainda ter subjacentes um mecanismo transparente e verificável de contabilização e compensação de emissões, que permitam aferir o respetivo progresso.

Acresce que a admissibilidade de tipologias de projetos de carbono no mercado voluntário português dependerá da aprovação e publicação das correspondentes metodologias por parte de uma comissão técnica de acompanhamento, coordenada pela Agência Portuguesa do Ambiente (“APA”), que terão por base orientações internacionais. Tais metodologias deverão, pois, assegurar a credibilidade dos projetos de carbono admissíveis. Por outro lado, os projetos submetidos ao mercado voluntário de carbono não podem ser submetidos a outros sistemas de mercado análogos, sejam de âmbito nacional ou internacional.

A geração de créditos de carbono por um projeto ocorrerá na sequência de um processo de validação inicial, ou de verificação periódica, por parte de um verificador independente, devidamente qualificado (em conformidade com os critérios a estabelecer em portaria do membro do Governo responsável pela área da ação climática), sendo registados e transacionados na plataforma que irá ser desenvolvida e gerida pela APA. A plataforma deve permitir rastrear os créditos de carbono, garantindo-se a transparência do mercado e minimizando os riscos de dupla contagem.

O governo parece, assim, ter endereçado as principais críticas apontadas aos mercados voluntários de carbono, estabelecendo princípios e regras que visam salvaguardar a efetividade deste mecanismo como instrumento de valorização do território, de combate às alterações climáticas e de promoção do equilíbrio ecológico.

Devemos estar vigilantes e assegurar que a implementação prática do regime e do mercado cumprem os objetivos propostos, pois o tempo para responder à emergência climática, que é real, escasseia. Sejamos, todos, parte da solução!

(Nota: esta é a quinta coluna do Women in ESG Portugal para o ECO, e por meio deste canal pretendemos trazer conteúdos ligados ao ESG de forma descomplicada para a sociedade, na voz de mulheres que detém expertise técnica na área. Para mais informações, aceda ao site: www.winesgpt.com)

  • Rita Ferreira dos Santos
  • Sócia responsável pela área de Energia, Infraestruturas e Direito Público da CTSU – Sociedade de Advogados

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