Marcelo acredita que “há um aproveitamento da conjuntura” na inflação
O Presidente da República diz que o atual Governo arrancou com "desgaste" quase três meses depois das eleições, já em guerra, com uma "maioria cansada".
A maioria absoluta de António Costa nasceu “requentada” e “cansada” após umas eleições antecipadas “inesperadas”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, em entrevista conjunta à RTP e ao Público, no dia em que se assinalam sete anos desde que assumiu o cargo de Presidente da República.
O Chefe de Estado considera mesmo que o primeiro ano do Governo foi “praticamente perdido”, a começar com os três meses que separaram as eleições e a tomada de posse ou a queda do “ministro mais importante a seguir ao primeiro-ministro”, numa alusão a Pedro Nuno Santos. Assim, o executivo está a “gerir o dia a dia e não a olhar para o longo prazo”, com uma consequência: “O atraso do PRR”.
Os números da economia, no entanto, foram para Marcelo “melhores do que o esperado”, apesar da evolução dos preços que representam um “sacrifício dos mais pobres” e das taxas de juro que já apanham a “classe média”. No dia em que o ministro da Economia criticou as margens na distribuição, o presidente diz que existe o efeito direto do custo da energia, mas acredita também que existe uma segunda componente de “aproveitamento da conjuntura por quem vê aqui uma oportunidade única”, sem nomear quais os setores.
“É bom que se apure a segunda componente da inflação que é difícil de explicar”, disse, com elogios ao processo de fiscalização da ASAE. “Há uma parte da inflação que se tem a sensação que ultrapassa o efeito da guerra”, diz.
Apesar dos protestos e greves, o Presidente afirma que “não há um clima de insatisfação generalizado”, uma vez que o desemprego está a ter uma evolução “favorável”. A realidade económico-social vai depender “muito de como correr a guerra”, acrescenta. “Eu e o primeiro-ministro temos leituras diferentes da realidade: o primeiro-ministro olha para o lado cheio do copo e eu para o vazio”. Mas diz que “as contas certas são fundamentais porque em muito pouco tempo a Europa vai voltar a exigir esse controlo”.
Sobre os professores e os oficiais de justiça, cujas greves foram avaliadas pela PGR, o Chefe de Estado reconhece que hoje há novas formas de luta, que “têm de ser previstas na lei”, uma vez que a legislação atual só prevê as “formas clássicas”. Horas depois de mais uma ronda de negociação na Educação, que voltou a terminar sem acordo, Marcelo diz que a luta dos professores é “justa” e que o Governo e sindicatos fazem mal em romper as negociações “ou esticarem a luta para lá do limite”.
O acordo entre estas partes deve, para o Presidente, prever “a recuperação do tempo de serviço”, ainda que não integral, e o “corrigir das desigualdades”.
No tema da habitação, Marcelo Rebelo de Sousa regressou à tese do “melão”, ou seja, só se poderia avaliar a qualidade do pacote do Governo depois de conhecidos os diplomas. Agora, diz o Presidente, existem “dois melões” – o do Governo e o do PSD, “que ainda não está aberto” – e dado os pontos de convergência entre os dois programas “há espaço para conversa”. Por exemplo, em “matéria administrativa, flexibilização, simplificação, licenciamento, desburocratização”.
A prioridade no pacote Mais Habitação, apresentando pelo Governo e que está em consulta pública até dia 13 de março, passa por saber quais as medidas “concretizáveis”, indica o Presidente, uma vez que “já se percebeu que os municípios não têm capacidade para descobrir as casas devolutas”. Ao mesmo tempo, critica o conceito de consumo baixo nas casas para averiguar se é ou não devoluta. “Se houver conceitos usados para limitar a propriedade privada sem estarem suficientemente densificados, convém densificar, para ficar claro que não atinge a Constituição”, avisa.
Já nas propostas do PSD, Marcelo também critica algumas medidas. “PSD diz que se for encontrado património devoluto do Estado, as câmaras podem substituir-se ao Estado. Isto parece fácil mas juridicamente tem de se ver bem”, alerta. Ao mesmo tempo, duvida da proposta social-democrata sobre o papel “reforçado” da Autoridade Tributária na descoberta das casas devolutas.
Em outro tema da atualidade, o Presidente considera que a fórmula encontrada para a renúncia de Alexandra Reis ao cargo na TAP foi “juridicamente abstrusa”. O relatório da IGF sobre o processo de saída da administradora da TAP foi uma “surpresa” para Marcelo, que adianta que as “questões políticas resolveram-se no entretanto”, com a demissão de Pedro Nuno Santos. Quanto a Medina, “em ambos os casos (nomeação posterior para a NAV e para Secretária de Estado do Tesouro) não sabia desta telenovela”.
No entanto, o Presidente critica a “ligeireza” na escolha dos membros do Governo e que haverá “um escrutínio rigorosíssimo neste tipo de questões de escolha de pessoal político”, e em particular sobre Fernando Medina, “o mais importante” do executivo neste momento. “Ele, como os outros ministros, tem de olhar para trás e ver ponto por ponto ao longo das suas intervenções tudo o que foi o passado para ver se não há nada suscetível de causar problemas”, avisa.
Marcelo volta a dizer que sempre defendeu o “cumprimento de legislaturas”, ainda que não vai renunciar “ao poder de dissolver” a Assembleia da República, “se acontecerem coisas do outro mundo”, “alguma coisa patológica”. Quais? O exemplo dado foi a execução do PRR. Se se chegar ao fim de 2023, “com um panorama desgraçado do ponto de vista da execução do PRR, desgraçado da situação económica e social do país”, Marcelo admite “repensar” a realidade. “Mas não acredito que haja razões para isso”, remata.
Até porque a alternativa política é “fraca”. O PSD “tem acima do somatório dos outros dois [Chega e IL] mas não o dobro. E isso dá uma alternativa fraca na liderança”, conclui.
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