Após sete anos de Presidência, Marcelo assume-se como “realista” e deixa seis avisos
O Presidente lança avisos para as perspetivas económicas. Alguns indicadores, como o desemprego e a inflação subjacente, mostram sinais de alerta, como admitem economistas ao ECO.
O primeiro-ministro é há muito conhecido pelo seu otimismo, tendo até sido descrito como um “otimista irritante”. O autor deste comentário, o Presidente da República, quis posicionar-se neste espetro de expectativas face ao futuro, dizendo que é, por seu turno, “muito realista”. Partindo desta perspetiva, Marcelo Rebelo de Sousa, que completa esta quinta-feira sete anos na Presidência da República de Portugal, já avançou com vários avisos, apontando alertas como os números de desemprego, a execução do Plano de Recuperação e Resiliência ou a necessidade de novos apoios sociais.
“Sabem como sou: não pertenço nem aos pessimistas, nem aos otimistas esfuziantes e, portanto, gosto de estar numa posição muito serena e muito realista e intermédia”, disse Marcelo aos jornalistas quarta-feira passada, enquanto se preparava para lançar um conjunto de avisos. O facto é que alguns indicadores mostram sinais de alerta, como admitem os economistas ouvidos pelo ECO, mas há também números positivos pelo que se deve ver a quem o futuro vai dar razão: aos otimistas, aos realistas ou aos pessimistas.
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Desemprego nos 7,1%
O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou na semana passada que a taxa de desemprego em Portugal aumentou pelo terceiro mês consecutivo em janeiro, fixando-se em 7,1%. O Presidente da República reagiu a estes números apontando que a subida da taxa de desemprego é um “sinal de alerta”.
Marcelo Rebelo de Sousa sinalizou que a “evolução internacional está lenta”, o que acaba por “ter efeitos” também na economia portuguesa, num “período ainda de baixa de atividade”.
“A guerra continua, a inflação em muitos países continua alta, [é sinal] de que a economia internacional não recuperou, mesmo grandes potencias europeias como a Alemanha têm uma recuperação lenta”, salientou o Presidente da República, apontando que “como é um mundo aberto isso tem efeitos” também por cá.
Marcelo admitiu também que a subida do desemprego ocorre “em alguns setores, num período ainda de baixa de atividade”, mas apontou que há áreas como o turismo que ainda vão aumentar o nível de atividade.
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Crescimento económico é incerto
No mesmo dia, o Presidente também alertou que “a saída do período de crise que vem do passado, que a pandemia e a guerra agravaram, pode demorar um pouco mais tempo do que esperavam”, até devido aos efeitos da recuperação mais lenta da economia internacional, que acaba por contagiar a portuguesa.
Apesar de apontar o crescimento da economia portuguesa de 6,7% em 2022 como uma “boa notícia”, o Chefe de Estado admitiu: “Sabemos já que em 2023 não é possível um crescimento assim”. “Agora vamos ver qual vai ser a evolução da economia”, disse, defendo uma posição “realista”.
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Novas ajudas sociais
Perante a possibilidade de um crescimento mais fraco ainda do que o esperado, Marcelo Rebelo de Sousa alertou para a necessidade de novas ajudas sociais. O Presidente considerou que se a situação económica der “sinais que não são tão positivos quanto se esperaria” o Governo pode ter de ponderar “ajudas sociais complementares” nos próximos meses.
“Acho é que se esta evolução lá fora for aquela que pode, por ventura, suceder contra as previsões, que eram otimistas, e se persistir aquilo que são estes sinais que não são tão positivos quanto se esperaria, pode obrigar o Governo a ter de proceder a uma reponderação de ajudas sociais complementares, se for necessário dentro de um mês, dois meses, três meses”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, apontando que “o Governo ponderará isto”.
O Presidente da República reiterou que “a guerra está a durar e vai durar, a inflação está a descer menos rapidamente do que desejaria” e “as notícias que chegam, por exemplo, da Alemanha, não são muito boas”.
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Execução do PRR
Este é já um alerta que se tem vindo a repetir ao longo do ano passado. O Presidente da República continua a pressionar a aceleração da execução das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), tendo até deixado já um aviso à tutela responsável que não iria perdoar se esta oportunidade fosse perdida.
“Os fundos estão contratualizados em geral, chegou uma boa parte do dinheiro que já foi recebido por Portugal aos destinatários intermédios, mas não chegou aos destinatários finais”, sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa. “Pelo meio existem entidades que recebem esses fundos, há concursos, há contratação e execução”, acrescentou, sublinhando que aos destinatários finais chegaram 1.474 milhões, um volume quase quatro vezes inferior ao que chegou aos destinatários intermédios. “Aí é que está a questão fundamental de aceleração”, concluiu.
“O Governo é o primeiro a perceber — e espero que as oposições também — que é uma oportunidade que não se pode perder”. Para Marcelo não se trata apenas de executar a totalidade das verbas, mas também “não deixar derrapar no tempo os efeitos” da bazuca. Os efeitos são “injetar na economia portuguesa, além de deixar obra, cerca de 1.500 ou 2.000 milhões de euros por ano ou menos”. “Não é indiferente para o crescimento da economia e para a vida dos portugueses”, completou o Chefe de Estado.
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Não há dinheiro para todas as reivindicações dos professores
Após o início da terceira ronda negocial entre o Ministério da Educação e os sindicatos do setor, o Presidente da República defendeu que é preciso continuar a negociar, mas alertou que o Governo “não tem dinheiro” para tudo o que os professores querem.
“Desejo que o diálogo continue. Não para que se chegue a uma conclusão perfeita – que é difícil –, mas para que agrade no maior número de pontos e ao maior número de interessados”, sinalizou Marcelo. Os sindicatos têm muitas propostas, mas “o talento está em encontrar um meio caminho”, disse. “Não é fazer tudo o que os sindicatos querem porque o Governo diz que não tem dinheiro”, argumentou Marcelo Rebelo de Sousa.
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Pacote de habitação é preciso ver para saber
O Presidente da República mostrou-se reticente quanto ao pacote de medidas para combater a crise no setor da habitação, apresentado pelo Governo, comparando-o a um melão. “O povo costuma dizer ‘só se sabe se o melão é bom depois de o abrir’. É preciso abrir o melão”, avisou Marcelo Rebelo de Sousa.
O Chefe de Estado reconhece que é necessário perceber os custos das medidas para o Estado, quantas famílias serão abrangidas pelas propostas, quais os seus efeitos e quanto tempo demorarão a produzir esses mesmos efeitos.
“A questão é saber como é que esses objetivos serão atingidos. Primeiro, se são atingidos rapidamente; segundo, se são atingidos de forma a realmente melhorar a situação de tantas famílias; terceiro, se há máquina para os pôr de pé (a nível de Estado e autarquias), se a banca é sensível a certas mudanças que tem de introduzir e se os impostos a reduzir vão efetivamente mudar a situação dos portugueses”, explicou.
Desemprego e inflação são indicadores que mostram sinais de alerta
O desemprego tem vindo a subir e os alarmes começam a soar, apesar de ainda não ter atingido um nível preocupante, sinalizam os economistas ouvidos pelo ECO. Já a inflação tem vindo a abrandar, mas esconde a subida dos preços dos alimentos, que ainda mantém a tendência crescente. Por outro lado, evolução das vendas a retalho e da produção industrial foi positiva.
Perante uma queda dos preços da energia, o início de 2023 foi marcado pelo otimismo por se ter conseguido evitar uma recessão na Zona Euro. No entanto, “a situação económica é muito fluida e ninguém consegue antever as coisas com clareza”, sinaliza João César das Neves. “O otimismo do início do ano era meramente relativo: as coisas pareciam menos más do que se previra nos sinais preocupantes”, o que mostra que se mantém a incerteza, nota o economista.
Já Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, destaca o desemprego como um dos indicadores económicos que estão a exibir sinais de alerta. A “estimativa da taxa natural de desemprego, considerada o pleno emprego, situa-se em Portugal entre 6 e 7%”, pelo que ao registar-se uma taxa de 7,1% “já saímos da zona do pleno emprego”.
“Uma décima não é ainda uma coisa para encarar com imensa preocupação”, ressalva, mas “tivemos imenso tempo no pleno emprego e agora estamos a sair”, pelo que “é um sinal de alerta”.
O economista Pedro Brinca também sinaliza que entre os indicadores económicos que refletem a realidade de economia, a subida do desemprego mostra uma degradação. “Não está ainda num nível elevado, mas a trajetória de crescimento é consistente com a perceção de abrandamento económico”, nota.
Na nota semanal da Área de Estudos Económicos e Financeiros do BPI (BPI Research) indica-se que a leitura dos dados do desemprego “parece indicar que os indivíduos anteriormente desencorajados continuam a ter interesse em ingressar no mercado de trabalho, o que se reflete, por exemplo, no valor mínimo registado na população inativa em janeiro”. No entanto, ressalvam também que “os riscos estão enviesados em sentido negativo, pelo que a leitura negativa do desemprego deve ser vista como um alerta”.
Pedro Braz Teixeira aponta também como preocupante “o que aconteceu ao consumo privado no quarto trimestre de 2022: uma queda em todas as suas componentes, em particular nos produtos alimentares”. Este indicador mostra que “os consumidores estão mesmo a sentir as dificuldades da conjuntura e no quarto trimestre foi aquele em que receberam dois pacotes de ajuda do Estado”, salienta.
É um “sinal de alerta porque os portugueses estão a cortar na despesa e é sinal de que há preocupações”, nota. O economista salienta ainda assim que “o crescimento previsto para este ano é metade da média do potencial, 2023 é previsto como ano fraco portanto terá sempre sinais de alguma debilidade económica”.
Este destaque nos produtos alimentares pode também verificar-se pela inflação. “A inflação total tem abrandado, mas a inflação subjacente ainda não parou de aumentar”, aponta Pedro Brinca. Isto acontece porque o “total baixou muito à custa da queda dos preços da eletricidade”, mas a inflação subjacente, que exclui as componentes mais voláteis como a energia, “ainda aumenta”.
O economista da Nova SBE adianta ainda assim que nos EUA também se observou que primeiro começou a cair inflação generalizada e só em outubro começou a cair a subjacente, enquanto “na Europa atingiu o pico em novembro pelo que se seguir o mesmo nível de desfasamento só descera em março”.
Pedro Braz Teixeira salienta também que mesmo com o abrandamento, a inflação ainda está em valores elevados e “nenhuma instituição previa que a inflação em 2023 chegasse aos 7%“. “A taxa de de janeiro não é a do ano, mas em janeiro estamos a ultrapassar aquela que seria a média do ano: é um alerta”, avisa.
Pedro Brinca destaca ainda indicadores relacionados com o crédito à habitação, à luz da subida das Euribor. Há uma subida no peso das renegociações dos contratos a habitação no último trimestre de 2022, o que pode sugerir a “degradação das condições económicas das pessoas com crédito à habitação que se veem abrangidas pelas novas regras que fomentam a renegociação”, indica. Verifica-se também, nos dados do Banco de Portugal, que “estão a amortizar mais os empréstimos”.
A subida das taxas de juro está assim a afetar a procura por crédito à habitação. Vejamos este cenário: “um casal há um ano atras, em fevereiro de 2022, que conseguisse pôr 900 euros de lado todos os meses, com a Euribor a 6 meses em vigor na altura, com um empréstimo a 30 anos conseguia comprar uma casa de 300 mil euros”. “Neste momento, o mesmo casal com 900 euros só consegue comprar uma casa de 180 mil euros”, exemplifica, o que mostra uma “contração de 39% na disponibilidade para pagar”.
Apesar destes sinais de alerta, ambos os economistas destacam que os dados das vendas a retalho foram fortes e a produção industrial também recuperou, sendo que para já a confiança também parece estar a recuperar.
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