Da contestação social ao diálogo, as semelhanças entre as maiorias de Cavaco e Costa

Depois da comparação feita por Marcelo, politólogos reconhecem algumas semelhanças entre a segunda maioria de Cavaco Silva e o atual Governo, como a multiplicação de manifestações e greves.

No dia que marcou o sétimo aniversário enquanto Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa lançou algumas farpas ao Governo que diz acreditar ser uma maioria “cansada”, fazendo uma comparação com a segunda maioria de Cavaco Silva. É possível traçar alguns paralelismos com essa época, nomeadamente pela contestação social e dificuldades no diálogo, assinalam os politólogos ouvidos pelo ECO.

Marcelo não se conteve na avaliação do Governo que saiu das eleições de janeiro de 2022: “Nasceu uma maioria requentada. As maiorias que não nascem de novo, que nascem com um governo com seis anos — um pouco como a segunda maioria do professor Cavaco Silva —, são maiorias cansadas”, disse, em entrevista ao Público e RTP esta quinta-feira.

Este conceito de requentado surge com o significado de “repetir a fórmula sem atender às novas circunstâncias”, aponta José Adelino Maltez, ao ECO. Há uma “repetição de gestos” que leva a que os discursos e atitudes comecem a perder o sentido e surja “cansaço”, defende.

Costa assumiu o cargo de primeiro-ministro em novembro de 2015, estando assim há quase oito anos na liderança do Governo. Já Cavaco Silva governou durante dez anos, desde 1985 até 1995.

Entre as semelhanças dos dois Executivos encontra-se a “fase de manifestações encadeadas de contestação social”, que se vivem agora nomeadamente com as greves dos professores e também de profissionais de saúde, por exemplo, que “também aconteceram no governo de Cavaco Silva”, recorda o politólogo.

Paula do Espírito Santo, investigadora e docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), também acredita que “há semelhanças na medida em que há contestação social intensa tal como na altura e percebemos também que há alguma incapacidade de diálogo institucional”, como por exemplo entre o Governo e os sindicatos que tem levado ao prolongamento de greves.

Com Cavaco Silva, há alguns célebres exemplos de contestação como o buzinão na Ponte 25 de Abril contra o aumento de 50% das portagens, em 1994, visto por alguns como o ponto de viragem do “Cavaquismo”. A relação com o então Presidente Mário Soares também azedou na segunda maioria, com este a criticar a estratégia do Governo na gestão da crise e deixar vários recados.

O na altura primeiro-ministro social-democrata chegou a responder à contestação social com a frase “Deixem-me trabalhar!”, numa fase em que apelidava os partidos da oposição como “forças de bloqueio”.

"Como o Costismo está ligado ao Marcelismo presidencial, o que ontem fez o Presidente da República foi tentar distinguir-se”

José Adelino Maltez

Paula Espírito Santo aponta assim que o “relacionamento institucional não era o melhor com o Presidente”, algo que atualmente até aqui não se podia tanto dizer. No entanto, podemos estar perante um ponto de viragem, sendo que na entrevista de quinta-feira o Presidente “ensaiou uma tentativa de discurso para se libertar” do peso de ligar o “Costismo” ao “Marcelismo”, considera Adelino Maltez.

“Como o Costismo está ligado ao Marcelismo presidencial, o que ontem fez o Presidente da República foi tentar distinguir-se, para não haver na história portuguesa a identificação”, acredita o politólogo.

Certo é que a comparação acabou por ser com um Governo que completou a legislatura até ao fim, ainda que Marcelo não deixe de parte a “bomba atómica” de dissolver o Parlamento, caso se justifique. Os politólogos não se arriscam a adivinhar se o Governo de Costa completa a legislatura, mas Adelino Maltez salienta que o “problema com estas maiorias é que podem matar-se a si mesmas”. “Os ciclos de regime, governos de maioria, costumam em Portugal cair de podre”, atira.

Paula Espírito Santo também salienta que “não sabemos ainda o desfecho: se Governo vai manter-se ou se vai entrar num processo de implosão”.

Ainda assim, para a politóloga, esta comparação entre os dois Governos pode mesmo “levar a refletir sobre as vantagens ou limitações das maiorias absolutas no plano democrático”. Isto já que “podem motivar maior falta de diálogo e de capacidade dos Executivos para resolver problemas de urgência muitas vezes com base económica”, sendo que vivemos agora com um abrandamento económico e na altura a época também não era de crescimento elevado.

Mesmo assim, admite que pode ser apenas uma “convergência de fatores”, sendo que há o “ponto comum às democracias da liberdade de expressão”, além de que “há grupos e setores que nunca estão plenamente satisfeitos”. “Por outro lado, acaba por haver uma contra-resposta por parte do sistema, percebe-se que tem de forçar o diálogo porque estes Governos [de maioria] são mais estáveis e menos permeáveis a qualquer tipo de agitação“, considera.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Da contestação social ao diálogo, as semelhanças entre as maiorias de Cavaco e Costa

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião