Ter o sol na eira e a chuva no nabal

  • Nuno Matos
  • 16 Março 2023

O desenvolvimento de políticas públicas que incentivem a produção e uso dos combustíveis derivados de resíduos é fundamental para o seu sucesso e disseminação em larga escala.

É o melhor dos dois mundos, ou, pelo menos, o menos mau, num contexto de transição energética. Por cada tonelada de resíduos que se transforma em combustível é menos uma tonelada de resíduos enviada para aterro, ao mesmo tempo que se evita a entrada no mercado de uma tonelada de combustível fóssil convencional. Incrementamos a sustentabilidade e a circularidade da economia.

A crescente preocupação com as mudanças climáticas, bem como a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), tem estimulado o interesse nos combustíveis alternativos como via para a descarbonização da economia. As metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030 e a neutralidade carbónica em 2050 só serão possíveis de alcançar através de uma profunda alteração do perfil de consumo de energia na indústria.

A transição energética neste setor para outras formas de energia menos poluentes tem sido realizada por pressão geral da opinião pública, assim como por via de iniciativas políticas de natureza fiscal, com penalização dos combustíveis mais poluentes. No caso dos grandes consumidores de energia, esta pressão também tem sido feita pela redução continuada das quotas de emissões, inseridas no mecanismo europeu de Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE).

Neste quadro, os combustíveis alternativos produzidos a partir de recursos renováveis ou de resíduos são uma das vias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, pela possibilidade de substituir no todo ou em parte os combustíveis fósseis convencionais — como os derivados de petróleo, o carvão e o gás natural. Produzidos a partir de matérias-primas renováveis, como plantas, madeira, resíduos agrícolas e alimentares, a energia renovável hídrica, solar e a eólica, os gases renováveis, e os combustíveis derivados de resíduos, estes combustíveis são produzidos exclusivamente a partir de resíduos — e esta é a sua característica principal.

Estes oferecem uma alternativa promissora aos combustíveis fósseis e aos biocombustíveis convencionais, pois podem reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa e ajudar a reduzir a quantidade de resíduos não reciclados, como diferentes entidades já hoje produzem em solo nacional e comercializam com impacto mundial. A aposta na valorização material permite reintroduzi-los no ciclo económico e reduzir a pressão sobre os recursos naturais, numa clara aposta nos princípios da economia circular.

A sustentabilidade dos processos produtivos e a monitorização, como forma de garantir o controlo da cadeia de valor e consequente garantia da utilização exclusiva de resíduos no processo produtivo, pode ser confirmado voluntariamente pelas empresas através de entidades auditoras internacionais. Assim, verifica-se já hoje a disponibilização de diferentes fuels alternativos certificados a nível nacional e estrangeiro, com impacto significativo no presente e no futuro da indústria.

No entanto, a produção de combustíveis derivados de resíduos enfrenta desafios importantes, desde logo na comercialização. Sem o enquadramento legal dos biocombustíveis, a sua incorporação nos combustíveis produzidos nas refinarias não é obrigatória, o que os deixa em concorrência direta com os combustíveis convencionais.

A existência de um quadro legal claro e de incentivos fiscais pode aumentar a sua competitividade em relação aos combustíveis convencionais e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, contribuindo para a descarbonização de setores da economia dependentes dos combustíveis fósseis.

Fica claro que o desenvolvimento de políticas públicas que incentivem a produção e uso dos combustíveis derivados de resíduos é fundamental para o seu sucesso e disseminação em larga escala.

Na impossibilidade, até ao momento, de os combustíveis derivados de resíduos beneficiarem de qualquer tipo de incentivo, o novo diploma que institui o mercado voluntário de carbono e estabelece as regras para o seu funcionamento – atualmente em discussão pública – pode ser o instrumento que faltava para auxiliar as empresas produtoras de combustíveis alternativos.

Através deste diploma, estes combustíveis podem beneficiar de créditos de carbono que, depois, podem ser transferidos para os clientes ou transformados em valor para financiar o processo produtivo, a investigação e desenvolvimento de novas aplicações do combustível.

As indústrias que tenham uma visão de longo prazo e que apostem na sustentabilidade como um pilar central da sua atuação, como forma de reduzir a sua pegada ambiental, têm nos combustíveis derivados de resíduos um instrumento para diminuir a sua dependência dos combustíveis fósseis e reduzir as suas emissões de gases de efeito de estufa.

  • Nuno Matos
  • Diretor-Geral da Eco-Oil

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