Para lá do carbono, a importância da biodiversidade no E do ESG

  • Sofia Barbeiro
  • 24 Março 2023

Se, por um lado, os efeitos das alterações climáticas são fáceis de compreender, importa relembrar que essas ameaças estão ligadas a um segundo desafio à escala global: a perda da biodiversidade.

Se é verdade que hoje pessoas e empresas estão hoje mais sensibilizadas para as questões ambientais e que, a cada ano que passa, siglas como COP, IPCC, GEE se tornam designações cada vez mais familiares, também é verdade que nem todas recebem a mesma atenção.

Analisando para a atenção mediática e a presença política nas duas Conferências das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas (COP) que aconteceram em 2022, vemos que uma – a COP27, para as Alterações Climáticas – prevaleceu sobre a outra – a COP15, para a Biodiversidade.

Se, por um lado, os efeitos das alterações climáticas são fáceis de compreender: ondas de calor, inundações, seca extremas, incêndios e tempestades como, infelizmente, tão bem testemunhamos em Portugal, importa relembrar que essas ameaças estão diretamente ligadas a um segundo desafio à escala global: a perda da biodiversidade.

O World Economic Forum estima que mais de metade do PIB mundial é gerado em indústrias que dependem da natureza e dos seus serviços. No entanto, tal como o clima, também a natureza está em crise: em 2019, a Plataforma Intergovernamental para a
Biodiversidade e os Serviços de Ecossistemas (IPBES na sigla em inglês) alertou para o facto de um milhão das estimadas 8,1 milhões de espécies de plantas e animais no mundo estarem em risco de extinção. E não teremos de esperar centenas de anos para que tal aconteça, muitas desaparecerão nas próximas décadas.

Muitos cientistas acreditam que os impactos humanos são responsáveis pela sexta extinção em massa, uma vez que os humanos constituem a única espécie capaz de manipular a biosfera em grande escala e é precisamente isso que estamos a fazer: 96% dos mamíferos existentes ou são humanos ou animais para o seu consumo e apenas 3% dos habitats globais estão ecologicamente intactos. É por este motivo que muitos defendem também a existência de uma nova era geológica – o Antropoceno – que descreve o período mais recente da história da Terra, a partir do qual a atividade humana começou a ter um impacto significativo no clima e nos ecossistemas do planeta.

Mas qual a relação entre a crise climática e a perda de biodiversidade?

As alterações climáticas desempenham um papel cada vez mais significativo na perda de biodiversidade: um aumento de temperatura de 1,5°C poderá levar ao declínio de até 70% dos recifes de coral do mundo e um aumento de temperatura de 2°C poderá levar ao colapso de ecossistemas inteiros. Por sua vez, a degradação dos ecossistemas marinhos e terrestres prejudica a sua capacidade natural de regular o nível de CO2 atmosférico, através da captação e armazenamento de carbono e de nos proteger contra as condições climáticas extremas. Consequentemente, os processos de alterações climáticas são acelerados e os eventos climáticos extremos são exacerbados pela degradação e exploração da natureza, tornando-nos mais vulneráveis aos seus efeitos. Neste sentido, o papel da natureza e as soluções por ela trazidas não podem ser negligenciados e as duas crises devem ser enfrentadas em conjunto com políticas holísticas que as abordem em simultâneo e compreendam as interligações e interações entre ambas.

É, por esta razão, que o Quadro Global da Biodiversidade até 2030, adotado em dezembro do ano passado na COP15, define como objetivo a tomada de medidas que encorajem as empresas, em particular as grandes empresas e as instituições financeiras, a monitorizar, avaliar e revelar regularmente os seus riscos, dependências e impactos na biodiversidade, ao longo das suas operações, carteiras, cadeias de abastecimento e de valor.

Além disso, é crucial direcionar mais investimento global para a gestão responsável e sustentável dos recursos naturais e desbloquear mais financiamento para a conservação e restauro dos ecossistemas marinhos e terrestres. Por outro lado, importa não esquecer que a promoção de soluções baseadas na natureza depende de ecossistemas globais saudáveis, por forma a contribuir para a mitigação e adaptação às alterações climáticas.

Tal como a ecologia se centra na investigação da complexidade das interações entre diferentes organismos, a gestão de riscos ambiental, social e de governação (ESG –Environmental, Social and Corporate Governance) deve reconhecer a importância de uma abordagem que integre a complexidade existente na interação entre a crise da perda de biodiversidade e a crise climática. Desta forma, os indicadores que compõem o E (de Environmental) do ESG não se podem cingir às métricas (de emissões) de carbono, mas incorporar todas as áreas ambientais, em particular a diversidade biológica do planeta, da qual dependem a economia global, o bem-estar.

(Nota: esta é a quinta coluna do Women in ESG Portugal para o Capital Verde, e por meio deste canal pretendemos trazer conteúdos ligados ao ESG de forma descomplicada para a sociedade, na voz de mulheres que detêm expertise técnica na área. Para mais informações, aceda ao site: www.winesgpt.com)

  • Sofia Barbeiro
  • Gestora de projetos na área de Sustentabilidade

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