Editorial

Um plano de apoios necessário, as medidas erradas

O Governo responde tarde ao aumento dos preços, e particularmente dos bens alimentares, mas erra no plano e interfere no mercado.

Tornou-se um hábito, a política transformada em pacotes, de três em três meses, sai mais um powerpoint, um conjunto de medidas de emergência, e desde há três anos a esta parte, não saímos disto. Há sempre boas razões para os planos de apoio, ou melhor, razões necessárias, mas como se não faz mais nada, é um círculo vicioso, ou dependente. O Governo nem perceberá a contradição: Anuncia um plano para apoiar três milhões de portugueses, parece muito bom, mas o que isto significa é que ao fim de sete anos de governação, a caminhar para o oitavo, diminui o número de portugueses que conseguem viver sem apoios sociais extraordinários.

Vamos ao plano. Em primeiro lugar, o Governo já chega tarde à tomada de decisões para apoiar as famílias mais vulneráveis, quando se sabe há meses que a inflação resiste a abrandar, não era temporária — Mário Centeno ‘descobriu’ finalmente a luz… — e que os preços da alimentação estavam a acelerar, com impacto no rendimento das famílias. Medina já tinha informações sobre a execução orçamental de 2022 e sobre o brilharete das contas públicas, beneficiadas com um aumento da cobrança de IVA de nove mil milhões de euros em relação a 2021, e mais cinco mil milhões do que o valor orçamentado para 2022. A consolidação orçamental continua a ser prioridade, e bem. Mas se este plano chegou tarde, chegou bem?

Para as famílias em dificuldades por causa da inflação, a que se somou o aumento rápido dos juros do crédito à habitação, qualquer apoio é bem-vindo, é necessário, é mesmo urgente. Não são migalhas, são apoios sociais. Mas o Governo erra na receita, e vai apoiar muito pouco quem mais precisa.

A decisão de aumentar os salários dos funcionários públicos é incompreensível, a não ser à luz de uma tentativa de conter a contestação social dos trabalhadores do Estado. O argumento é falacioso, uma inflação superior em quatro décimas relativamente à estimada pelo Governo quando estava a negociar a revisão salarial para 2023 justifica um aumento extraordinário de 1% e o aumento do subsídio de refeição? Não, a não ser por razões puramente eleitorais e de paz social, para contrapor à sucessão de greves e manifestações de médicos, enfermeiros, professores e oficiais de justiça, entre outros. Mas é de uma enorme injustiça para todos os outros trabalhadores do setor privado, cujas empresas não vivem dos impostos pagos, da lotaria da inflação. Custará 445 milhões de euros.

A descida do IVA dos bens alimentares para uma taxa zero é uma decisão errada, por vários motivos. O ministro das Finanças, como já tinha repetido o primeiro-ministro, entrou em contradição com o que tinha dito há poucas semanas. A razão era simples (e não mudou): É difícil garantir que a baixa do preço de determinados bens se mantenha equivalente ao valor da redução do IVA durante um período pré-definido (e seria até ilegal), mesmo com um acordo com a produção e a distribuição. Assim, durante quanto tempo será possível manter os preços dos produtos que venham a beneficiar da taxa zero? Bastará que uma qualquer matéria prima de um desses produtos aumente para variar o preço final. O que dirá então o Governo? Que a culpa é da distribuição (leram aqui primeiro). Ou vai obrigar a uma fixação administrativa dos preços daqueles produtos, meio caminho andado para os fazer desaparecer das prateleiras? Verdadeiramente, a única coisa que poderá ser prometida é a redução do preço no primeiro dia e, com base nesse acordo, que as margens brutas da distribuição não vão refletir uma apropriação da evolução do preço final a partir do segundo dia da taxa zero.

Além disso, quando o Governo decide baixar o IVA de um conjunto de produtos, está a interferir no mercado, a beneficiar umas empresas em relação a outras, a criar incentivos que distorcem a formação do próprio preço, que forçam a procura de uns produtos em detrimento de outros. O IVA deveria ser reduzido, sim, mas por outras razões, porque a taxa normal de IVA, de 23%, é demasiado elevada, mas não para servir de medida de caráter social. Desde logo porque beneficia todos os consumidores, ganhem muito ou ganhem pouco. A descida do IVA custará 420 milhões de euros.

Sobra a medida que é verdadeiramente importante para as famílias mais carenciadas, um apoio de 30 euros por mês ao longo de todo o ano, pago trimestralmente em prestações de 90 euros em abril (referente ao primeiro trimestre), junho, agosto e novembro. Paralelamente, o Governo decidiu ainda dar um apoio adicional por criança ou jovem que beneficie de abono de família, “calculado de forma igual para todos”. Na prática, trata-se de uma majoração de 15 euros mensais, também pago trimestralmente. Este conjunto de medidas vai ter um custo de 580 milhões de euros e deverá beneficiar cerca de três milhões de pessoas.

A Comissão Europeia, o BCE e até o FMI têm alertado para a necessidade de ter políticas orçamentais conservadoras, porque o risco de incerteza nos mercados é elevado e aumentou com a situação da banca europeia. Também por isso, o Governo deveria ter tido outro plano, limitado no tempo, isto é, para 2023, e concentrado no apoio aos portugueses com menores rendimentos, para não pôr em causa a trajetória de redução da dívida pública, que está a ser seguida.

Este pacote de apoio anti-inflação nos bens alimentares deveria ter apoios sociais aos que não pagam IRS e uma a descida do IRS para os escalões seguintes, até quinto ou sexto escalões, mesmo que isso obrigasse a um agravamento dos escalões superiores para tornar neutra essa redução do IRS para rendimentos mais elevados.

Sendo orçamentalmente inviável, o que se compreende, o Governo deveria ter concentrado os fundos dos aumentos da função pública e da descida do IVA no apoio direto às famílias que vão beneficiar do subsídio mensal de 30 euros. Faria a diferença para esses portugueses, não aumentaria a despesa de forma estrutural e evitaria a tentação — outra vez — de interferência na formação de preços.

É melhor isto do que nada (e onde andará a ministra da Agricultura e o seu ‘selo justo?).

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