Até 2026, a Decathlon quer que todos os produtos vendidos e produzidos sejam concebidos de forma ecológica. Em Portugal, o caminho já começou a ser feito e apresenta resultados acima da média.
Produzir de forma sustentável, atendendo ao impacto ambiental e social, está no topo da agenda da Decathlon, garante a empresa. Em Charmonix Mont-Blanc, nos Alpes franceses, Raffaele Duby, Sustainable Development manager da marca, foi perentório: “queremos que o desporto e o meio ambiente sejam compatíveis. Temos que atuar em conformidade com o planeta. Vamos ter que agir”, disse, naquela que foi a apresentação do plano estratégico “verde” da marca para os próximos três anos.
Até 2026, a Decathlon quer que 100% dos seus produtos desportivos e técnicos vendidos em todas as cerca de 1.700 lojas no mundo – e isso inclui os mais de 50 espaços localizados em Portugal — sejam concebidos de forma ecológica. Por outras palavras, a retalhista de desporto, que produz e vende mais de 60 marcas desportivas, quer mudar a forma como os artigos são fabricados hoje para que possam minimizar os impactos ambientais e sociais do amanhã. Desta forma, quer optar por soluções menos danosas. Seja pelo recurso a materiais reciclados, como o algodão ou o poliéster, ou através de estratégias de tingimento com menos consumos, ou mesmo ao assegurar que estes produtos têm um ciclo de vida maior, garantindo também a sua reparabilidade. Isto tudo, asseguram os responsáveis da marca, sem nunca prejudicar a eficácia e a segurança dos seus produtos, ou o seu preço final. A Decathlon apelidou este processo de ecodesign.
“Antes o consumidor não procurava soluções de ecodesign, mas agora vemos isso como uma exigência. Se traz vantagens para a Decathlon face aos concorrentes? Sim, mas não é esse o foco. Queremos ter melhores produtos e com menos impacto”, garantiu Raffaele Duby ao Capital Verde.
Com esta estratégia, a gigante francesa do desporto almeja reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) em 20% até 2026 face aos valores de 2021, o equivalente a mais de nove milhões de toneladas. A decisão surge depois de a marca ter apurado que 86% da sua pegada carbónica absoluta advém dos seus produtos, sendo que, desse total, cerca de metade do impacto é causado pela produção dos artigos e equipamentos, e 20% é resultante da extração das matérias-primas usadas.
“É um valor ambicioso mas necessário para manter os compromissos alinhados com o futuro do planeta. Queremos que o desporto e o ambiente sejam compatíveis”, garantiu Marc Peyregne, Ecodesign manager do grupo Decathlon durante a apresentação da estratégia da marca.
Este é um compromisso que a marca pretende levar avante em todas as 70 localizações onde está presente, entre elas Portugal, onde esse percurso começou a ser feito em 2020.
Em 2022, 37% dos produtos vendidos nas lojas portuguesas da Decathlon já tinham a estratégia “verde” integrada. Um valor que fica acima da média quando comparado com a realidade do grupo que registou, naquele ano, que 23% dos produtos vendidos tinham ecodesign. Este ano, a marca ambiciona chegar aos 40% de produtos com ecodesign.
Portugal na vanguarda
Mas Portugal também pode ajudar a acelerar a produção dos produtos concebidos de forma mais ecológica. Ao todo, a Decathlon soma 43 unidades de produção em todo o mundo e, por cá, a empresa conta com ajuda do centro de produção em Maia, também responsável pela produção de vários artigos, desde trotinetes, garrafas de alumínio e de plástico, calçado desportivo e até bicicletas convencionais e elétricas. Portugal é o produtor número um de bicicletas na Europa, segundo o Eurostat.
Ao Capital Verde, Rebeca Silva Santos, responsável pela secção de Economia Circular da Decathlon Portugal, revela que, em 2022, 5% dos produtos made in Portugal e vendidos nas lojas de Norte a Sul do país já tinham esse conceito incorporado. Até ao final de 2023 a ideia é chegar aos 15%, para que três anos mais tarde, em 2026, essa percentagem atinja os 100%.
“A minha grande convicção é que os objetivos de 2026 serão atingidos antes e em 2024. Vamos perceber o que queremos para os próximos anos. É assim que trabalhamos”, garantiu a responsável.
Por sua vez, Marc Peyregne, manager do ecodesign da gigante da marca, assegura que Portugal é um dos países que está “fortemente envolvido na causa” sendo este “um dos mais dedicados” à missão de impulsionar o ecodesign em todo o grupo.
Apesar de o caminho até aos 100% não ser fácil, a marca garante que está “a contar com a ajuda de todos “, sublinhou Raffaele Duby. E esse caminho começa no “coração” do ecodesign da Decathlon.
Produção é chave para reduzir impactos
Entre as montanhas cobertas de neve e as temperaturas abaixo de 0 graus centígrados (ºC), encontramos na região francesa de Passy, em Charmonix Mont Blanc, a Mountain Store da Decathlon, espaço que, além de loja, é também o centro da “ecoconceção”, no segundo piso. É aqui que são desenhados, estudados e testados todos os produtos de montanha vendidos nas lojas da Decathlon antes de seguirem para a produção em grande escala. Nesta loja, em 2022, 25% dos artigos e equipamentos à venda na loja eram fruto do ecodesign e representaram, nesse ano, 44% das vendas.
Depois de um produto passar por todas as etapas do design – neste caso do ecodesgin –, a Decathlon dedica-se à industrialização dos protótipos para mais tarde os distribuir e colocar à venda. Mas, para respeitar os padrões do ecodesign, os produtos passam a ter que respeitar um conjunto de critérios que nascem em Chamonix.
Durante uma visita ao “coração” do ecodesign, onde foram demonstrados os vários exemplos de produtos concebidos de forma ecológica, ficamos a saber alguns desses critérios, entre eles, o recurso a materiais reciclados, seja ele algodão, poliéster ou plástico.
No caso do algodão reciclado, embora a Decathlon considere a solução como “promissora”, por eliminar a extração dessa matéria-prima, reconhece que não é totalmente eficiente, pois só pode ser utilizado com um teor máximo de até 40%. A razão prende-se ao facto de as fibras recicladas serem mais curtas e obrigarem a que sejam misturadas com algodão virgem para poderem ser utilizadas na produção têxtil. Para um artigo à base de algodão conseguir ter o carimbo de ecodesign, o tecido principal deve ser composto por, pelo menos, 28% de algodão reciclado.
Durante a visita ao espaço, onde trabalham cerca de 500 pessoas para concretizar a missão da gigante francesa, Emanuelle François, diretora de produtos da Quechua, uma das marcas vendidas pela Decathlon, apresentou alguns exemplos, como a primeira t-shirt 100% concebida pela marca à base de algodão, um marco alcançado em 2020.
Mas existem outros à venda. Entre eles, as leggings de yoga da Kimjaly, em que 72% do algodão é de origem biológica (é produzido sem recurso a organismos geneticamente modificados) e 28% de algodão reciclado, nas t-shirts para homem da Slognac ou calções de ginástica para criança da Domyos, onde a percentagem de algodão reciclado chega aos 30%.
O recurso ao poliéster “verde” é outro elemento chave para ajudar a reduzir os impactos na produção, uma vez que a aposta na reciclagem de garrafas de plástico ou do tecido para produzir esta matéria-prima resulta na diminuição do recurso ao petróleo. Na estratégia em curso até 2026, a Decathlon garante estar empenhada em utilizar 100% poliéster proveniente de fontes mais sustentáveis. Na incorporação dos produtos, para ser carimbado com ecodesign o teor mínimo de poliéster reciclado deve ser de 70% sob o tecido principal.
“O poliéster reciclado não era bem recebido pelos nossos clientes. Era encarado como um produto de segunda mão. As soluções à base da reciclagem eram vistas como uma desvantagem face aos outros produtos. Hoje é diferente, tornou-se num requisito”, explicou Emanuelle François.
Do leque de produtos à venda, já existem vários exemplos com esta matéria-prima incorporada. Desde as t-shirts da Kipsta que têm 95% de poliéster reciclado incorporado ou o maillot de ginástica para crianças da Domyos, que alcança os 80%.
O poliéster reciclado não era bem recebido pelos nossos clientes. Era encarado como um produto de segunda mão. Hoje é diferente, tornou-se num requisito.
Mas além dos materiais, a gigante francesa está a mudar as técnicas de tingimento têxtil, dado que o método convencional consome mais água, mais energia e mais produtos químicos. Assim, a Decathlon adotou o “dope dyed”, solução de imersão no banho de tinta que passa por integrar os pigmentos de cor logo no fabrico do fio. Ou seja, antes de ser transformado num artigo, os fios já foram tingidos. Para ser certificado ecodesign, mais de 50% do produto deve utilizar esta técnica.
Exemplo disso é tenda easy da Quechua onde a opção pelo “dope dyed”, aplicada no tingimento das partes da tenda a preto (no interior) e azul escuro (na base), permitiu reduzir o consumo da água em 10% e as emissões de CO2 em 12%. Já a preferência pela cor natural do poliéster (branco) reduziu o CO2 em 15% e o consumo de água em 12%.
“Demorámos quatro anos a otimizar esta tenda e reduzir o seu impacto ambiental, sem comprometer a qualidade”, explicava Estelle Laboulle, engenheira de produto da Quechua durante uma demonstração da tenda que se ergue em dois segundos, através de dois botões, dando conta que a durabilidade da tenda aumentou de três para cinco anos quando comparado com o modelo anterior.
Outro elemento chave do ecodesign é garantir a reparabilidade dos produtos. No fundo, a Decathlon quer reduzir o desperdício e aumentar o ciclo de vida dos artigos que os seus clientes adquirem. Seja pela encomenda de peças online, ou pela reparação do mesmo em loja, o objetivo da gigante francesa é assegurar que os produtos são utilizados até ao seu “limite” conduzindo testes de alta intensidade durante a fase de desenho do produto que, em muitos casos, têm uma duração de até cinco semanas.
“O nosso objetivo é de “torturar” os produtos ao máximo no terreno antes de serem vendidos aos clientes. Queremos garantir a sua durabilidade”, assegurou Bertrand Stopin, engenheiro de produto da Forclaz durante a demonstração de uma das mochilas de montanha da marca, dando conta que aquele modelo, além de 100% reparável, tem uma vida útil de 10 anos.
Mas a marca não se fica por aqui e tem à disposição dos consumidores artigos de “segunda vida”. Estes artigos são, tendencialmente, devolvidos pelos clientes e reparados por técnicos formados, em caso de necessidade, ou revistos e colocados novamente à venda, para que possam ganhar assim uma segunda vida. Até 2026, a meta é garantir que 100% das lojas em todo o mundo tenham este serviço incorporado.
Preços mantêm-se acessíveis
Com esta nova estratégia, o consumidor da Decathlon passa a poder comprar de forma mais responsável, tendo acesso às informações relativas ao método de conceção, materiais utilizados e durabilidade, tanto em loja como online, em mais detalhe.
Na ótica da gigante francesa, a conceção de produtos mais ambientalmente sustentáveis não se deve traduzir no encarecimento dos produtos. Essa foi a resposta dada pelos vários responsáveis no coração do ecodesign, em Charmonix, quando confrontados com essa possibilidade.
Para Marc Peyregne, manager de ecodesign do grupo, é possível garantir a acessibilidade dos produtos mais ecológicos sem prejudicar o seu preço, uma vez que os impactos ambientais e sociais são mais eficazes quando abrangem um maior número de clientes.
“Nós vendemos produtos acessíveis, e portanto queremos garantir que os produtos ‘econcebidos’ são também eles acessíveis”, assegurou durante a apresentação da estratégia do grupo. ”Vai ser um desafio, mas vamos trabalhar para garantir isso”, vincou, sem revelar em quanto é que a estratégia de ecodesign até 2026 está orçada para a Decathlon.
Quanto às metas para lá de 2026, para além dos produtos 100% “ecoconcebidos”, a gigante tem em curso a meta de reduzir em 90% as emissões de gases com efeito estufa até 2026, face a 2016, e assegurar que 100% da produção está isenta de carvão. Já nas lojas, a energia terá que ser 100% de origem renovável nos próximos três anos. Realidade que já acontece em Portugal, onde a energia é fornecida através de painéis solares ou através da aquisição de energia certificada limpa, tanto nas lojas como na unidade de produção em Maia, explica Rebeca Silva Santos.
“Porquê 2026? Queremos uma meta rápida para podermos avançar e concretizar a transição. Por vezes é bom ter indicadores próximos. Obriga-nos a trabalhar mais rápido. Temos um objetivo para 2026, e agora estamos a trabalhar para as próximas fases”, explicou o manager de ecodesign do grupo ao Capital Verde.
A jornalista viajou a Charmonix Mont Blanc a convite da Decathlon Portugal
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Portugal ajuda Decathlon a ‘ecoconceber’ 100% dos produtos até 2026
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