ESG – O unicórnio chegou disfarçado de pónei?

  • Fátima Correia
  • 11 Abril 2023

Ao contrário do que nos fizeram crer durante muito tempo, a proteção climática, o combate ao greenwashing, a total transparência no reporte e a igualdade de género não são utopias.

Há temas que entram e saem de moda.

Há, contudo, verdades aparentemente absolutas e pacificamente aceites. Por exemplo, a de que as sociedades comerciais são orientadas, por regra, para o lucro – que se traduz num aumento do património da sociedade, e que posteriormente será distribuído ou atribuído aos sócios.

E esta obtenção de lucros que permite à economia girar e desenvolver, pode ser feita a qualquer custo? Vivemos num vale tudo para o aumento dos lucros?

Parece que assim foi durante muito tempo. Os fins sempre foram utilizados para justificar os meios e o capitalismo “selvagem” foi crescendo com profundo desrespeito pela natureza, pelas pessoas e pelo meio que nos rodeia. Porquanto a árvore da pataca fosse rendendo, o “laissez faire, laissez passer” dos gestores foi reinando pois importava era o enriquecimento das empresas e do Estado.

Após uma conscientização lenta, fala-se hoje em desenvolvimento sustentável, conceito que, per si, é vago e pode parecer pouco importante para os mais distraídos.

Arriscaria a resumir este conceito em três vertentes: Ambiental, Económica e Social, sendo que nenhuma é menos importante que a outra. Pelo contrário, só se fala de um verdadeiro desenvolvimento sustentável se as três puderem ser conjugadas e as empresas forem capazes de, ao mesmo tempo, proteger e melhorar a qualidade do ambiente, através de uma atividade económica eficiente que se preocupa efetivamente com a proteção dos direitos humanos, ou seja, focada na diversidade cultural e empenhada na inclusão social a todos os níveis.

A União Europeia tem desempenhado um papel fundamental e vanguardista através do desenvolvimento de legislação neste sentido. Veja-se, por exemplo, a mais recente Diretiva 2022/2464 (CSRD) da qual resulta um conjunto de novas obrigações de reporte de sustentabilidade e que abrangerá mais de 55.000 empresas de forma faseada entre 2024 e 2028. Coloca-se a informação de sustentabilidade/ESG em pé de igualdade com a informação financeira, mesmo em termos de certificação/auditoria. A CSRD impõe o princípio da dupla materialidade, ou seja, exige que o reporte de sustentabilidade permita compreender, por um lado, como é que os pontos de sustentabilidade influenciam o desempenho da empresa (materialidade financeira) e, por outro, o impacto que a própria empresa tem nas diferentes áreas de sustentabilidade (materialidade de impacto).

A pergunta que surge de imediato é: como irão as empresas portuguesas implementar estas medidas? Nomeadamente, definir os planos financeiros e de investimento para assegurar que a estratégia da organização é compatível com a limitação do aquecimento global a 1,5 ºC em consonância com o acordo de Paris e com o objetivo europeu de alcançar a neutralidade climática até 2050? Ou passar a referenciar de forma obrigatória o papel dos órgãos de governos das sociedade em matérias de sustentabilidade – no que toca às competências/expertise para o desempenho de funções desta natureza, bem como a informar sobre a existência de remuneração variável relacionada com estes pontos?

Importa salientar a importância que a cadeia de valor passa a ter (supply chain) dado que a informação a prestar deve abrangê-la, no que toca a produtos, serviços e relações comerciais. Enquanto a Alemanha já se debate com o assunto desde o início do ano, através do “Supply chain Due diligence Act”, com principal enfoque na proteção dos direitos humanos, por cá parece que chegará com a transposição da diretiva.

É da competência de todos estarmos alerta para estes temas e agirmos como vigilantes. Porque ao contrário do que nos fizeram crer durante muito tempo, a proteção climática, o combate ao greenwashing, a total transparência no reporte e a igualdade de género não são utopias.

Do mesmo modo não há sustentabilidade sem igualdade de oportunidade efetiva no que toca ao género. Portugal ocupa a 29.ª posição no Índice Global de Desigualdade de Género à escala mundial. Por cá, as mulheres são metade nas empresas, mas representam apenas 31% dos lugares nos conselhos de administração e 6% nos de PCA.

Diversidade e inclusão não são sinónimos.

Creio numa meritocracia e que evoluímos, firmemente, para um ambiente laboral no qual o género não terá relevância. Mas não no imediato.

Esta evolução será gradual e todos nós teremos um papel fundamental na mesma.

Quem diz na igualdade de género, diz na diminuição do aquecimento global e da emissão dos gases estufa, diz na promoção da transparência e da integridade das empresas bem como no combate à fraude e à corrupção. Afinal de contas, estamos todos no mesmo barco e temos de remar na mesma direção. Ou deixamos o unicórnio disfarçado de pónei para inglês ver e continuamos a assobiar para o lado?

  • Fátima Correia
  • Chief Compliance Officer e General Counsel da Critical TechWorks

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

ESG – O unicórnio chegou disfarçado de pónei?

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião