Indústria solar quer multiplicar produção na Europa por 15 até 2030

A ambição é reconstruir uma capacidade de produção de 30 GW em cada uma das fases da cadeia de valor, partindo de uma média de 2 GW. "É um passo enorme", diz líder da ESIA, Javier Sanz.

A Aliança Europeia da Indústria Solar (ESIA) está desenhar um plano para reconstruir a indústria europeia de energia solar praticamente do zero. O líder desta aliança, Javier Sanz, esteve à conversa com o ECO/Capital Verde para ilustrar o ponto de onde parte este plano, pedindo uma abordagem simples e prática da parte da Comissão Europeia, para que a indústria se possa afirmar no Velho Continente.

Quais são as principais dificuldades que a indústria enfrenta e que deverão ser abordadas no plano?

Penso que o maior desafio é que a indústria desvaneceu em 2010, dado que toda a atividade industrial se deslocou para a China.

Então diria que a nossa indústria solar era mais forte em 2010 do que agora?

Sim. França e Alemanha eram os líderes, mas outros países como Espanha ou os Países Baixos, tinham também alguma capacidade industrial. Toda esta indústria depois de 2010 desapareceu da Europa. A razão foi que, basicamente, como noutros setores, a produção se moveu para a China, por causa dos custos. Então perdemos capacidade aqui. Nesse tempo provavelmente não era visto como um problema, mais como uma oportunidade. O desafio então, hoje em dia, é que não temos esta indústria, e queremos reconstruí-la do zero.

Consegue ilustrar, com base em números, o cenário atual?

Na indústria solar temos várias fases. Primeiro produz-se o polissilicone, com o polissilicone produzimos lingotes, fatiamos lingotes e produzimos waffers, depois produzimos células e finalmente produzimos os módulos. Se estivermos a falar de polissilicone, só há um grande ator na Europa que ainda está operacional. É a alemã Wacker. Se formos ao segundo passo da cadeia de valor, lingotes e waffers, teremos provavelmente menos de 1 gigawatt de capacidade. No caso das células, teremos provavelmente 2 gigawatts. E, se falarmos de módulos, contamos 2 a 4 GW. Isto, quando no ano passado instalámos na Europa 41 gigawatts de capacidade solar. Estamos a importar todos estes componentes da China. Hoje, o nível de importações é cerca de 20 mil milhões de euros por ano.

Esse custo diminuiria se a produção tivesse sede na Europa? Porque sabemos que se é produzido mais próximo, há alguns custos que são menores, como da logística, mas ao mesmo tempo o nosso custo de produção pode ser mais elevado por causa da força de trabalho. Então, o custo com a indústria seria inferior a esses 20 mil milhões de euros se esta se deslocasse de novo para a Europa?

Penso que é mais complexo que isso. Estimamos que o mercado [europeu] atinja os 80 GW anuais em 2030. Ou seja, mesmo se produzirmos na Europa, continuaremos a importar. Não estamos à espera de ter a capacidade de produção que cubra na totalidade a procura. A ambição que temos é reconstruir uma capacidade de produção de 30 GW [em cada uma das fases da cadeia de valor]. Estamos a começar nos 2 GW, em média, então o desafio é ir de 2 GW para os 30 GW. É um passo enorme.

30 GW em que ano?

Em 2030. Então estaremos ainda a importar da China, não estaremos aptos a produzir e fornecer na totalidade. Algo muito diferente é perguntar se as poupanças no transporte compensarão o maior custo de produção. Não acho que isso vá acontecer. O transporte hoje em dia é barato. É muito mais sobre criar riqueza aqui, criar economia e resiliência, porque estamos agora a importar 98% dos módulos que estamos a instalar.

Então é uma questão ambiental?

Se falarmos em termos de pegada carbónica, a expectativa é que seremos muito mais eficientes. Por duas razões: por um lado, diminuiremos a pegada no que diz respeito ao transporte, mas também, na maioria dos casos, a vantagem em termos de custo que a China tem quando produz módulos é porque está a usar carvão barato. E isso é algo de que aqui na Europa estamos a tentar afastar-nos, a investir num mix energético mais limpo. Obviamente tem um impacto. Também por isso, a nossa vontade de usar energia verde, vai permitir-nos ser mais ecológicos. Se queremos ter uma competição justa, temos de ter a certeza que as nossas empresas podem competir, com uma abordagem semelhante e justa.

Penso que não nos devemos concentrar numa parte da cadeia de valor, temos de cobrir todos os passos, porque se se tiver um ponto fraco, podemos estar em sarilhos.

Que efeito teria esta deslocação para a Europa nos preços dos painéis solares?

No mercado de B2B, um módulo pode custar a um grande cliente entre 135 a 140 euros, hoje. Passaria a estar no intervalo de 140 euros para 160 euros.

Considera que é um impacto gerível?

Sim. Obviamente este impacto tem de ser avaliado em como isto irá afetar o custo da energia que se produz com os módulos. O custo dos módulos pesa menos de 2% do preço final da energia produzida.

Então, provavelmente, o preço da energia subiria, mas apenas um pouco?

Isso, se subir. Porque hoje o preço da energia é consequência do preço de mercado. Não estamos a definir o preço com a fonte de energia mais barata, mas sim com a mais cara. Este preço pode não afetar em nada o mercado.

Voltando aos planos em relação à indústria: que partes da cadeia de valor têm maior potencial para serem exploradas na Europa?

Penso que não nos devemos concentrar numa parte da cadeia de valor, temos de cobrir todos os passos, porque se se tiver um ponto fraco, podemos estar em sarilhos. Temos de ter todas as vertentes tão fortes quanto possível. Provavelmente, as mais difíceis, hoje, para a Europa, são as partes iniciais da cadeia (polissilicone, lingotes, waffers). Isto é muito crítico. E não é só sobre a produção de módulos, mas é também a indústria de equipamentos que é necessária para a suportar. Se queremos construir um carro, precisamos de uma fábrica para o construir, mas também de empresas que forneçam os equipamentos para tal. Somos muito fracos neste ponto. É também uma grande oportunidade, que possamos recuperar isto. Temos algumas pequenas indústrias, mas podemos escalar essas empresas e reconstruir a indústria.

O que é necessário para incentivar isso? Os planos recentes revelados pela Comissão Europeia são suficientes para promover esta indústria?

Vamos ser justos. O que importa para esta indústria não é o CAPEX [despesas de capital], o investimento inicial. Não é assim tão grande em comparação com o OPEX [despesas operacionais]. Este é o maior problema. Temos preços de energia mais elevados e custos de mão-de-obra superiores. E isto é algo em que é muito difícil de competir, a não ser que se tenha uma vantagem em termos de tecnologia.

Então esta indústria de energia barata precisa de energia mais barata para se reconstruir. A Comissão Europeia afastou a hipótese de redesenhar o mercado de eletricidade. Vai avançar com outras medidas que privilegiam o longo prazo. Pode não ser o suficiente?

Não sabemos, porque não sabemos qual o impacto que podemos esperar dessas novas regras de mercado. Ainda estão em rascunho, não sabemos como poderão ser aplicadas e qual o impacto. Não podemos avaliar se será suficiente.

Como vê então as medidas lançadas pela Comissão Europeia no âmbito do Net Zero Industry Act (NZIA) e as relacionadas com matérias-primas críticas?

Penso que estão a apontar na direção certa. A Comissão Europeia está a mover-se rapidamente, isso é positivo. Mas mover depressa significa que não pode fazer tudo ao mesmo tempo. Há que desenvolver muitas coisas. Mas para mim o positivo é terem percebido que estamos com pressa, e estão a avançar.

O que seria decisivo detalhar?

O que estamos à procura é de algo que seja claro e menos burocrático. Algo fácil de perceber e aplicar. Nesse sentido, a Comissão Europeia iniciou o movimento, mas tem ainda muito a fazer. A indústria está disponível para ajudar. É basicamente o propósito da Aliança. Estamos a reunir-nos para identificar os desafios que temos e como gostaríamos que a parte da regulação nos ajudasse.

Basicamente, estão a apresentar propostas à Comissão que deverão ser consideradas quando estes recentes diplomas forem detalhados.

Sim.

Mesmo se tentarmos ter uma maior fatia do mercado, ele vai praticamente duplicar até 2030, portanto há espaço para todos.

Especificamente sobre a meta de 40% das tecnologias neutras em carbono (net-zero) serem feitas na Europa até 2030, ao mesmo tempo que se exige que 10% das matérias-primas tenham origem no Velho Continente: isto ajuda a indústria solar a crescer ou tem o efeito oposto, por limitar as possibilidades?

Ajuda. Não estão a dizer que querem 100% com origem europeia, que fecharão o mercado para toda a gente que não é europeu. Eu penso que estão apenas a dar um sinal claro que querem implementar a tecnologia verde no nosso sistema, queremos descarbonizar a economia, mas também queremos ter este esforço de reavivar a indústria. Estão a indicar a quem quer que seja que queira investir na indústria — investidores, Estados-membros… — que esta é a direção que a União Europeia está a seguir. Mesmo se tentarmos ter uma maior fatia do mercado, ele vai praticamente duplicar até 2030, portanto há espaço para todos.

O plano para descarbonizar dos Estados Unidos está a ter uma melhor aceitação no setor. Vários atores afirmam que é um plano mais agressivo, e nesse aspeto mais atrativo que o da Comissão Europeia. Acredita que o Inflation Reduction Act (IRA) pode representar um obstáculo para a Europa desenvolver a sua indústria?

Sim. Mas não é só o IRA. O IRA é bom porque é claro e fácil de aplicar, é rápido. Mas também há a Índia, que desenvolveu o chamado Production Linked Incentive (PLI) e também vai na mesma direção. A China está a fazer algo semelhante. Todas estas regiões estão a tentar proteger-se e a captar investimento. Isto dificultará os nossos esforços, mas não vejo porque é que não podemos fazer coisas que são semelhantes ou competitivas em comparação com estes pacotes. Este é também o propósito da Aliança.

Quais os desenvolvimentos com maior potencial na indústria solar?

Nos últimos 10 anos, vimos uma significativa descida no preço dos módulos. Por causa de melhorias na tecnologia de produção e da produção em massa. Mas agora estamos a atingir um patamar em que é muito pouco provável que vejamos preços mais baixos. Então a corrida está a ser na maior eficiência.

Eu sei que há empresas que estão a analisar como implementar capacidade industrial em Portugal. Nesse sentido, penso que há uma grande oportunidade para Portugal.

Que papel é que Portugal poderá ter no desenvolvimento da indústria solar?

Quando falo de Portugal, falo também de Espanha, porque os mercados elétricos funcionam em conjunto. Eu sei que há empresas que estão a analisar como implementar capacidade industrial em Portugal, especialmente na primeira parte da cadeia de valor, embora não as possa nomear. Nesse sentido, penso que há uma grande oportunidade para Portugal.

Como é que Portugal pode, então, agarrar essa oportunidade?

A Comissão Europeia está a dar aos Estados Membros a liberdade de implementar os mecanismos de suporte. Portugal tem alguma liberdade para definir como quer “jogar”. É sobre se o Governo em Portugal, ou em Espanha e França, ou o que for, vê uma oportunidade de recriar a indústria, porque há muitos atores industriais que estão à procura da oportunidade e estão a bater à porta dos Estados membros a pedir ajuda. Ficarei muito feliz se Portugal for nessa direção.

O que seriam bons incentivos?

Se olhar para os principais fatores, um que a região ibérica tem é que hoje temos um preço de energia mais baixo que outras regiões. Provavelmente os únicos comparáveis connosco são os nórdicos, por causa da energia hidroelétrica. Penso que as capacidades são boas, Portugal tem por exemplo uma muito boa reputação em termos de força de trabalho. Penso que estamos com uma falta de grandes indústrias químicas. Temos algumas empresas mas não somos como a Alemanha, e há muitos gases que são necessários [para os processos da indústria solar]. Outra oportunidade para a Península Ibérica e Portugal são as centrais que estão a ser fechadas, normalmente a gás ou carvão. Elas têm acesso à rede, que é importante. Também têm o acesso a água para arrefecimento. Por isso penso que há oportunidades.

Qual a dimensão de incentivos financeiros que considera atrativa?

É algo que estamos a trabalhar na aliança, não posso responder já. Mas são mais importantes os incentivos no OPEX que CAPEX.

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