Pergunta o que podes fazer

  • Joana Freitas
  • 20 Abril 2023

As empresas de energia, em particular, têm a oportunidade de desencadear uma re-industrialização sustentável da Europa, garantindo mais e melhor emprego para as gerações futuras.

Um desejo comum. Acredito que vemos o mundo pela lente da experiência pessoal. E a minha foi marcada pela história de vida dos meus avós, em particular, os paternos. Maria das Dores, operária têxtil, e Francisco Freitas, trabalhador ferroviário. Ambos analfabetos. Na juventude do meu avô, a CP decidiu que todos os seus trabalhadores tinham de saber ler e escrever. Francisco foi enviado para a instrução primária. Concluiu a terceira classe de adultos e pôde, mais tarde, tornar-se maquinista. Com isso o meu avô tomou consciência que a educação era o caminho para os seus filhos escaparem à pobreza. O meu pai tornou-se a primeira pessoa da sua família a estudar na universidade. Eu, mais tarde, cresci numa família de classe média, com muito mais oportunidades.

A história não terminou bem: o meu avô morreu, prematuramente, num acidente de trabalho. Nunca o conheci. Mas a sua histórica ilustra como as empresas têm o poder – e na minha opinião a responsabilidade – de mudar a vida dos seus trabalhadores. Particularmente em momentos de transformação, as empresas são chamadas a investir na reconversão de competências. Isso permite que as empresas se mantenham relevantes e os colaboradores participem dos benefícios da transformação.

Atravessando a Europa uma policrise, com ameaças climáticas, industriais e geopolíticas, trabalhadores e empresas unem-se num objetivo comum: criar uma transformação industrial verde na Europa. As empresas de energia, em particular, têm a oportunidade de desencadear uma re-industrialização sustentável da Europa, garantindo mais e melhor emprego para as gerações futuras.

Indústria 5.0. Interessa lembrar que 32 milhões de europeus trabalham na indústria (segundo dados da Statista, EU27, 2022) e o seu futuro está estreitamente ligado à energia.

“O que precisamos hoje é de uma estratégia industrial de nível europeu em resposta ao que está a acontecer nos EUA, na China e em outros lugares”. A frase poderia ter sido proferida por uma associação de empresários, mas pertence à líder sindical Judith Kirton-Darling, da IndustriAll European Trade Union. Isto demonstra que os sinais de desindustrialização na Europa preocupam empresários e trabalhadores.

A alemã BASF (maior empresa química do mundo) anunciou recentemente o corte de 2.600 postos de trabalho na Alemanha, planeando em simultâneo a construção de uma fábrica de grande dimensão na China. Por outro lado, a sueca Northvolt, criada em 2015, fará entrar em produção este ano a primeira ‘giga factory’ de baterias europeia. Entre sinais contraditórios, é crítico o foco de que a indústria europeia deve manter a liderança em setores chave para a soberania e prosperidade das suas populações.

Sem tempo a perder. O último relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) publicado em 2023 estima que, à medida que continuamos a queimar combustíveis fósseis, a temperatura da atmosfera irá aumentar 1.5C numa década, face a níveis pré-industriais. Para evitar o agravamento desta crise climática (ondas de calor e de frio, secas, inundações, rutura de colheiras e extinção de espécies), e também a crise humanitária que daí resulta (1.2 mil milhões de refugiados climáticos até 2050, segundo o Institute for Economics and Peace), as nações industrializadas terão de reduzir para metade a emissão de gases de efeito de estufa até 2030 e parar de adicionar CO2 à atmosfera a partir de 2050.

30 anos para descarbonizar. Na Europa, a neutralidade carbónica até 2050, implica uma profunda mudança económica e social. A descarbonização – primeiro da produção de eletricidade, depois da mobilidade e da indústria – transformará radicalmente a indústria, o emprego, as nossas vidas. Existem em solo europeu, ainda hoje, cerca de 240 centrais a carvão, 100 das quais com encerramento previsto a curto prazo (de acordo com dados da Europe Beyond Coal Database). O que implica o encerramento de cada uma dessas centrais? O que acontece aos seus trabalhadores, à região, aos empregos indiretos que gera? Enquanto administradora da EDP Geração, uma das minhas responsabilidades passa pela conversão das antigas centrais a carvão peninsulares em polos de energia verde. Estou convicta de que não é possível fazer a transição energética sem que as comunidades anteriormente dependentes dos combustíveis fósseis não tomem parte da prosperidade criada pelas energias limpas.

O futuro é verde. Numa manhã gelada de março deste ano entrei no campus da Harvard Kennedy School, em Cambridge Massachusetts, para aprender um pouco mais sobre alterações climáticas e política energética. À porta do anfiteatro, grandes letras brancas em fundo vermelho interrogam os alunos: ‘Ask what you can do’ (pergunta o que podes fazer). O lema da escola é retirado do discurso inaugural de John F. Kennedy em 1961 (‘ask not what your country can do for you—ask what you can do for your country’). Nos 60ésimo aniversário da sua morte, estas palavras são mais relevantes que nunca. O que podem as empresas de energia fazer? Acelerar o investimento renovável, converter carvão em centros de energia verde e apoiar as comunidades em transição. Assim, tal como no caso do meu avô, as gerações futuras terão uma vida melhor.

  • Joana Freitas
  • Administradora executiva da EDP Geração

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