A grande encenação de Costa
António Costa montou uma grande encenação em torno da demissão de João Galamba que não foi, na verdade, nenhuma demissão. Mas o governo está pior hoje do que estava ontem.
Não há outra forma de o dizer: António Costa seguiu os conselhos dos ‘influenciadores’ de auto-ajuda, fez de um enorme problema uma maior oportunidade e encenou uma jogada política para acabar com as dúvidas sobre quem manda. A encenação, preparada ao minuto, tinha um objetivo, arrumar com Marcelo Rebelo de Sousa depois do Presidente ameaçar com a dissolução nas últimas semanas, envolveu dramatização, reuniões, telefonemas estrategicamente visíveis para as câmaras de televisão e um comunicado de demissão que não era mais do que o engodo para a decisão final.
O dia 2 de maio ficará na história. Tinha começado, na verdade, no final do dia anterior, quando António Costa, regressado de férias, faz as primeiras declarações ao país, através da RTP, com uma defesa contida de João Galamba. Estava tudo em aberto, mas a noticia, horas depois, do Expresso, revelava o que já se desconfiava: Marcelo queria a demissão do ministro das Infraestruturas, por razões que deveriam ser óbvias para toda a gente (menos para Costa). Marcelo percebeu que a sua vontade poderia ser contrariada. E tinha razão.
O dia longo começou com informação a circular nas redações de que poderia haver uma remodelação alargada, e não apenas a saída “inevitável” de João Galamba. Um encontro matinal com João Galamba, uma reunião do núcleo duro político, a visita a Belém e o comunicado do ministro, longo, minucioso, pensado, parecia ser o epílogo previsível. A encenação foi clara logo a seguir.
Costa poderia não ter aceite a demissão de Galamba, e isso já seria mau (mas já lá vamos), mas o teatro que se seguiu foi de baixa política de qualidade. Costa quis pôr Marcelo no seu sítio, afinal, o regime é de pendor parlamentarista. E num golpe de teatro, anuncia que não aceita a demissão. Estava tudo combinado, claro, e Marcelo foi obrigado a divulgar uma nota inédita, e particularmente violenta, que fica para a história.
- O Presidente da República, que não pode exonerar um membro do Governo sem ser por proposta do primeiro-ministro, discorda da posição deste quanto à leitura política dos factos e quanto à perceção deles resultante por parte dos Portugueses, no que respeita ao prestígio das instituições que os regem.
Há um conflito institucional entre São Bento e Belém e, pelo que se percebeu no dia de ontem, qualquer antecipação sobre o futuro próximo é no mínimo arriscada. O que fará o Presidente? Quando sinaliza o “prestígio das instituições“, está a um passo do irregular funcionamento das instituições, a condição para demitir o Governo (a dissolução da Assembleia tem outros argumentos e depende da avaliação política do Presidente).
As razões para uma demissão de João Galamba — como apontado aqui no ECO Login — não mudaram, a comunicação de António Costa não alterou a realidade sobre as efetivas condições de governabilidade do ministro que, como é óbvio, mentiu sobre as reuniões com a CEO da TAP e deixou degradar as instituições com aquela cena imprópria dentro do ministério.
O Governo, hoje, está pior do que estava ontem. Se já não era bem um Governo em pleno exercício de funções, como ficou evidente do último ano e da sucessão de demissões, ficou pior, e passou a ter um ministro que, publicamente, está em funções contra a vontade do Presidente e por razões fundadas e conhecidas de todos, e Costa entrou numa espécie de guerra de nervos com Marcelo.
Costa decidiu que prefere ir a eleições já a esperar pelo desfecho das europeias, o calendário que estava a cristalizar na discussão política por responsabilidade direta de um Governo que não consegue governar. Fez a Marcelo o que fez ao Bloco de Esquerda e ao PCP, e jogou um trunfo. A situação económica e social do país, a instabilidade e incerteza financeira, passou para segundo plano, terceiro mesmo, o que conta para Costa é preservar o poder pelo poder, a proteção do PS neste ciclo e no próximo.
O que fará Marcelo? O caminho é estreito, mas se ficar pela nota divulgada ontem, pode dar o seu mandato por terminado. Há objetivamente condições para dissolver a assembleia por falta de confiança no primeiro-ministro depois da grande encenação (e maior provocação), mas Marcelo tem de estar preparado para tudo, até para a possibilidade de ter, ele próprio, de sair antecipadamente de Belém. No meio disto tudo, o país é um palco para as jogadas de Costa.
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