Depois de “xeque ao rei” por Costa, estabilidade política pode ser difícil

Com uma demissão recusada e discordância pública, primeiro-ministro colocou Presidente da República em xeque e resposta vai ditar futura relação dos dois. Com Galamba na pasta, pressão vai continuar.

Quando todos davam como certo que o Governo de António Costa iria ter a sua 13º demissão em 13 meses, o primeiro-ministro surpreendeu ao recusar a saída de João Galamba. Com esta jogada, vista por muitos como uma “encenação”, vem comprometer as relações com o Presidente da República, cuja influência pode sair beliscada caso deixe Costa sem resposta, apontam os politólogos ouvidos pelo ECO. Já sobre a estabilidade política, o mais provável é que a comissão de inquérito à TAP continue a colocar pressão sobre o Executivo socialista.

O que se passou nesta terça-feira foi, para a politóloga Paula Espírito Santo, uma “peça em dois atos”. Nesta “encenação”, Galamba reúne de manhã com Costa cerca de 1h30, onde se detalha tudo o que envolvia a situação entre o ministro e o seu ex-adjunto, cujas relações azedaram devido a contradições sobre reuniões preparatórias com a ex-CEO da TAP. O ministro sai dessa reunião e à noite apresenta a demissão, que justifica nomeadamente com a perceção da opinião pública relativamente à polémica que se tinha levantado. Este é o primeiro ato.

O segundo ato vem pouco menos de meia hora depois, quando o primeiro-ministro não aceita a demissão do ministro. “Não sabia que este a ia apresentar? Porque é que Galamba apresenta demissão se sai da reunião com convicção que tem confiança política de Costa? Ou sai da reunião sem convicção?”, questiona a politóloga. Muitas são as perguntas mas poucas as respostas, sendo que segundo o Observador, Galamba apenas soube pela televisão que Costa não ia aceitar a sua demissão.

Mas fica a dúvida no ar se tudo não passou de um teatro, já que o impacto político é diferente tendo sido o próprio ministro a apresentar demissão: “Ou não estão em convergência, ou então é uma encenação pública para legitimar a continuidade do ministro”, aponta Paula Espírito Santo.

Hugo Ferrinho Lopes também vê outras justificações para a “jogada” do primeiro-ministro. “António Costa estará cansado de trocar membros do Governo e de deixar cair quadros políticos que lhe são próximos”, como aconteceu no caso Eduardo Cabrita, recorda, em declarações ao ECO. “A manutenção de João Galamba como ministro pode contribuir para diminuir os conflitos intrapartidários do PS e a agradar à sua base militante”, sugere ainda.

No entanto, esta decisão “não deixa de ser um “xeque ao rei” – neste caso, ao Presidente”, assume o investigador de doutoramento do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Num passo pouco habitual, Marcelo, que tinha comentado pouco o caso mas deixou claro que o via com seriedade, reagiu à reviravolta de Costa com um comunicado onde expressa publicamente que discorda da sua decisão, apesar de não ter poder para demitir ministros sem ser por proposta.

“António Costa desafiou Marcelo Rebelo de Sousa publicamente” e, depois disso, se este “não convocar eleições, o seu poder de facto e a sua margem de influência ficam severamente prejudicados”, afiança Hugo Ferrinho Lopes.

"Se Galamba se mostrar incompetente na pasta, aí sim o Presidente da República tem de refletir sobre a melhor decisão a tomar, equacionar sobre se dissolução é uma resposta.”

Paula Espírito Santo

Politóloga

Por um lado, “ao dissolver a Assembleia da República, o Presidente corre o risco de não sair uma solução governativa estável de eleições antecipadas”. Por outro, “depois de seis meses em que foi o próprio Presidente a falar várias vezes de eleições antecipadas, é a sua magistratura de influência que está em causa”, reitera o politólogo.

O investigador acrescenta ainda que “não deixa de ser curioso que a aparente boa relação do primeiro-ministro e do Presidente da República tenha degenerado nesta situação”.

Paula Espírito Santo também admite que “esta decisão de António Costa compromete a relação com o Presidente”. Aquela que era uma “relação de proximidade politicamente bastante fluida entre os dois titulares dos órgãos de soberania” já não vai ficar igual, ainda que tal possa não comprometer o funcionamento das instituições, salienta.

Quanto à dissolução, a politóloga considera que a avaliação será feita consoante o desempenho de Galamba de agora em diante. “Se não funcionar a decisão que o primeiro-ministro tomou, ou seja se Galamba se mostrar incompetente na pasta, aí sim o Presidente da República tem de refletir sobre a melhor decisão a tomar, equacionar sobre se a dissolução é uma resposta, na eventual instabilidade governativa”.

Tendo em conta também que o Presidente da República defendeu recentemente que não fazia sentido ainda falar de dissolução da Assembleia, elencando um conjunto de justificações que incluíam também a existência (ou falta dela) de uma alternativa política.

Além disso, é de recordar que vão existir eleições europeias em 2024, que ainda que não afetem a composição da Assembleia e do Governo tradicionalmente servem como “um barómetro para medir o descontentamento da população em relação à ação governativa”, salienta Paula Espírito Santo.

"Se prosseguir a Comissão Parlamentar de Inquérito, aumentará a pressão e o escrutínio sobre o Ministério de João Galamba, forçará o caso a continuar na ordem do dia e, em última instância, o Governo a estar num constante lume brando”

Hugo Ferrinho Lopes

Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

E nos próximos tempos, estará assegurada a estabilidade governativa? Para Hugo Ferrinho Lopes, tal será “difícil”, já que “parte dela depende de Belém: se o Presidente dissolver a Assembleia da República, há lugar a eleições antecipadas”. “Se não dissolver, prossegue a Comissão Parlamentar de Inquérito e as audições a uma série de personalidades”, o que “aumentará a pressão e o escrutínio sobre o Ministério de João Galamba, forçará o caso a continuar na ordem do dia e, em última instância, o Governo a estar num constante lume brando”, alvitra.

Paula Espírito Santo salienta também que o ministro sai fragilizado, sendo que ele próprio assumiu que há uma “perceção criada na opinião pública” de que há coisas por esclarecer. Esta fragilização tem consequências, considera, “dado que o Ministério fica mais exposto, porque o ministro fica diminuído na sua autoridade política e tem temas e dossiês muito sensíveis e polémicos”.

Há assim uma “dúvida sobre se o ministro tem a possibilidade de manter orientação da gestão política e afirmação política junto dos intervenientes com quem tem de tratar matérias como a TAP e a CP“, alerta.

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