Acordo europeu sobre cereais prejudica pequenos agricultores, critica Kiev
"As atuais condições de trânsito não são as melhores. Colocam uma pressão adicional sobre os agricultores ucranianos, aumentando o custo da logística", diz representante de Kiev.
Uma alta responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano considerou esta sexta-feira que a recente decisão da Comissão Europeia sobre a importação de cereais ucranianos pode prejudicar os pequenos agricultores e alertou para a “chantagem” russa ao nível da exportação.
“O mais importante para os agricultores ucranianos neste momento é a previsibilidade”, alertou Olga Trofimtseva em declarações à agência noticiosa espanhola EFE, comentando o acordo entre o executivo comunitário e os cinco países da União Europeia (UE) – Polónia, Hungria, Bulgária, Roménia e Eslováquia – que proibiram unilateralmente a importação de cereais e outros produtos agrícolas da Ucrânia em meados de abril, alegando querer proteger os seus agricultores.
O acordo alcançado abriu as portas ao trânsito de produtos agrícolas ucranianos para outros Estados-membros da UE. “Não é ainda claro quando é que a decisão se traduzirá efetivamente num mecanismo operacional para o trânsito de produtos ucranianos através dos países vizinhos da UE”, sublinhou Trofimtseva, lembrando que os quatro produtos afetados são o trigo, milho, girassol e soja.
A Comissão Europeia adotou recentemente “medidas preventivas excecionais e temporárias” sobre as importações dos quatro produtos ucranianos em questão para ajudar a Polónia, Roménia, Bulgária, Eslováquia e Hungria. De acordo com estas medidas, as importações ucranianas entrarão nestes cinco países apenas se passarem pelos seus territórios para serem exportadas para outros Estados-membros ou para países que não pertencem ao bloco europeu.
Estes cinco países da UE viram os seus setores agrícolas atingidos pelo aumento das importações de cereais da Ucrânia, que são muito mais baratas, provocando protestos de trabalhadores agrícolas. Segundo Trofimtseva, enquanto se organiza a aplicação do novo acordo, estão a registar-se “grandes filas de camiões e vagões ferroviários” na fronteira entre a Ucrânia e a Polónia.
“As atuais condições de trânsito não são as melhores. Colocam uma pressão adicional sobre os agricultores ucranianos, aumentando o custo da logística”, acrescentou Trofimtseva. Os exportadores ucranianos e os seus clientes na UE estão a resolver muitos problemas práticos, mas a situação está a tornar-se crítica para os pequenos e médios agricultores e comerciantes.
Estes estão, segundo Trofimtseva, especialmente dependentes das “rotas de solidariedade” criadas pela UE para ajudar a Ucrânia a exportar os seus cereais, devido ao bloqueio da Rússia aos portos ucranianos do Mar Negro. “Muitos estão a lutar para sobreviver e não sabem se vão ou não plantar na próxima época. Não vão poder trabalhar com prejuízo pela segunda ou terceira época consecutiva”, disse a representante.
A boa notícia, segundo referiu à EFE, é que Bruxelas anulou as proibições unilaterais, que eram “infundadas” e incluíam produtos como os laticínios. A Ucrânia pode agora falar com Bruxelas, bem como com os governos nacionais dos países da UE, para evitar que a situação se deteriore, segundo prosseguiu a representante.
Por outro lado, Olga Trofimtseva denunciou que o “corredor de cereais” dos portos do Mar Negro está a ser “sabotado” pela Rússia. Na semana passada, frisou a representante, o volume de cereais exportados através do corredor do Mar Negro caiu 31% e tornou-se o mais baixo em 2023.
Segundo Trofimtseva, a Rússia está a bloquear as inspeções dos navios no Centro de Coordenação Conjunto em Istambul, criado após o acordo sobre os cereais assinado no verão de 2022 sob mediação da Turquia e da ONU, e está a fazer exigências exorbitantes em troca de um acordo para a prorrogação do acordo. A Rússia insiste que o protocolo só foi prorrogado por 60 dias em março passado e não por 120, como anunciou a Ucrânia.
Trofimtseva sublinhou que o acordo é muito claro e deve simplesmente ser cumprido por todas as partes. A única resposta possível da ONU e da Turquia à “chantagem” da Rússia é “manter uma posição firme e não ceder”, sublinhou. “A Rússia só compreende a linguagem da força e recuará se encontrar uma resposta coesa”, disse a representante, que afirmou estar otimista pelo facto da Turquia e da China, que importaram mais de cinco milhões de toneladas de cereais ucranianos através do corredor, terem reiterado que o acordo tem de funcionar de forma estável e previsível.
A responsável diplomática ucraniana sublinhou a importância do trabalho efetivo do “corredor de cereais” e das iniciativas de solidariedade da UE, que fazem chegar os produtos da Ucrânia aos países mais necessitados de alimentos e onde a situação se deteriorou recentemente. Segundo o Ministério da Agricultura ucraniano, mais de 25% do trigo exportado através do “corredor de cereais” chegou até agora a países como a Etiópia, Iémen, Sudão ou Bangladesh.
Trofimtseva realçou ainda que a Ucrânia está a fiscalizar as exportações russas de cereais ucranianos, que Moscovo capturou nos territórios ucranianos ocupados, para países como a Síria. “É importante recolher dados para que a Rússia possa ser responsabilizada e obrigada a compensar a Ucrânia pelas perdas”, concluiu Trofimtseva.
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